É apaixonada pelos lugares sem mapa e pela eternidade das memórias conquistadas. Sempre teve curiosidade de ver o mundo, mas foi quando fez a pé e de mochila às costas o caminho francês de Santiago, que percebeu a quantidade de aventuras que há para serem vividas além fronteiras. Em 2011 deu outro grande salto quando foi sozinha à descoberta da América do Sul durante três meses. Desde então a sede de aventura só tem aumentado e elege o Borneo como uma das suas viagens de eleição. Quando não está a viajar, a Rita já está a pensar no seu próximo destino.
Como um dos novos ‘reforços’ da equipa, a Rita Andrade responde às perguntas do colega e líder Nomad Mateus Brandão.
Diz-se por aí que ser líder Nomad é uma das melhores profissões do mundo. Quão sortuda te definirias?
Imagina que tens o sonho de ir à lua. Que passas os dias a olhar para ela, pintá-la, escrever poemas sobre ela, tirar fotos para o instagram e fazer-lhe declarações de amor em público. Quão sortudo te sentirias se a Nasa te contactasse e te dissesse: “toma este foguetão, vens à lua connosco”. É isso – sou mesmo muito sortuda. Claro que cada um tem os seus próprios sonhos e luta para um determinado estilo de vida. Esta fase que agora inicio, como líder de viagens Nomad, é como a primeira página de um novo capítulo da minha vida que estou ansiosa por preencher. É tudo o que eu poderia sonhar e até um bocadinho mais. Chegaram-me a dizer para não sonhar tão alto, porque há coisas difíceis de acontecer. E eis-me agora: na lua!
Qual a coisa que mais aprecias na humanidade?
A bondade. Aquela bondade genuína, pouco noticiada nos telejornais, mas que ainda existe pelo mundo fora. A capacidade que algumas pessoas têm de se dedicar aos outros colocando-se a eles próprios em segundo plano.
E que ‘qualidade pessoal’ tens esperança de sair reforçada com as tuas viagens?
Cada viagem que fiz transformou-me sempre de alguma forma e é o que espero que continue a acontecer. A confiança em mim mesma, perder medos, desafiar-me a ir para além da minha zona de conforto – isto tudo são coisas que vão crescendo em mim quando viajo. Conhecer diferentes culturas e conversar com pessoas de vários cantos do mundo dá-nos a capacidade de entender melhor o mundo em que vivemos. Como qualidade pessoal a ser reforçada, diria talvez o “desenrascanço” – esta maravilhosa qualidade (e diz-se que tipicamente portuguesa) que vai melhorando cada vez que se põe a mochila às costas.
Qual o sentido que mais te é despertado quando estás em viagem?
Se tiver de escolher só um sentido estou tramada. É um festim de sentidos! Mas o de eleição é sem dúvida o olhar. Costumo dizer que viajar faz-nos manter viva a criança dentro de nós: estamos sempre a descobrir coisas novas, de olhos arregalados, insaciáveis de novos estímulos. Aguentamos cansaço, desconforto, défice de sono e picadas de mosquitos. O preço da dinâmica de descoberta que se apossa de nós: observar um mundo novo que se revela. É emocionante! Olho para o meu sobrinho que fez agora dois anos a olhar para as coisas pela primeira vez com um entusiasmo que me relembra o meu quando vou a algum lado pela primeira vez. E, ás vezes, à segunda ou terceira. Há sempre algo novo para descobrir!
Continuas a aprender sobre quem realmente és?
Sempre! E as viagens sempre me ajudaram com isso. Tinha alguns medos quando era pequena, era algo insegura. Fui crescendo e alguns passaram, mas foi quando decidi ir viver para fora de Portugal, e depois começar a viajar sozinha, que dei o “salto” para a essência da descoberta. E continuo a descobrir-me todos os dias, a aprender coisas novas sobre a pessoa que sou e na que me vou tornando. E espero continuar a fazê-lo, já que também estamos em constante mudança – tal como o mundo que nos propomos descobrir.
Qual a tua estação do ano preferida e onde?
Pergunta difícil. Cada estação tem o seu encanto, em algum lado do mundo. O verão na Patagónia é incrível, apesar do frio (de que normalmente fujo a sete pés), esta é a altura mais suportável em termos de temperatura e as paisagens são de cortar a respiração.
A Primavera cá em Portugal – adoro quando o calor aparece mas ainda é suportável para fazer caminhadas; aí talvez elegesse como destino o Gerês ou os Açores.
Em termos de temperatura costumo preferir o calor, e uma praia de água quente na Indonésia, Moçambique ou Hawaii é sempre bem-vinda. Pronto, é oficial: não consigo eleger uma estação favorita!
De todos esses lugares, consegues eleger um de tua eleição ou, de todos os sítios por onde tens passado, onde não te importarias de viver e porquê?
Não consigo eleger um só local. Mas senti em vários sítios que não me importaria de ali viver – se bem que em muitos casos apenas estive alguns dias o que não dá para saber ao certo se iria ser feliz ali a longo prazo. O ideal para mim era ir vivendo, sem tempo pré-definido, em cada lugar com que me apaixonasse (preferencialmente quente). Mas como também gosto muito de estar por cá, ainda não o fiz (vivi cerca de 4 anos em Inglaterra, mas ao fim desse tempo quis voltar). Continuo a gostar muito de chamar casa a Lisboa, e até aqui há constantes descobertas.
E em contrapartida, que país ou cidade não tens vontade (ou até mesmo te recusarias) a visitar?
Não há nenhum país que diga que não quero mesmo visitar. Há no entanto alguns a que não iria por estarem a passar por conflitos terríveis ou porque têm governantes tão complicados (o mínimo que posso dizer) que acho que não me sentiria nem segura, nem feliz. Alguns destes são os que normalmente vemos nas notícias.
Que utilizas mais frequentemente: o LP ou o bloco de notas?
Os dois. O LP antes (e muitos blogs) e o bloco de notas durante e depois da viagem. Mas mais que tudo: a máquina fotográfica.
Quais os últimos 3 livros que leste?
Na verdade estou sempre a ler 2 ou 3 livros ao mesmo tempo. Pode parecer estranho, mas como quase sempre tenho o kindle comigo (o melhor amigo de qualquer viajante que gosta de leitura e de ter a mochila leve) há sempre um que já comecei para cada tipo de humor. Os últimos que terminei foram a biografia do Steve Jobs e um que reli (adoro) de pequenas histórias de viajantes com prefácio de Michael Palin (o fabuloso viajante saído dos Monty Python) “Ox Travels: Meetings with Remarkable Travel Writers” (aconselho vivamente – são várias histórias contadas na primeira pessoa por vários escritores de viagem e a venda do livro ainda reverte para ajudar a Oxfam nas suas missões pelo mundo). Ainda em leitura está o livro “Mulheres viajantes” pela Sónia Serrano e o “1984”, de George Orwell. Este último tem uma história interessante: numa das minhas viagens Porto-Lisboa, depois de uma reunião na Nomad HQ, estou eu entretida a ler no comboio quando o rapaz ao meu lado chega ao seu destino e antes de sair diz-me “Gostas de ler? Tens de ler o 1984, aí está um livro que vai mudar a tua forma de pensar”. A verdade é que andava com o livro na minha mesa de cabeceira já há uns tempos para ler (uma das minhas falhas era ainda não o ter lido) e nessa noite peguei nele, e comecei…
Alain de Botton escrevia sobre a ‘arte de viajar’. Partilhas dessa opinião de que viajar pode ser uma arte?
Viajar pode ser sim uma arte. Mas se formos pela descoberta, pela aventura, e estivermos receptivos às aprendizagens e a ensinar algo nosso também. Dispostos a “viver” nas fronteiras, imersos até onde a comunicação com o outro se torna possível.
Se formos meramente pela selfie em frente à piscina e ficarmos o tempo todo no hotel talvez não seja tanto uma arte mas apenas uma coleção de cenários redutores.
Por outro lado, também considero “fazer a mochila” uma verdadeira arte! Um dia ainda vou dar a volta ao mundo com uma mochila de 40 litros.
Quando tiveres 80 anos, o que contarás aos teus filhos?
Que a existência de lugares perigosos não definem o mundo como um lugar perigoso. Que viajar não é coisa só para ricos. Que não és novo, pequeno, frágil, inseguro demais para o fazeres. Que viajar sozinho se deve fazer pelo menos uma vez na vida. Que a vida é tua para fazeres dela o que queres, e que seguires aquilo que te faz feliz nunca é motivo de vergonha, mas de orgulho. Que há um mundo de gentes, de paisagens, de culturas, de línguas, de animais e de monumentos para descobrires – mas o primeiro passo tens de ser tu a dar. E por mais cliché que isto tudo pareça, ainda há um maior que todos: arrepende-te apenas das coisas que não fizeste. Espero conseguir lembrar-me disto tudo aos 80.
{relacionados} Artigo escrito por Mateus Brandão ao abrigo da parceria entre a Agência de Viagens de Aventura Nomad (www.nomad.pt) e o Jornal i.