Marcelo e o Estado


O facto de ser uma vedeta mediática e irrequieta não lhe retira credibilidade para exercer a difícil função de Presidente 


Vale a pena aproveitar o facto de a campanha das legislativas bater o pleno para falar de outros aspectos da vida política que poderão ser relevantes.

Um deles é o perfil de Marcelo Rebelo de Sousa, provavelmente o português com mais hipóteses de ser eleito Presidente da República. Marcelo, como familiarmente lhe chamam (integra um restrito grupo de figuras que têm o privilégio de ser tratadas pelo nome próprio, como Amália, Eusébio, Ronaldo e Herman), sempre foi uma figura singular na sociedade portuguesa. Para isso concorreram factores como a sua origem familiar e política, a capacidade intelectual, o mérito estudantil, a qualidade como professor e, para o grande público, o estatuto de comunicador e analista, primeiro no “Expresso”, de forma mais discreta mas influente, depois na rádio (RR e sobretudo TSF), seguindo-se a televisão (RTP e agora TVI), onde pontifica como grande explicador nacional. Só na SIC é que nunca poisou, dada a hostilidade de Balsemão, que não amnistiou “estórias” antigas.
Simpático e acessível, ainda que muitas vezes superficial (o que irrita muita gente especialmente informada sobre temas tratados), o professor é hoje mais conhecido e suscita mais simpatia do que qualquer profissional de televisão ou artista. Para essa notoriedade positiva também contribuiu a cautela de que passou a usar desde que Belém se tornou uma hipótese, não hostilizando quase nada, mas não renegando a sua origem política, social e religiosa, o que lhe fica bem.

Fora dos ecrãs multiplicou aparições e intervenções em eventos a granel, não hesitando em expor-se, ao contrário do que faz quanto à sua vida privada e íntima, que preserva muito. A excepção são ternas referências pontuais aos pais, filhos e netos.

Dada a sua sobreexposição mediática e comunicativa (apesar de alguns dizerem que é um tímido), não admira que a imagem que os media têm traçado de Marcelo esteja, às vezes, mais ligada a aspectos pitorescos, traquinas e superficiais da sua personalidade do que propriamente à sua substância política e doutrinária. Já no campo humano, os jornalistas evocam sempre a circunstância de ser um católico convicto que apoia pessoas em fases difíceis. São exemplo as visitas que, já presidente do PSD, fez discretamente a Londres a Luísa Guterres quando esta já estava muito doente. Enquanto académico e jurisconsulto, afirmou-se mesmo aos olhos de rivais universitários. 

Mas, hoje, o tempo é de olhar para Marcelo como dirigente político. Fundador do PPD/PSD, ocupou vários lugares partidários. Foi jovem e activo deputado constituinte, secretário de Estado, ministro (Balsemão tê-lo-ia chamado para o controlar) e membro do Conselho de Estado. Foi, porém, como líder da oposição que revelou facetas relevantes e qualidades de Estado, a despeito de não ter conseguido passar da oposição à governação, sendo substituído por Barroso depois de abandonar inopinadamente a liderança ao perceber que o poder não estava ao virar da esquina.

O facto é que, se nos ativermos à sua função de chefe da oposição, Marcelo foi sério. Pôs os interesses do país à frente do partido. Não cedeu à tentação demagógica de criar crispações artificiais, mas cumpriu muito bem o papel, ajudado pela liderança parlamentar de Marques Mendes. Basta recordar que convenceu os socialistas a aceitar dois referendos que o PS perdeu. Um deles era sobre a regionalização, uma desgraça potencial da qual não se voltou a falar até hoje. Viabilizou orçamentos do amigo e rival António Guterres e ambos se entenderam em matérias matriciais quando necessário. Esta faceta conciliadora, leal (patriótica para alguns) e pouco citada de Marcelo é um aspecto que o valoriza e merece ser recordado, agora que pode estar à beira de se candidatar a Belém.
A acreditar nas sondagens, as próximas legislativas de Outubro podem produzir uma situação complexa em que a estabilidade governativa não será fácil de encontrar. Um quadro dessa natureza dará ao actual Presidente da República e ao seu sucessor um papel fundamental de mediação e procura de soluções estáveis.

Quando entrar em funções, o presidente seguinte encontrará necessariamente um quadro complexo, seja por causa da situação político-económica interna ou da conjuntura europeia e mundial, que tem vindo sempre a degradar-se. Por isso mesmo, deverá ser alguém com capacidade e sagacidade para gerar consensos internos e, noutro campo, dar protagonismo externo a um país que actualmente não conta.

No lote de possíveis candidatos, Marcelo é o mais popular. Mas, por muito importante que seja, não pode ser por isso que se vota em alguém. Ser conhecido não chega. Interessa muito mais a preparação, a experiência e a qualidade demonstrada no plano político. E, nesse campo, Marcelo está bem posicionado, embora Rui Rio e Maria de Belém tenham argumentos, ao contrário de Sampaio da Nóvoa, que é uma carta fechada. Veremos se Marcelo avança mesmo, abdicando de uma vida confortável, e se enfrenta a hostilidade de Passos Coelho, caso este se mantenha à frente do PSD. Falta pouco para que tenha de pôr as cartas na mesa.

Jornalista
Director da Newshold
Escreve à quarta-feira 

Marcelo e o Estado


O facto de ser uma vedeta mediática e irrequieta não lhe retira credibilidade para exercer a difícil função de Presidente 


Vale a pena aproveitar o facto de a campanha das legislativas bater o pleno para falar de outros aspectos da vida política que poderão ser relevantes.

Um deles é o perfil de Marcelo Rebelo de Sousa, provavelmente o português com mais hipóteses de ser eleito Presidente da República. Marcelo, como familiarmente lhe chamam (integra um restrito grupo de figuras que têm o privilégio de ser tratadas pelo nome próprio, como Amália, Eusébio, Ronaldo e Herman), sempre foi uma figura singular na sociedade portuguesa. Para isso concorreram factores como a sua origem familiar e política, a capacidade intelectual, o mérito estudantil, a qualidade como professor e, para o grande público, o estatuto de comunicador e analista, primeiro no “Expresso”, de forma mais discreta mas influente, depois na rádio (RR e sobretudo TSF), seguindo-se a televisão (RTP e agora TVI), onde pontifica como grande explicador nacional. Só na SIC é que nunca poisou, dada a hostilidade de Balsemão, que não amnistiou “estórias” antigas.
Simpático e acessível, ainda que muitas vezes superficial (o que irrita muita gente especialmente informada sobre temas tratados), o professor é hoje mais conhecido e suscita mais simpatia do que qualquer profissional de televisão ou artista. Para essa notoriedade positiva também contribuiu a cautela de que passou a usar desde que Belém se tornou uma hipótese, não hostilizando quase nada, mas não renegando a sua origem política, social e religiosa, o que lhe fica bem.

Fora dos ecrãs multiplicou aparições e intervenções em eventos a granel, não hesitando em expor-se, ao contrário do que faz quanto à sua vida privada e íntima, que preserva muito. A excepção são ternas referências pontuais aos pais, filhos e netos.

Dada a sua sobreexposição mediática e comunicativa (apesar de alguns dizerem que é um tímido), não admira que a imagem que os media têm traçado de Marcelo esteja, às vezes, mais ligada a aspectos pitorescos, traquinas e superficiais da sua personalidade do que propriamente à sua substância política e doutrinária. Já no campo humano, os jornalistas evocam sempre a circunstância de ser um católico convicto que apoia pessoas em fases difíceis. São exemplo as visitas que, já presidente do PSD, fez discretamente a Londres a Luísa Guterres quando esta já estava muito doente. Enquanto académico e jurisconsulto, afirmou-se mesmo aos olhos de rivais universitários. 

Mas, hoje, o tempo é de olhar para Marcelo como dirigente político. Fundador do PPD/PSD, ocupou vários lugares partidários. Foi jovem e activo deputado constituinte, secretário de Estado, ministro (Balsemão tê-lo-ia chamado para o controlar) e membro do Conselho de Estado. Foi, porém, como líder da oposição que revelou facetas relevantes e qualidades de Estado, a despeito de não ter conseguido passar da oposição à governação, sendo substituído por Barroso depois de abandonar inopinadamente a liderança ao perceber que o poder não estava ao virar da esquina.

O facto é que, se nos ativermos à sua função de chefe da oposição, Marcelo foi sério. Pôs os interesses do país à frente do partido. Não cedeu à tentação demagógica de criar crispações artificiais, mas cumpriu muito bem o papel, ajudado pela liderança parlamentar de Marques Mendes. Basta recordar que convenceu os socialistas a aceitar dois referendos que o PS perdeu. Um deles era sobre a regionalização, uma desgraça potencial da qual não se voltou a falar até hoje. Viabilizou orçamentos do amigo e rival António Guterres e ambos se entenderam em matérias matriciais quando necessário. Esta faceta conciliadora, leal (patriótica para alguns) e pouco citada de Marcelo é um aspecto que o valoriza e merece ser recordado, agora que pode estar à beira de se candidatar a Belém.
A acreditar nas sondagens, as próximas legislativas de Outubro podem produzir uma situação complexa em que a estabilidade governativa não será fácil de encontrar. Um quadro dessa natureza dará ao actual Presidente da República e ao seu sucessor um papel fundamental de mediação e procura de soluções estáveis.

Quando entrar em funções, o presidente seguinte encontrará necessariamente um quadro complexo, seja por causa da situação político-económica interna ou da conjuntura europeia e mundial, que tem vindo sempre a degradar-se. Por isso mesmo, deverá ser alguém com capacidade e sagacidade para gerar consensos internos e, noutro campo, dar protagonismo externo a um país que actualmente não conta.

No lote de possíveis candidatos, Marcelo é o mais popular. Mas, por muito importante que seja, não pode ser por isso que se vota em alguém. Ser conhecido não chega. Interessa muito mais a preparação, a experiência e a qualidade demonstrada no plano político. E, nesse campo, Marcelo está bem posicionado, embora Rui Rio e Maria de Belém tenham argumentos, ao contrário de Sampaio da Nóvoa, que é uma carta fechada. Veremos se Marcelo avança mesmo, abdicando de uma vida confortável, e se enfrenta a hostilidade de Passos Coelho, caso este se mantenha à frente do PSD. Falta pouco para que tenha de pôr as cartas na mesa.

Jornalista
Director da Newshold
Escreve à quarta-feira