© Eduardo Martins
A campanha eleitoral em curso tem vindo a centrar-se no tema da segurança social, desde logo a propósito de cortes de pensões e de prestações sociais. Este é o tema do momento, como o foi, por exemplo, nas legislativas de 2002 o “papel do Estado” e o modo como este deveria cumprir as suas funções, na contenda entre Ferro Rodrigues e Durão Barroso.
PSD/CDS e PS não querem que passe despercebido que propõem coisas distintas. E com o peso dos eleitores reformados ou quase em idade de reforma a pesar na balança eleitoral, a que se juntam os beneficiários de subvenções públicas, ninguém quer que fiquem dúvidas sobre o que é dito – ou, pelo menos, querem simplesmente que só fiquem as dúvidas por si escolhidas, e não outras.
No entanto, boa parte dos tópicos em torno da segurança social relacionam-se com um futuro mais longínquo, e não imediatamente com o nosso tempo.
Talvez por isso sejam os aspectos mais imediatos, mas menos estruturais, aqueles que mais tempo de antena têm merecido: eventuais cortes em pensões e em prestações sociais, reduções e aumentos nas contribuições de trabalhadores e empresas, taxas punitivas para empresas pouco amigas do emprego, reorientação imediata de contribuições dos trabalhadores do sistema público de segurança social para fundos privados, etc.
Quanto ao futuro que se projecta a mais de uma legislatura, é mais difícil obter promessas. A defesa e a sustentabilidade de um modelo de segurança social público que garanta reformas, protecção no desemprego e outras prestações sociais tem sido, sem dúvida, um dos elementos identitários das sociedades em que gostamos de nos rever, mesmo quando diluído na sua complexidade técnica ou na ideia da sua absoluta irreversibilidade, mais aparente do que real.
O simplismo dos últimos tempos tem difundido a ideia de que, se queremos beneficiar de alguma segurança social no futuro, teremos de reduzir a segurança social de que usufruímos no presente. Mas é isto assim tão alegadamente óbvio?
Autores respeitáveis e interessantes, como Daniel Innerarity, têm de facto escrito sobre uma “ética da transmissão”, uma verdadeira “ética do futuro”, que implicaria ver nas gerações actuais uma espécie de “okupas do futuro”, em condições de condicionar e destruir direitos de gerações futuras pelo esbanjamento de recursos presentes.
À semelhança do que se passaria, por exemplo, com a opção pelo nuclear ou o abuso de recursos naturais, criando facturas insondáveis mas irremediáveis para o futuro.
Todavia, enquanto nas matérias ambientais a pressão sobre o futuro está associada sempre, afinal, a um critério de intensidade no uso, isso não pode ser verdade em matéria de direitos, desde logo direitos sociais.
Dizer que, sendo-se agora menos exigente em matéria do posicionamento do Estado quanto ao cumprimento de direitos, isso significará uma diluição positiva desses direitos no tempo futuro parece até um contra-senso. É que o não uso dos direitos, ao contrário do que se passa com a exploração dos recursos marinhos ou com a poluição ambiental, não favorece as gerações futuras. Pelo contrário, a expectativa é a de que direitos não usados e não exigidos se tornem desnecessários. E aqui também reside a insídia do tema.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira