Uma mulher de Pernambuco vai trabalhar como empregada doméstica interna na casa de uma família rica de S. Paulo, deixando com a família uma filha menor, para quem manda regularmente dinheiro.
Na casa onde trabalha, é ela quem verdadeiramente cuida do único filho do casal que, com ela, estabelece uma relação mais afectiva do que com a própria mãe.
Daí, o nome da película: a pergunta triste da criança acerca da mãe, sempre ocupada e ausente, mesmo que vivendo na mesma casa.
Histórias destas há muitas. Vidas de pessoas que, tendo de abandonar os filhos para os poderem ajudar a singrar na vida, acabam por transferir para outros o afecto que não puderam dar aos seus.
Só por si, uma tal história seria já comovente, até por retratar uma realidade que a «crise» tende a perpetuar.
«Que horas ela volta?», o extraordinário filme da realizadora brasileira Anna Muylaer, que ganhou já vários prémios em diferentes festivais, conta, porém, muito mais.
O que nele se relata com desafiante interesse é, verdadeiramente, a perplexidade de Jéssica, a filha antes deixada para trás por Val – a empregada doméstica pernambucana – quando, mais tarde, decidiu juntar-se-lhe, por desejar cursar arquitectura na melhor escola de S. Paulo.
Embora acolhida com simpatia pela família paulista, Jéssica, já com estudos bem-sucedidos e uma mentalidade moderna e socialmente descomplexada, não consegue aceitar as barreiras sociais que presidem à vida na casa aonde foi acolhida.
Jéssica não só não aceita o lugar que lhe está destinado na casa – ela e o filho da família concorrem ambos no vestibular para entrar na universidade – como não entende, ainda, a atitude da mãe, que tenta alertá-la para o que pode e não deve fazer.
Dá-se portanto a uma revolta de ambas. A filha perante o que entende ser a atitude subserviente e conivente da mãe com a discriminação que, subtil mas eficazmente, lhe impõem; a mãe ante o que ela julga ser uma falta de reconhecimento pelos esforços e renúncias que ela se impôs toda a vida para a poder educar.
Val acha que Jéssica é sobranceira, a despreza e não se quer identificar com ela e suas origens; Jessica, que a vida da família paulistana lhe deve ser acessível, revoltando-se com um lugar que não julga compatível com a sua cultura e valor.
Há em toda esta história, tão bem contada e interpretada neste filme, um confronto aparente de valores e perpectivas sociais e pessoais, que tanto enternecem, como indignam e revoltam.
Este cenário permite-nos, contudo, especular um pouco mais.
No filme retratam-se, na verdade, muitas das perplexidades da vida social e política actual: a aspiração a um estilo de vida que, afinal, impede que todos possam ter uma vida melhor.
Só por isso, ele deveria ser visto e fazer meditar todos quantos se esforçam por mudar a vida.
Pretendem, afinal, reproduzir apenas, através de uma maior abrangência social, o modelo de sociedade que existe, ou procuram, antes, construir uma sociedade diferente e fundada em outros valores e conceitos de vida?
Talvez se situe aqui – na aceitação ou recusa deste compasso – a explicação para as desinteligências que existem entre os diferentes projectos de esquerda: a esquerda social-democrata, a esquerda «velha» e a «nova» esquerda.
O final do filme – uma espécie de happy-end – pode inspirar porventura, uma solução: é na clarificação de propósitos e na sua discussão que reside a possibilidade de um entendimento, ainda que circunstancial, entre as diferentes vias.
A vida – essa mestra severa – fará o resto.
Jurista
Escreve à terça-feira