Quem entra na Pastelaria Tentações para beber um café numa quarta-feira à tarde pode ficar um pouco confuso. A partir das seis, as mesas desta pastelaria perto do metro de Picoas, que normalmente passaria despercebida, enchem–se de gente e, mais que isso, de tabuleiros de jogo, cartas, dados e peões.
Também lhe vão servir um café, é certo, mas o mais provável é acabar nalguma mesa com desconhecidos a aprender regras de jogos que podem durar horas e horas – e ninguém parece prestar atenção ao futebol na TV, mesmo em noite de Champions.
Foi o que nos aconteceu. Entrámos a medo e, perante a animação geral, com gente a trocar de mesa a cada cinco minutos – faz parte de um jogo chamado “Duas Salas e Uma Bomba”, explicam-nos – e de bloquear a passagem a empregados com ameaçadores galões na mão, decidimos sentar-nos numa mesa mais afastada da algazarra. Quando nos apercebemos, já estamos a aprender as regras de “Alles Käse”, um jogo de cartas com queijinhos e ratoeiras, e a tentar ganhar a dois miúdos da primária. Não conseguimos. Mas também só costumamos ter sorte à banca francesa, e disso não há aqui.
Aliás, não se joga a dinheiro. Dinheiro, só para pagar os cafés e os jantares que a Pastelaria Tentações, que todas as quartas recebe os Boardgamers de Lisboa, serve até à meia-noite, um pouco além do seu horário habitual.
“Normalmente costumam fechar às 20h00, mas para nós alargam o horário”, explica Tiago Duarte, de 38 anos, um dos membros do grupo criado em 2006.
A GUERRA DAS ROSAS
O engenheiro informático é uma das perto de 50 pessoas que se encontram na pastelaria uma vez por semana, para jogar depois do trabalho. “Às vezes, também nos encontramos em casa uns dos outros”, conta. “Já nos tornámos amigos.”
Para falar connosco, Tiago tem de fazer uma pausa no jogo “A Guerra das Rosas”, que até tem um biombo a tapar os adversários. “É a terceira vez que jogo com o mesmo grupo”, conta. “Joguei uma vez o ano passado e outra há dois anos. É um jogo mais descontraído, de bluff.”
No resto da sala, toda a gente parece entretida. Há o tal grupo de “Duas Salas e Uma Bomba”, com duas equipas, um presidente e um bombista ansioso por se fazer explodir; há um jogo para duas pessoas que envolve mais concentração e “que recria a Guerra dos Sete Dias”, aprendemos; “Nuns On The Run”, para oito barulhentos jogadores, ou não tivesse “freiras à solta no convento”; e outro mais complicado, o “CO2”, pensado por um português e cujo objectivo é “suprimir as emissões mundiais de dióxido de carbono”.
TWILIGHT IMPERIUM 3
Tudo à moda antiga, com tabuleiros, cartas e alguma dedicação – nem que seja para aprender as regras. “Temos jogos que vão desde os 15 minutos até outros de três e quatro horas”, explica Nuno Silva, de 36 anos, também engenheiro informático e membro dos Boardgamers de Lisboa desde 2010.
Para ele, a duração do jogo não é um problema. Um dos seus preferidos, o “Twilight Imperium 3”, de “conquista espacial”, chega a durar seis ou sete horas com seis jogadores. “Costumamos jogá–lo só nos eventos mensais, com mais tempo”, continua Nuno. “Mas nem damos por as horas passarem.”
Além das quartas-feiras, o grupo costuma reunir-se na terceira sexta-feira de cada mês e no sábado seguinte, agora numa sala do Instituto Superior Técnico (e pode lá aparecer já hoje, entre as 15h00 e a 01h00), para jogar com mais calma. Uma vez por ano fazem um encontro nacional (à semelhança do que vai acontecer em breve no Porto), o LisboaCon, geralmente em Março, em que têm tempo para explicar as regras de todos os jogos a quem quiser aprender e juntar-se ao grupo.
ST. PETERSBURG
“Somos um grupo informal, não há sócios nem quotas” e ninguém sabe muito bem quem é que esteve na formação dos Boardgamers. “Foi uma coisa espontânea. Primeiro começaram a encontrar-se num espaço comercial que vendia jogos, e depois, através do site Abre o Jogo, começaram a combinar encontrar-se noutros espaços”, continua Tiago.
Os encontros chegaram a acontecer no Alvaláxia e na Pastelaria Passion Fruit, na Avenida Marquês de Tomar, mas isso acabou quando a gerência do café mudou. “Ainda há muito o estigma de ver o jogo como uma coisa má”, observa Nuno, cujo jogo preferido é o “Saint Petersburg”, de gestão de recursos. “Às vezes estamos a jogar num centro comercial e os seguranças dizem que não podemos estar ali.”
FIFA 16
Para se juntar aos Boardgamers, não há grande ciência. Basta aparecer e ter vontade de jogar e paciência para aprender algumas regras. Os membros do grupo costumam levar jogos de casa, quase todos comprados na internet, já que há poucas lojas em Portugal que os vendem. “Alguns já vão aparecendo na Fnac”, adianta Tiago. Mas é difícil estar a par de todos, já que costumam sair “mais de 800 jogos de tabuleiro por ano”.
No grupo há homens e mulheres de todas as idades e várias profissões, de engenheiros informáticos a dentistas, passando por professores, alunos, bancários, assistentes comerciais e até um filósofo. Curiosamente, nenhum adolescente para as estatísticas. Devem estar todos em casa, a contar os minutos para o lançamento do FIFA 16, esta semana.