Alexandre Afonso, professor de Políticas Públicas na Universidade de Leiden, duvida que o fracasso do Syriza represente o fim de uma esquerda mais radical, já que o radicalismo dos eleitores deve sobreviver às pressões europeias pois já perceberam que deixaram de ter voz sobre as políticas económicas do próprio país, que já não dependem de eleições. Apesar dos custos, assegura que Atenas eLisboa teriam mais opções fora do euro e alerta que a austeridade fez pouco em relação aos verdadeiros problemas dos países. Comecemos pela falta de um Syriza português.
Entre as razões que aponta para a inexistência de um Syriza ou Podemos português está a estagnação que Portugal viveu desde o euro e o que aconteceu em Espanha e Grécia, que viveram anos de boom. Entrámos nesta crise já sem capacidade de reagir?
Em Portugal, a crise não foi um choque tão súbito como na Grécia ou Espanha, porque a década de 2000 foi essencialmente um longo período de estagnação, com défices crónicos e já com políticas de redução da despesa nos governos Sócrates. A crise foi de certeza um choque, mas foi de mau para muito mau. Em Espanha e na Grécia, o período foi de taxas altas de crescimento e de aumento da despesa, aproveitando taxas de juros baixas. Nesse sentido, a crise nesses países transformou uma situação de euforia em catástrofe, e as elites desses países foram castigadas também de maneira mais brutal.
Podemos culpar a estagnação também pela desmotivação dos eleitores?
O baixo interesse político dos portugueses tem um papel importante, mesmo sendo difícil determinar o sentido da relação: não se sabe se a ausência de um Syriza é devido ao pouco interesse dos portugueses ou se o pouco interesse é devido à ausência de challengers. Mas há vários estudos, por exemplo de Pedro Magalhães, que mostram que os baixos níveis de interesse político já existiam antes da crise. É algo que pode ter a ver com baixos níveis de qualificação, com as estratégias dos partidos desde o 25 de Abril, já que, à excepção do PCP, nenhum investiu em construir aparelhos de mobilização.
Se a estagnação pós-euro evitou uma maior deterioração eleitoral de PSD e PS e empurrou muitos para a abstenção, então foi o melhor que podia ter acontecido a estes partidos?
De certa maneira, sim, no sentido que a abstenção não é contabilizada apesar de ser o maior partido em várias democracias europeias. Mas a sobrevivência dos partidos do centro também pode ter a ver com a incapacidade de a esquerda mais radical mobilizar quem não vota. O problema pode não ser só de “procura”, dos eleitores, mas também da “oferta”, das elites. A transição democrática e o fracasso das tentativas de políticas socialistas do fim dos anos 1970 também podem ter inibido o potencial dos partidos mais à esquerda.
Aponta o peso do PCP como outro travão a eventuais novas alternativas, isto apesar da multiplicação de partidos de esquerda. Porque é tão difícil para a esquerda unir-se?
De facto é uma característica de um grande número de partidos nos extremos (esquerda ou direita) de enfrentar cisões e conflitos internos. É talvez mais fácil para partidos do centro, porque são estruturados essencialmente para conquistar o poder dando um papel menor às ideologias, enquanto partidos mais à esquerda ou à direita são por definição mais ideológicos, com mais riscos de conflito.
A vitória do Syriza em Janeiro criou o receio de que emergisse uma vaga de esquerda a tomar conta dos países europeus. O Syriza acabou por encostar ao centro – ou ser encostado. Será que o Syriza que criou a ideia de vaga radical foi o mesmo que acabou com a vaga?
Não tenho a certeza de que o fracasso do Syriza em aplicar o seu programa por causa das pressões da UE signifique o fim desse tipo de radicalismo por parte dos votantes. O que o encosto do Syriza ao centro significa na Europa é que o resultado de eleições não faz diferença para as políticas económicas: se os eleitores votam branco, preto ou azul, recebem as mesmas politicas, decididas não por nacionais, mas pela troika ou Wolfgang Schäuble. Duvido muito que os votantes se tornem mais centristas e aceitem a situação. Ou isto vai traduzir-se em mais desafectação ou em mais apoio para forças ainda mais radicais.
Há que ter em conta as vagas de direita extremista, que aparentam estar em crescendo. Além de FN e UKIP, falo do PVV (Holanda), SD (Suécia) ou DPP (Dinamarca). Há no horizonte uma UE mais próxima da extrema-direita?
Há uma tendência para o desenvolvimento de um radicalismo de esquerda no sul da Europa e de direita no norte, mas é difícil dizer que há uma tendência contínua para o fortalecimento desses partidos. De facto, a “força” desses partidos sempre foi bastante frágil porque depende do carisma do líder: quando ele desaparece, os partidos vão abaixo. Também têm problemas em encontrar pessoal político competente para governar, e as experiências desses partidos no governo (o PVV na Holanda, o FPö na Áustria) foram seguidas de fracassos eleitorais. Isso constitui um obstáculo importante para esses partidos se tornarem forças que consigam substituir os partidos tradicionais.
Em relação à austeridade de Grécia ou Portugal, que avaliação faz da mesma, sobretudo no que toca ao mercado laboral, negociação colectiva ou salários?
No contexto do euro, em que não há possibilidade de desvalorizar a moeda, a desvalorização interna (baixar os salários e preços) apareceu como a única maneira de ajustar a economia. Em termos de desvalorização, as reformas nesses países resultaram em níveis importantes de ajustamento, mesmo que a retoma tenha sido mais lenta e tímida que aquilo que as troikas e os governos tinham previsto. Mas há dois problemas: o primeiro é que o euro não convém a economias como as do sul da Europa e à Alemanha ao mesmo tempo. Quando algumas beneficiam, as outras perdem e vice-versa, sendo certo que sair teria um custo político e económico importante, Portugal ou Grécia fora do euro teriam mais opções que dentro. É por isso que todos os países europeus deixaram o padrão-ouro na grande depressão dos anos 1930. O outro problema é que as políticas de austeridade fizeram muito pouco para resolver o grande problema de economias como Portugal:um nível de produtividade muito baixo devido a um nível de qualificação baixo e pouca disponibilidade de capital. Podem baixar salários, mas se as estruturas económicas de baixa qualificação, baixos salários e baixo valor adicionado são as mesmas, é difícil imaginar o que Portugal poderia exportar que a China ou o Leste não possam e ainda mais barato.