E que tal um Primeiro Ministro inteligente?


A mecânica da decisão na União Europeia assenta em coligações de interesses que variam de acordo com as circunstâncias


No primeiro Conselho Europeu em que participou, António Guterres surpreendeu os chefes de Estado e de Governo com uma intervenção original, bem estruturada e capaz de encontrar uma solução negocial para mais uma contorcida disputa europeia. Não vele a pena esmiuçar o ponto, basta lembrar que depois da década de silêncio cavaquista, Helmut Kohl não se conteve e comentou a distância audível para a delegação portuguesa: “So, unsere portugiesischen Freunde haben einen Mund!”

Foi a primeira de muitas intervenções e Guterres alcançou rapidamente um estatuto que lhe permitia fazer arbitragens de interesses e estabelecer consensos, estatuto que os seus pares invocaram proveitosamente bastas vezes.

A mecânica da decisão na União Europeia assenta em coligações de interesses que variam de acordo com as circunstâncias, não há aliados naturais nem opositores de hoje que não possam vir amanhã a tornar-se úteis num outro dossier. Para ter peso à volta da mesa do Conselho é preciso ser mais inteligente dos que os “grandes”, mais agregador de interesses do que os “pequenos”, mais criativo do que os “médios” e claro, mais trabalhador do que todos os outros. Trabalho que decorre nas reuniões preparatórias em Bruxelas, mas também junto das capitais dos Estados mais importantes e daqueles que num determinado dossier possam contribuir para o vencimento da posição desejada.

Fruto das circunstâncias, mas também das limitações e da inexperiência dos protagonistas lusos mais recentes, os últimos quatro anos foram trágicos em matéria de formulação de uma política europeia. As decisões afunilaram no Conselho ECOFIN onde houve muita contabilidade e quase nenhuma política, o Conselho Europeu foi reduzido à condição de orgão notarial das decisões do ECOFIN. Pela parte lusitana, foram fechadas a cadeado as ferramentas diplomáticas, não se procuraram construir alianças que suavizassem a limitada visão dos Ministros das Finanças e a política portuguesa para a UE transformou-se num exercício de ventriloquismo germânico.

Este último fenómeno coincidiu com o assumir da hegemonia na UE por parte da Alemanha, hegemonia acentuada por uma retirada britânica e por uma incapacidade francesa. Para um sistema de decisão que foi concebido para evitar a hegemonia de um só Estado-membro e para funcionar com base na cooperação de vários Estados (tradicionalmente pelo menos a Alemanha e a França) a coincidência entre a nova hegemonia alemã e a menoridade assumida por Portugal foi duplamente nefasta.

As almas mais atentas ao funcionamento dos processos de decisão na UE terão observado as dificuldades alemãs com o exercício de poderes hegemónicos, dificuldades não só na formulação de políticas mas sobretudo na sua concertação (os episódios recentes em matéria de política de imigração constituem exemplo bastante das “contradições insanáveis” desta hegemonia contra natura) e na sua comunicação e explicação.

Ao contrário do que muitos possam pensar, os nossos amigos alemães precisam, e muito, de ajuda para se ajudarem a si próprios. E ajudá-los a ajudarem-se é a melhor forma de devolver uma dimensão europeia a uma União Europeia que, como explicou esta semana em Bruxelas António Guterres, que não está unida nem se reconhece como Europa.

Escreve à sexta-feira

E que tal um Primeiro Ministro inteligente?


A mecânica da decisão na União Europeia assenta em coligações de interesses que variam de acordo com as circunstâncias


No primeiro Conselho Europeu em que participou, António Guterres surpreendeu os chefes de Estado e de Governo com uma intervenção original, bem estruturada e capaz de encontrar uma solução negocial para mais uma contorcida disputa europeia. Não vele a pena esmiuçar o ponto, basta lembrar que depois da década de silêncio cavaquista, Helmut Kohl não se conteve e comentou a distância audível para a delegação portuguesa: “So, unsere portugiesischen Freunde haben einen Mund!”

Foi a primeira de muitas intervenções e Guterres alcançou rapidamente um estatuto que lhe permitia fazer arbitragens de interesses e estabelecer consensos, estatuto que os seus pares invocaram proveitosamente bastas vezes.

A mecânica da decisão na União Europeia assenta em coligações de interesses que variam de acordo com as circunstâncias, não há aliados naturais nem opositores de hoje que não possam vir amanhã a tornar-se úteis num outro dossier. Para ter peso à volta da mesa do Conselho é preciso ser mais inteligente dos que os “grandes”, mais agregador de interesses do que os “pequenos”, mais criativo do que os “médios” e claro, mais trabalhador do que todos os outros. Trabalho que decorre nas reuniões preparatórias em Bruxelas, mas também junto das capitais dos Estados mais importantes e daqueles que num determinado dossier possam contribuir para o vencimento da posição desejada.

Fruto das circunstâncias, mas também das limitações e da inexperiência dos protagonistas lusos mais recentes, os últimos quatro anos foram trágicos em matéria de formulação de uma política europeia. As decisões afunilaram no Conselho ECOFIN onde houve muita contabilidade e quase nenhuma política, o Conselho Europeu foi reduzido à condição de orgão notarial das decisões do ECOFIN. Pela parte lusitana, foram fechadas a cadeado as ferramentas diplomáticas, não se procuraram construir alianças que suavizassem a limitada visão dos Ministros das Finanças e a política portuguesa para a UE transformou-se num exercício de ventriloquismo germânico.

Este último fenómeno coincidiu com o assumir da hegemonia na UE por parte da Alemanha, hegemonia acentuada por uma retirada britânica e por uma incapacidade francesa. Para um sistema de decisão que foi concebido para evitar a hegemonia de um só Estado-membro e para funcionar com base na cooperação de vários Estados (tradicionalmente pelo menos a Alemanha e a França) a coincidência entre a nova hegemonia alemã e a menoridade assumida por Portugal foi duplamente nefasta.

As almas mais atentas ao funcionamento dos processos de decisão na UE terão observado as dificuldades alemãs com o exercício de poderes hegemónicos, dificuldades não só na formulação de políticas mas sobretudo na sua concertação (os episódios recentes em matéria de política de imigração constituem exemplo bastante das “contradições insanáveis” desta hegemonia contra natura) e na sua comunicação e explicação.

Ao contrário do que muitos possam pensar, os nossos amigos alemães precisam, e muito, de ajuda para se ajudarem a si próprios. E ajudá-los a ajudarem-se é a melhor forma de devolver uma dimensão europeia a uma União Europeia que, como explicou esta semana em Bruxelas António Guterres, que não está unida nem se reconhece como Europa.

Escreve à sexta-feira