A Francisca tem oito anos e até fez pulseiras para oferecer às meninas da sua idade, além dos bonecos que escolheu para dar. O Afonso, de dez, tem estado a ajudar a separar o que vai chegando ao centro de recolha de Alfragide e a dobrar roupas. “Os brinquedos de bebés são muito fixes”, diz, e conta que numa das pausas brincou com “uma bola mundo e foi muito giro imaginar um refugiado a jogar com ela, talvez na “Refugiados League”.
É que o Afonso quer ser jogador de futebol. Mas depois faz um ar grave: “Não deixa de ser mau o que perderam. De certeza que preferiam que a guerra acabasse para poderem voltar para casa e ter tudo o que é deles de volta”.
Os dois são filhos de gente que se empenhou a sério neste movimento civil: Francisca é filha de Sara, que fala entusiasmada – a boca e os olhos comigo, o corpo a correr para a porta. É preciso ir buscar mais sacos e caixas e caixotes à escola da filha, aos amigos da Endemol, onde trabalhou há anos sem fim. Anda para lá e para cá desde segunda-feira.
Afonso é filho de Anna, que acabou por se transformar numa das organizadoras, uma espécie de voluntária à força, responsável pela organização no terreno, os percursos a seguir, os contactos com as embaixadas, as rotas dos refugiados, em conjunto com o Miguel.
Mas estas não são as duas únicas crianças que vão chegando. Há muitas mais, talvez porque as aulas ainda não começaram para todas. Vêm sobretudo à hora do almoço e mais para o fim da tarde. Felizes e com espírito de missão. Para elas, não há dúvidas: é preciso ajudar. É o que pensa o Lourenço, de sete, ou o seu irmão Duarte, de quatro. Sabes o que são refugiados, Lourenço? “Acho que são pessoas da família que estão em perigo e foram para outro país e que temos de ajudar”. A mãe, por perto, tenta corrigir. “Não te lembras da manifestação a que fomos outro dia?” Foram a mãe e o pai quem escolheu os brinquedos, mas os miúdos ficaram felizes, mesmo quando tiveram de se desfazer do boneco Ruca, que com sorte vai chegar às mãos de outro pequeno Duarte.
As manas Mariana, de dez, e Sofia, de seis, também estavam contentes. “Viemos deixar coisas para os refugiados: roupa, brinquedos, comida e higiene”, explica a mais velha. Vês o telejornal ou fotografias? “Vi só uma vez, mas oiço as notícias”, responde. E o que sentes? “Que deviam ter os mesmos direitos do que nós”. A Mariana começa as aulas na segunda-feira, vai para o 5.º ano, e lamenta que os meninos refugiados não tenham uma escola para onde ir.
Não estava muito longe o Lourenço quando falava em família. O i encontrou uma portuguesa de origem sérvia, Maria Kadic. Tem uma irmã a viver na Hungria, onde ia com alguma frequência, e diz que o controlo é cada vez maior. “Quando vemos uma crise mundial desta escala, temos de ajudar. Podia ser eu, lá”.
Mas encontramos bailarinas, professoras, educadoras de infância, desempregados, planeadores de meios, empresários. Muitos voluntários. Foram milhares os portugueses que aderiram à Aylan Kurdi Caravan, este movimento de ajuda aos refugiados que, se tivesse um hino, bem podia ser “Caravan of Love”, dos Housemartins: “Every woman every man/Join the caravan of love/Stand up, Stand up, Stand up/Everybody take a stand/Join the caravan of love/Stand up) stand up, Stand up […]”.
Aquilo que começou por ser uma ideia de celebrar um aniversário de uma forma diferente, de repente ganhou proporções inimagináveis. Resultado, amanhã parte uma caravana de quatro camiões TIR rumo à Croácia – e não à Hungria, como inicialmente previsto, uma vez que as fronteiras estão agora fechadas, com bens para distribuir pelos refugiados. A organização seguirá de avião, provavelmente para Zagreb, capital da Croácia, para ir tratando do desalfandegamento, impostos e toda a logística.
Tudo o que não for possível entregar lá, será entregue aqui em Portugal, ao Centro Português de Refugiados.