Há países que estão indissociavelmente ligados. Nós, portugueses, deveríamos saber isso melhor do que ninguém. Os angolanos, igualmente. Portugal e Angola estão relacionados por um conjunto de laços humanos, económicos, financeiros, culturais e políticos que são praticamente indestrutíveis, apesar dos arrufos e até das posturas agressivas que sistematicamente se verificam e que nos últimos anos se agravam, lamentavelmente, sempre que a situação de um se fragiliza relativamente ao outro.
Até 92, havia em Portugal uma óbvia sobranceria em relação a Angola, dividindo-se a sociedade lusa em quatro partes: a indiferente; a que achava que no tempo colonial é que era bom; a que pensava que o MPLA era o motor da razão; e a que considerava Jonas Savimbi o verdadeiro herói angolano.
Em termos de Estado, sobretudo graças, primeiro, a Sá Carneiro, e depois a Cavaco Silva, Portugal conseguiu sempre manter uma posição conciliadora em relação ao regime implantado em Luanda que era, sem dúvida, aquele que mais laços tinha com Portugal em todas as áreas, designadamente a da simples relação humana, além de ser o que tinha mais expressão na sociedade angolana, como as eleições demonstraram quando as houve.
Finda a guerra civil e desaparecido Jonas Savimbi de forma trágica, Angola cresceu, desenvolveu-se, e Portugal aproveitou o balanço para, no encalce desse progresso alicerçado excessivamente no preço crescente do petróleo, restabelecer laços mais sólidos que ajudaram a periclitante economia portuguesa a evoluir, numa primeira fase, e a não colapsar totalmente depois da crise mundial de 2008.
O crescimento de Angola foi também essencial para Portugal se recompor de políticas erráticas e disparatadas que desbarataram as oportunidades que a Europa lhe deu. A isso ajudaram, evidentemente, os laços históricos e afectivos, e também a crescente riqueza de Angola, associada à vontade política de Luanda de criar grupos que investissem e criassem riqueza fora de portas, transformando Portugal numa plataforma essencial dessa estratégia.
A mancha nesse processo foi, lamentavelmente, uma óbvia pesporrência agressiva de certos sectores angolanos e de importantes jornais locais, que não hesitaram em humilhar os portugueses, destratando-os e insultando-os de forma lamentável – tanto mais lamentável quanto muitos dos escribas de serviço mais não eram e são do que colonos reciclados.
A queda do preço do petróleo, as dificuldades pontuais de Angola e a conjuntura económica mundial vieram, entretanto, alterar novamente as coisas.
Actualmente, verifica-se que Angola entrou numa fase recessiva e que Portugal, apesar de se ressentir disso em certos sectores essenciais, tem, por outro lado, beneficiado com a descida do preço do crude. Fazendo um balanço do deve e do haver, a verdade é que a nova conjuntura causa (apenas aparentemente) menos estragos à economia portuguesa que à de Angola, salvo em sectores muito específicos.
Ora bastou esta alteração pontual para se assistir ao regresso de uma certa hostilidade verbal e escrita relativamente a Angola por parte de alguns sectores portugueses. Mete dó ler alguns escritos em jornais supostamente de referência em que se patenteia um “contra-revanchismo” tão ou mais deplorável que o manifestado recentemente por jornais impressos e digitais angolanos. Prosas subscritas em Lisboa do tipo “passou-lhes a prosápia” são actos de falsos pregadores de moral que se apressam agora a renegar aqueles que antes bajularam.
Pelo menos desde a Inquisição, na sociedade portuguesa, a denúncia, a mesquinhez e a perfídia sempre foram constantes e é repugnante vê-las expostas hoje em certas opiniões a respeito de Angola. É certo que se trata de um país que tem muito para progredir no sentido da justiça social, da equidade e da democracia, que não está verdadeiramente implantada. Mas não é menos certo que no contexto africano se trata de um dos estados mais avançados em termos de liberdades e desenvolvimento. Não é seguramente com iniciativas sectárias, como as que Ana Gomes tem protagonizado no Parlamento Europeu, que se podem estabelecer laços estáveis entre Luanda e Lisboa e avançar no caminho da consolidação da democracia interna angolana.
Era bom que, tanto em Portugal como em Angola, este período de dificuldades comuns não suscitasse um recrudescimento de agressividade, mas uma maior aproximação e colaboração entre povos e estados que têm muito a perder com a crispação de relações. Até para que não aconteça amanhã o que sucede com o Brasil, onde muitos pensam que o pior que lhes aconteceu foi terem sido colonizados por portugueses, sendo a língua o único elo objectivo.
É preciso fazer alguma coisa para que os laços entre Portugal e Angola não se percam e as tensões não se agravem neste período, até porque a economia e a história são uma roda e quem está agora por baixo amanhã, provavelmente, voltará a estar por cima.
A terminar, uma nota tristemente curiosa. No debate televisivo da semana passada, digno do regime norte-coreano, em que praticamente não havia alternativa a não ser na RTP2, nem Passos nem Costa tiveram uma palavra sobre a lusofonia, a Europa e o mundo. Lamentável!
Jornalista
Director da Newshold
Escreve à quarta-feira