O galego diz ter sido vítima de agressões na rentrée política do PCP e explica o “incidente” que os comunistas justificam com a prática de sexo oral dentro da Quinta da Atalaia. “O PCP está a desviar a opinião pública da agressão”, acusa.
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Manuel, 34 anos, é um dos seis cidadãos que apresentaram na PSP uma queixa-crime contra os seguranças da Festa do Avante!, por alegadamente terem sido vítimas de agressões no interior do recinto. O caso mereceu uma forte condenação popular, sobretudo nas redes sociais, e levou o PCP a referir-se em concreto ao “incidente”, explicando os comunistas que a expulsão de Manuel da festa foi motivada não por estar a beijar um homem, mas porque estava a praticar sexo oral em público. Ao i, numa conversa por telefone, o galego nega a acusação do comunicado dos comunistas.
O PCP emitiu um comunicado esta semana em que explica que a sua expulsão aconteceu porque estava a praticar sexo oral noAvante!. É verdade?
É mentira. E mesmo que fosse, justificaria algum tipo de violência? O comunicado do PCP lança esta mentira para desviar a opinião pública e tapar uma agressão homofóbica.
O que se passou exactamente naquela noite de sábado?
Por volta das 3h da manhã conheci um rapaz no espaço internacional. Quando o espaço fechou, caminhámos à procura de outro lugar para continuar a curtir a festa. Fomo-nos distanciando das zonas com mais gente até que parámos numa zona com pouca gente e beijámo-nos. Pouco tempo depois, somos surpreendidos por uma carrinha, de cor cinza, que pára ao nosso lado. Da carrinha saem três homens fardados, de preto, uma farda muito semelhante à da PSP, com calças e botas e boné. Chamaram-nos porcos e disseram que não podíamos fazer aquilo ali, que tínhamos de ir embora. Eles já saíram da carrinha com violência e eu, bastante irritado – a proibição já é uma agressão –, perguntei se existia alguma lei em Portugal que proíbe a troca de beijos entre duas pessoas do mesmo sexo.
O que lhe responderam?
Nada. Continuaram a insultar e um deles fez sinal para dentro da carrinha, de onde saíram mais três seguranças, e começam a agarrar-me:um prendeu-me as mãos atrás das costas e outro batia-me na nuca. Arrastaram-me e meteram-me à força toda dentro da carrinha. Ao rapaz que estava comigo, como não contestou as ordens deles, disseram-lhe para se pôr a correr se não queria que lhe acontecesse o mesmo.
O que aconteceu na carrinha?
Sentaram-me e meteram-me a cabeça entre as pernas. Continuava de mãos presas por um deles atrás das costas, enquanto outros me batiam nas costas, na cabeça e na nuca. Não sei precisar quantos me estavam a bater porque estava com a cabeça para baixo. Só lhes pedia para que me deixassem sair. Quando eles quiseram, lá abriram a porta e arrastaram-me para o exterior da porta principal. Não me davam tempo para andar. Depois fecharam a porta e voltaram à carrinha.
Foi aí que decidiu tirar as fotos?
Sim. Mesmo naquela confusão, tive a lucidez de tirar fotos com o telemóvel para depois apresentar queixa. Enquanto tirava as fotos, um dos porteiros – a esta hora já ninguém entrava, mas ainda havia gente no recinto – avisou-me que seria melhor não tirar fotos. Nesse momento, vejo os seguranças da carrinha a correrem na minha direcção. Eu ainda corri, mas eles apanharam-me ainda com mais violência: voltaram a prender-me as mãos atrás das costas, passámos a porta principal e voltei a ser arrastado até ao interior da carrinha. Bateram-me com ainda mais violência e gritavam “maricas” e “paneleiro”.
Bateram-lhe com algum objecto?
Que eu saiba, não. Estava de cabeça para baixo outra vez. Da primeira vez senti que me batiam com a mão aberta mas depois, da segunda vez, era com a mão fechada e com mais força. Os meus óculos caíram e eu só tentava encontrá-los no chão da carrinha. Uma das lentes deve ter lá ficado. Até que me vendaram os olhos com um tecido, não sei o que era, e um outro segurança amarrou uma corda ao meu pescoço. Pela textura do que senti no pescoço, era uma corda.
A carrinha estava em andamento ou parada?
Em andamento. E eu sempre a pedir para pararem. Garanti-lhes que não acontecia mais nada e eles pediam-me o telemóvel. Chamavam-me “paneleiro de merda”. Durante todas esta confusão, um deles ainda disse aos outros para me largarem. “Larga ele, é camarada.” E outro respondeu“não há camaradas paneleiros”, enquanto me batia com força.
Para onde o estavam a levar?
Só soube depois, quando fui deixado. Mas com os olhos vendados, ouvi que estavam a abrir uma cancela ou uma porta de ferro. Quando abriram a porta da carrinha, fui arrastado para o chão e percebi que estava a subir alguma coisa. Um monte. Sentia folhas de árvores no chão. Não era um jardim, com relva. Subimos durante bastante tempo até que me atiraram para o chão e me pediram o telemóvel. Os dois – do trabalho e pessoal – estavam nos bolsos das calças. Eles, aí, baixaram-me as calças até aos joelhos e começaram a apalpar-me para encontrar o telefone onde estavam as fotos.
Encontraram?
Sim. Era um telefone que se desbloqueia com impressão digital. Pegaram no meu dedo – algum deles conhecia o telefone e como funcionava – e lá desbloquearam. Enquanto uns me batiam, outros comentavam entre si: “Apaga essa foto, porra. Apaga isso.” Eu não vi nada. Só ouvia.
Quando é que lhe tiraram a venda e a corda do pescoço?
Quando se foram embora e me deixaram lá no chão. Antes disso, ainda me obrigaram a pôr de quatro. “Põe-te de quatro, paneleiro. Põe-te de quatro”, insistiam. Eu estava imobilizado no chão e um deles lá me virou de barriga para baixo. Deram-me pontapés no rabo com as botas, enquanto se riam. Eu estava ainda com as calças para baixo. Mas eles eram seguranças experimentados:sabiam como bater sem deixar marcas.
Quanto tempo duraram estas agressões no monte?
Não sei. Quando eles arrancaram com a carrinha, só pensava em como sair dali. Nem pensei em mais fotos e mais provas. Segui o meu instinto e lá andei até ver alguma coisa. Cheguei a uma entrada da festa oposta à entrada principal e liguei para os meus colegas que ainda estavam dentro. Eram cinco menos um quarto. Eles convenceram-me a apresentar queixa. Fui à comissão de campo e disse o que se tinha passado. Estava muito nervoso ainda e eles pediram-me o contacto, garantindo-me que alguém do PCP entraria em contacto comigo no dia seguinte.
Alguém lhe ligou?
Não. Até hoje [ontem].
A comissão de campo disse quem eram estes seguranças?
Quando fiz a queixa, nesta mesma noite, o PCP disse que quem fazia a segurança do recinto eram camaradas, voluntários que ofereciam esse serviço ao partido. Disseram-me que não eram seguranças de uma empresa. Não sei se é verdade ou mentira. Não sei.
Quando voltou ao recinto nessa mesma noite, viu algum destes seguranças?
Não. E no dia seguinte, quando voltei lá para ver se alguém tinha entregado à polícia o telemóvel, entrei e saí num pé. Perdi o telefone, que era do trabalho, mas algumas fotos foram automaticamente guardadas na cloud. Entreguei-as à polícia, onde apresentei queixa formal.
No espaço internacional havia alguma representação LGBT oficial?
Que eu saiba, não. Só vi uma bandeira do arco-íris no recinto, não me recordo se foi no espaço internacional. Num país desenvolvido como Portugal, todos os espaços são supostamente gay-friendly. Mas estranhei não ver nenhuma representação LGBT. A juventude comunista do Partido Comunista de Espanha tem uma comissão LGBT que fazem activismo neste sentido. Eu sou activista na Galiza, próximo do Bloco Nacionalista Galego, com quem o PCP mantém contacto, além de outros partidos da esquerda portuguesa. O meu círculo de amigos falava-me muito do Avante! como uma grande festa de esquerda. Onde há agressões homofóbicas, acrescento.