Home Alone


Antes dos 12 anos, nenhuma criança deveria ficar sozinha em casa. Se isso for impossível, então há que preparar a criança, a casa e as rotinas.


© Dora Nogueira

Todos os dias, milhares de crianças e adolescentes ficam sozinhos em casa, seja por algumas horas, seja por largos períodos do dia. Muitos vêm da escola e têm de usar a sua chave para entrar numa casa que está vazia. Todas as semanas, milhares de pais tomam a decisão de deixar os filhos sozinhos, seja porque vão trabalhar, seja porque têm compromissos sociais ou outros.

Além do estudo e dos trabalhos que têm de fazer, as crianças e jovens ainda assumem, por vezes, a responsabilidade de tomar conta de irmãos mais novos ou de avós idosos. Para outras, talvez a maioria, a companhia que têm nas suas casas é o silêncio ou o som anónimo mas reconfortante da televisão.

Embora seja raro ficarem sozinhos à noite, não nos iludamos: há períodos do dia em que os riscos, a ansiedade e o medo são idênticos aos que ocorrem a altas horas da noite. Especialmente quando, como acontece nos meses de Outono e Inverno, a escuridão chega cedo e, com ela, os fantasmas e as angústias, mas também os perigos reais.

O filme “Sozinho em Casa”, que fez as delícias de muitas crianças, pintava um quadro aterrador mas simultaneamente vencedor. Nem todos, contudo, têm o expediente do herói da fita (“sozinho” em casa, mas bem apoiado por uma equipa técnica de primeira linha) e a realidade é bem menos indulgente do que nesse filme, onde um par de meliantes passava as passas do Algarve ao tentar entrar na casa que pensavam deserta. O humor do filme ia, aliás, a par do seu irrealismo.

Ficar em casa sozinho é, provavelmente, uma necessidade incontornável para muitas crianças e adolescentes. O que podem os pais fazer, já sobrecarregados com tantas e tantas obrigações e constrangimentos?

Deve ficar bem explícito que, idealmente, nenhuma criança ou adolescente com menos de 12 anos deve ficar sozinho em casa. Não se podendo alterar os horários dos adultos e o tipo de vida que se tem, sob pena de se irem criar graves problemas socioeconómicos, habitacionais, carências de vários tipos, etc., que se iriam repercutir ainda mais intensa e negativamente no bem-estar da criança, pelo menos pode tentar-se, numa primeira série de medidas:

• acertar melhor os horários, o que muitas vezes é possível, se se equacionarem os problemas e a vida da casa em conjunto;

• ver se há actividades e “tempos livres”, ATL ou salas de estudo, em que a criança possa estar acompanhada (embora, por outro lado, estar sempre ausente de casa implique ganhar-se menos gosto por ela, o que também é mau);

• tentar que alguém possa acompanhar a criança (familiares, vizinhos, inclusivamente alguém pago);

• arranjar alguém que possa fazer o caminho da escola para casa com a criança e que possa dar apoio e vigilância no domicílio, mesmo não estando sempre presente.

Estar sozinho em casa, se à primeira vista pode ser considerado como um lampejo de liberdade, causa, por outro lado, angústia e ansiedade, especialmente quando escurece e quando, como é o caso actual, os meios de comunicação social e os cidadãos não falam de outra coisa que não seja os roubos, os assaltos, os crimes hediondos, pintando um quadro terrível e maléfico da natureza humana que, felizmente, não corresponde à verdade do quotidiano dos nossos filhos.

Alguns passos podem e devem ser dados: preparar as crianças e atender ao seu temperamento, personalidade e maturidade, negociar regras, deixar bem visíveis contactos telefónicos. Rever as regras de segurança e de actuação, prevenir as hipóteses de acidentes e situações potencialmente perigosas, ser muito estrito com o abrir as portas a amigos, e rever o que há a fazer em termos de tarefas domésticas, TPC, banhos, etc., entre outros aspectos, contribui para organizar o tempo e os espaços mais metodicamente.

O ritmo de vida das pessoas, para além de intenso e fatigante, causa ele mesmo novos problemas, quer aos adultos, quer às crianças e aos adolescentes.

Sem fazer drama e sem tentar apenas o ideal, podem melhorar-se as situações práticas para que os riscos e perigos de estar sozinho em casa, quando não há outra hipótese, sejam minimizados.

Pediatra
Escreve à terça-feira 

Home Alone


Antes dos 12 anos, nenhuma criança deveria ficar sozinha em casa. Se isso for impossível, então há que preparar a criança, a casa e as rotinas.


© Dora Nogueira

Todos os dias, milhares de crianças e adolescentes ficam sozinhos em casa, seja por algumas horas, seja por largos períodos do dia. Muitos vêm da escola e têm de usar a sua chave para entrar numa casa que está vazia. Todas as semanas, milhares de pais tomam a decisão de deixar os filhos sozinhos, seja porque vão trabalhar, seja porque têm compromissos sociais ou outros.

Além do estudo e dos trabalhos que têm de fazer, as crianças e jovens ainda assumem, por vezes, a responsabilidade de tomar conta de irmãos mais novos ou de avós idosos. Para outras, talvez a maioria, a companhia que têm nas suas casas é o silêncio ou o som anónimo mas reconfortante da televisão.

Embora seja raro ficarem sozinhos à noite, não nos iludamos: há períodos do dia em que os riscos, a ansiedade e o medo são idênticos aos que ocorrem a altas horas da noite. Especialmente quando, como acontece nos meses de Outono e Inverno, a escuridão chega cedo e, com ela, os fantasmas e as angústias, mas também os perigos reais.

O filme “Sozinho em Casa”, que fez as delícias de muitas crianças, pintava um quadro aterrador mas simultaneamente vencedor. Nem todos, contudo, têm o expediente do herói da fita (“sozinho” em casa, mas bem apoiado por uma equipa técnica de primeira linha) e a realidade é bem menos indulgente do que nesse filme, onde um par de meliantes passava as passas do Algarve ao tentar entrar na casa que pensavam deserta. O humor do filme ia, aliás, a par do seu irrealismo.

Ficar em casa sozinho é, provavelmente, uma necessidade incontornável para muitas crianças e adolescentes. O que podem os pais fazer, já sobrecarregados com tantas e tantas obrigações e constrangimentos?

Deve ficar bem explícito que, idealmente, nenhuma criança ou adolescente com menos de 12 anos deve ficar sozinho em casa. Não se podendo alterar os horários dos adultos e o tipo de vida que se tem, sob pena de se irem criar graves problemas socioeconómicos, habitacionais, carências de vários tipos, etc., que se iriam repercutir ainda mais intensa e negativamente no bem-estar da criança, pelo menos pode tentar-se, numa primeira série de medidas:

• acertar melhor os horários, o que muitas vezes é possível, se se equacionarem os problemas e a vida da casa em conjunto;

• ver se há actividades e “tempos livres”, ATL ou salas de estudo, em que a criança possa estar acompanhada (embora, por outro lado, estar sempre ausente de casa implique ganhar-se menos gosto por ela, o que também é mau);

• tentar que alguém possa acompanhar a criança (familiares, vizinhos, inclusivamente alguém pago);

• arranjar alguém que possa fazer o caminho da escola para casa com a criança e que possa dar apoio e vigilância no domicílio, mesmo não estando sempre presente.

Estar sozinho em casa, se à primeira vista pode ser considerado como um lampejo de liberdade, causa, por outro lado, angústia e ansiedade, especialmente quando escurece e quando, como é o caso actual, os meios de comunicação social e os cidadãos não falam de outra coisa que não seja os roubos, os assaltos, os crimes hediondos, pintando um quadro terrível e maléfico da natureza humana que, felizmente, não corresponde à verdade do quotidiano dos nossos filhos.

Alguns passos podem e devem ser dados: preparar as crianças e atender ao seu temperamento, personalidade e maturidade, negociar regras, deixar bem visíveis contactos telefónicos. Rever as regras de segurança e de actuação, prevenir as hipóteses de acidentes e situações potencialmente perigosas, ser muito estrito com o abrir as portas a amigos, e rever o que há a fazer em termos de tarefas domésticas, TPC, banhos, etc., entre outros aspectos, contribui para organizar o tempo e os espaços mais metodicamente.

O ritmo de vida das pessoas, para além de intenso e fatigante, causa ele mesmo novos problemas, quer aos adultos, quer às crianças e aos adolescentes.

Sem fazer drama e sem tentar apenas o ideal, podem melhorar-se as situações práticas para que os riscos e perigos de estar sozinho em casa, quando não há outra hipótese, sejam minimizados.

Pediatra
Escreve à terça-feira