Tiago Brandão Rodrigues, natural de Paredes de Coura, cedo saiu de casa para ir estudar. Depois de fazer o doutoramento em Bioquímica na Universidade de Coimbra, decidiu emigrar. Esteve em Madrid, passou pelos Estados Unidos e mais tarde “aterrou” em Inglaterra, para ir trabalhar no Cancer Research UK, onde veio a ser notícia em todo o mundo em 2013 pela investigação que desenvolveu na área da oncologia.
Ao fim de 16 anos em Cambridge, decidiu aceitar o desafio de António Costa para regressar a Portugal e ser o candidato do partido por Viana do Castelo nestas eleições.
Foi estudar para Braga aos 14 anos, sozinho. Como é que isso aconteceu?
Os tempos eram outros. Aos 12/13 já jogava andebol em Caminha e ia todas as tardes à boleia de Coura. Mas aos 14 anos acabei por dizer aos meus pais que era tempo de zarpar. Na altura notava-se a assimetria entre o que eram as escolas dos meios rurais e dos meios urbanos. Havia bons professores, mas o corpo docente era muito volátil. Havia professores que, muitas vezes, desapareciam a meio do ano. Sentia que queria mais. E disse que queria ir para Braga. Também tinha tido uns primos que tinham ido.
Os pais aceitaram bem a decisão?
Os meus pais disseram “vai”. Ia à boleia, muitas das vezes, e acabei por ir morar com estudantes universitários num ambiente muito mais graúdo e mais maduro, o que implicou necessariamente que tivesse um salto de maturidade. E foi importante. Eles estudavam muito, para os padrões do secundário. No secundário trabalhava e estudava ao ritmo de universidade. Não foi um mar de rosas, mas foi muito normal.
O que queria ser quando fosse grande?
Sempre tive uma apetência natural pelas ciências naturais. Sabia que tinha muita curiosidade. Não particularizava verdadeiramente aquilo que queria ser, mas sentia que tinha uma avidez enorme pelo conhecimento. Voltando um bocadinho atrás, via sempre o telejornal com o meu pai. Ele tinha muitas vezes alguma dificuldade em explicar algumas das coisas que aconteciam. Então tinha basicamente o Google da altura, a Enciclopédia Luso-Brasileira. Lia e tomava notas. O que era fascinante. O que poderia parecer chato e enfadonho transformava-se em aventura.
Como se definiam os seus pais ideologicamente?
Os meus pais sempre foram pessoas de esquerda. Não só os meus pais, mas muitas pessoas que passavam nas nossas vidas. Aquilo que se ouvia em casa, e as preocupações que eles tinham na vida, a acção cívica da minha mãe, a forma de estar eram muito próprias dos valores de esquerda. Aos 10/11 anos, um grande amigo aqui de Coura, o Osvaldo, vinha sempre para minha casa estudar. Eu ajudava-o muito a fazer os trabalhos de casa. E os pais dele, no final do ano, ofereceram-me dois LP: o “Era Uma Vez Um Rapaz”, do Sérgio Godinho, que ainda hoje mantenho quase como uma relíquia, e o do concerto do Zeca [Afonso] no Coliseu.
Marcaram-no de alguma forma?
Marcaram-me pela sonoridade, e a partir de determinado momento, em que ganho alguma maturidade e consciência, pelas letras. Não tinha um entendimento alargado de todas as palavras e expressões, mas acho que ia permeabilizando muitas daquelas mensagens.
Quando acaba o 12.o ano, já sabia o que queria seguir?
Sabia que queria estudar alguma coisa relacionada com a química, biologia, mas tinha alguma dificuldade na identificação da licenciatura. Quando estava no 11.o e 12.o ano, tive a oportunidade de participar numa iniciativa da Universidade do Minho que visava captar quatro bons estudantes para as suas licenciaturas. E fui nos dois anos. Agora é mais ou menos habitual, mas na altura era completamente inovador. E nesses anos, os meus mentores, que tinham estudado em Coimbra, picavam-me a dizer que Bioquímica valia a pena. E eles foram os fomentadores para ter ido para lá. Por outro lado, tinha dois primos a estudar lá, que viviam em ambiente de repúblicas, que me falavam na Alta da cidade, que me mandavam cassetes dos concertos da Queima. E aquilo pareceu-me um maravilhoso mundo novo. Acabei por ir porque achava que era um mundo mais ou menos versátil que me permitia, dentro do que era a biologia de bata – não tanto a biologia de bota, que não me cativava tanto –, outras vertentes, como a genética, a biologia molecular, as questões da biomedicina, e abrindo portas a outras.
“Tinha basicamente o Google da altura, a Enciclopédia Luso-Brasileira. Lia e tomava notas. Era fascinante”
Como foi a transição?
Coimbra correu muito bem. Foi uma escola para muitas coisas. Sinto claramente que me transformei em adulto em Coimbra. Ganhei armas e ferramentas. Mesmo não tendo entendido o que queria fazer da vida, entendi muitas das coisas que não queria na minha vida. Que não eram importantes. Entendi qual era a pedra basilar e as fundações da minha vida. E isso marcou-me muito para sempre.
Sei que não bebe. Aliás, nunca bebeu.
Não. Nunca senti curiosidade. Não é nada dogmático. Nem é uma questão de saúde. A questão é que nunca senti nenhuma necessidade nem afinidade com o álcool. Nunca tive a necessidade de me desinibir para me integrar. Alguns amigos em Coimbra brincavam e diziam que tinha sido uma espécie de Obélix, que tinha caído no alambique quando era pequeno, e a partir daí não precisava [risos].
E depois acabou o curso…
Antes ainda fui um ano para Madrid fazer o Erasmus. Foi quase um estágio da licenciatura. Foi um ano de muito trabalho, mas foi fantástico, em 99, com 22 anos, aterrar em Madrid e sentir a movida madrilena.
Já tinha referências políticas nessa altura?
Sim. Era um observador atento e estava metido em alguns movimentos estudantis, que estavam politizados – não necessariamente partidarizados –, e em que verdadeiramente acreditávamos que mudaríamos o mundo. Mesmo não tendo mudado o mundo inteiro naquela altura, fomos fazendo coisas. Estamos a falar entre 1995 e 2000.
Coincide com o fim de Cavaco Silva como primeiro-ministro.
Sim. Quando chego a Coimbra, logo na minha primeira semana, fui a um comício do [António] Guterres nas escadas monumentais, com a música do Vangelis. Cavaco estava a sair e senti que houve uma lufada de ar fresco. Cientificamente, as coisas mudaram. Pela primeira vez, se não me engano, houve um Ministério da Ciência, com o prof. Mariano Gago. É verdade que podemos pensar que o ponto de partida era de tal modo incipiente que a capacidade de progressão era alta. Mas podia não ter acontecido, mas aconteceu. Nenhuma área de governação mudou tanto pela actuação de um só homem e da sua equipa. Fez com que a ciência mudasse radicalmente. Houve um aumento enorme da auto-estima da ciência portuguesa. As pessoas começaram a ir a congressos internacionais e a sentir que tinham capacidade para fazer coisas diferentes. Havia capacidade para reter os bons alunos. Já não havia necessidade de mandar toda a gente fazer doutoramentos lá fora. Havia capacidade para reter pelo menos alguns.
A si, não conseguiram reter.
Acabei por fazer o doutoramento na Universidade de Coimbra formalmente. A questão é que trabalhava e trabalhei até agora em questões que implicam um uso de maquinaria, muita dela, não existente em Portugal.
Ainda hoje não há?
Estas últimas coisas que fiz em Inglaterra, não há cá. Mas existe pela primeira vez uma máquina de imagem de ressonância magnética para pequenos animais, que foi comprada há três, quatros anos em Coimbra, e que havia já em Madrid desde 2002, 2003. Em Portugal é difícil ter ciência em todo e qualquer nicho de actuação. Acabei por ir basicamente por opção. As coisas correram bem em Madrid. Gostava de estar lá. Estive também nos EUA, em Dallas. Sempre tive muitas inquietações relativamente a ir, a vivenciar outras culturas e sorver o que tinham para me dar, pelo que me fui deixando estar.
Com que frequência vinha a Portugal?
Quando estive nos EUA, quase nunca vim cá porque era longe. Mas depois, em Espanha, vinha com muita frequência.
E como foi parar depois a Cambridge?
O laboratório-instituto para onde fui trabalhar é muito importante nas coisas que queria fazer na detecção precoce do cancro. O que aconteceu é que trabalhei com técnicas de ressonância magnética e imagiologia durante muito tempo, mas principalmente aplicadas à neuroquímica, às neurociências, a doenças neurodegenerativas e ao entendimento de como o cérebro funciona. Muitas das técnicas estavam a sofrer um salto enorme em termos quantitativos e qualitativos em Cambridge, e num instituto em particular. Havia uma massa crítica enorme. Entendi que era ali o sítio para onde queria ir. Por outro lado, tinha também uma curiosidade enorme em viver mais tempos num país anglo-saxónico. Cambridge é um sítio absolutamente singular. É uma universidade com 806 anos de história. Muito pequena, onde se vai de bicicleta para todo o lado e onde realmente se entendeu como fazer bem as coisas em termos de academia e investigação. Não é uma casualidade haver mais de 100 Prémios Nobel numa cidade tão pequena. E haver mais prémios Nobel do que um conjunto enorme de países europeus todos juntos. Depois, Cambridge tem as chamadas mentorias. Em cada cadeira tens alguém mais velho, um estudante de doutoramento do último ano ou professor, que te dá aulas particulares.
E isso não havia em Portugal?
Não. O processo de Bolonha tentou implementar algo parecido, mas não há capacidade económica para fazer algo assim. Como é óbvio, fazer isto é treinar como cavalos de corrida. Cada aluno é absolutamente fundamental. Cambridge é conhecida por ser o primeiro sítio na Europa onde foi criada a ligação às empresas de biotecnologia.
“O ‘Era Uma Vez Um Rapaz’ do Sérgio Godinho e o do concerto do Zeca no Coliseu marcaram-me muito”
Alguma vez esteve ligado a alguma dessas empresas?
Não. Tradicionalmente, o que fazíamos em Cambridge tinha ligação à General Electrics, porque eram patrocinadores e foram eles que desenvolveram as máquinas em que trabalhávamos. Mas por muito que tivesse alguma proximidade, e sempre tive, com a ciência aplicada, a academia foi sempre algo que me fascinou muito. Poderia ter dado o salto para o mundo industrial-empresarial, mas não senti um apelo enorme. Até hoje, sinto que a academia é o lugar natural para mim.
O Tiago saltou para a ribalta pela investigação na área da detecção precoce do cancro. Concretamente, fez o quê?
No entendimento, numa fase inicial, se um determinado tratamento está a funcionar ou não – o que é absolutamente fundamental. O paradigma muda. Habitualmente utiliza-se como marcador de resposta de um determinado tumor o volume do tumor. Começa-se um determinado tratamento e algumas semanas depois reavalia-se se cresceu ou decresceu. Se o tratamento está a funcionar, se decresceu, continua-se e, em princípio, há êxito no final. Mas se não está a funcionar, o custo e os efeitos secundários para a pessoa são brutais e isto implica que, muito provavelmente, já é demasiado tarde para reiniciar. O que nós trabalhámos particularmente no nosso laboratório foi entender, numa fase muito inicial, 24-48 horas depois, se um determinado tratamento estava a funcionar ou não. Mais importante do que o tamanho, é a forma como o tumor reage a um determinado fármaco, e saber precisamente qual a parte do tumor onde isso está a acontecer. Há situações em que o tumor está a morrer, mas não diminui de tamanho.
Como vê a evolução da ciência e da investigação nos últimos anos?
Nos últimos dez andou-se mais do que nos 50 anteriores. Temos de entender que a produção de conhecimento é absolutamente exponencial. Estou convencido de que em cada ano descobrimos mais do que nos dez anos anteriores.
Tendo em conta os avanços nos últimos anos, para quando uma cura do cancro?
É muito difícil responder a essa pergunta. O cancro não é uma doença, é uma panóplia de doenças. Já quando falamos do Alzheimer ou Parkinson, os processos moleculares são muito parecido num indivíduo A e B. Agora, o cancro é muito dependente do indivíduo e da doença. Um cancro de mama não é necessariamente igual num indivíduo A ou B, porque a genética é completamente diferente. Sabemos que das pessoas da nossa geração, muito provavelmente, uma em cada três irá sofrer de cancro na sua vida. É um número absolutamente assustador. Mas sabemos também que na nova geração, os que estão a nascer agora, será um em cada dois. O que é ainda mais assustador. Isto agora é uma luta contra os números e as estatísticas.
Temos de entender também que as coisas estão a mudar. A Organização Mundial da Saúde diz que até 2050 vai haver um verdadeiro tsunami de novos casos de cancro. A esperança média de vida está a aumentar em muitos países do mundo e o número de cancros vai aumentar enormemente em sítios onde a população está a crescer enormemente. Mas agora é preciso trabalhar a detecção precoce, e com isso melhorar o prognóstico e tentar melhorar os tratamentos. Aqui vamos ter necessariamente uma luta multifacetada em níveis diferentes, e com isso vamos poder lutar contra a estatística e, eventualmente, reduzir estes números. Alguns dos cancros vão se transformar muito provavelmente em doenças crónicas. Alguns tipos de cancro vão ser sempre, pela sua etiologia, pela forma de se manifestarem, muito complicados de combater. Agora, existe na prevenção um caminho a fazer.
Ao fim destes anos todos fora, como foi vendo o país?
Não vivia em Portugal, mas era um observador muito atento. E vinha a Portugal muitas vezes, uma vez por mês ou de 15 em 15 dias. Por outro lado, há uma comunidade muito grande de investigadores portugueses…
“Não bebo álcool. Nunca senti curiosidade nem tive a necessidade de me desinibir para me integrar”
Sentiu mesmo a emigração nos últimos anos?
Sim, senti declaradamente. Fui numa altura particular, no final dos 90, princípio do ano 2000, em que se emigrava menos. E muitas pessoas fizeram--no, não digo por opção, mas havia um grau de aventura, e agora tudo mudou. É desesperante ver como muitos dos pilares da nossa sociedade, principalmente nos últimos dois, três anos, foram decepados e muitos deles estão moribundos. Alguns dos nichos de actividade da sociedade portuguesa estão moribundos, o que fez com que houvesse outra vez uma emigração massiva de quadros qualificados. E aqui entramos na questão da confiança. São pessoas com uma massa crítica enorme. Isto é muito fácil de entender. Se temos 100 pessoas de alturas diferentes e eliminarmos os mais altos, a média baixa. Na massa crítica e no conhecimento técnico e académico, acontece exactamente a mesma coisa. Se os mais qualificados zarparem, os que ficam são pessoas com qualidade, mas a nossa média de capacidade técnica claramente vai baixar. E isso está a acontecer. E quem zarpa vai com algum grau de desespero, falta de confiança total no país, com um grau de desilusão muito alicerçado e com uma auto-estima muito baixa que, curiosamente, na maior dos casos volta a receber um aumento quando chegam aos sítios de acolhimento.
Nunca teve vontade de regressar?
Vivia em Inglaterra e era imensamente feliz. Tinha uma vida completa, mas faltava-me Portugal. E quando digo Portugal digo a minha família, os meus amigos mais próximos e este mundo. Só aqui [em Paredes de Coura] é que sou completamente eu. Quando chego a Portugal é que entendo verdadeiramente quem sou.
E depois chegou o momento em que alguém o desafiou para ser o cabeça- -de-lista do PS por Viana do Castelo.
Como é que isso aconteceu?
Não estava à espera. Surge por um desafio concreto e formal.
De quem?
Do António Costa. Conheci-o o ano passado quando veio aqui a Coura, quando andava a fazer um périplo pelo país na altura das primárias. Ele veio aqui assistir a uma conferencia de um evento que houve, “COURAge to think”, e falámos sobre algumas coisas importantes. Ele sabia que era daqui. Tivemos uma conversa franca, amável, próxima e, em certos aspectos, dura. Tive a oportunidade de ir contando aquilo que sentia, que observava, e quais eram algumas das minhas inquietações. E então surge o desafio. E é uma proposta que claramente me desenquadra do meu trilho natural. Senti que era algo que me desacomodava. Foram dias, poucos, o tempo na política é pouco….
“Estou convencido de que em cada ano descobriremos mais do que nos dez anos anteriores”
Pediu uns dias para pensar?
Tive de ter uns dias para pensar. Porque basicamente isso implicava sair de Cambridge, voltar a Portugal depois de 16 anos e dedicar-me a uma outra faceta de vida, e deixar a minha ligação com a universidade, onde tinha um contrato sem termo que duraria, se as coisas corressem bem, até ao resto da minha vida. Senti a determinado momento que tinha todos os graus de liberdade para potencialmente não aceitar este desafio. Mas a partir de determinado momento senti a inquietação e o compromisso, que era inequívoco, que tinha de dizer que sim. Eu próprio tinha de me convencer disso. E tive a felicidade de os que estão mais próximos me terem encorajado, e não terem ficado surpreendidos com esse desafio.
Nunca lhe tinha passado pela cabeça entrar na política a sério?
Dizer que nunca nos passa pela cabeça entrar na política quer dizer que nos demitimos da nossa cidadania. A política, como o garante do funcionamento do Estado e da democracia, é algo para que nós temos de estar disponíveis.
E a dimensão partidária? Vai ter de lidar com o aparelho do PS.
Como independente. E isso é importante para mim.
Como vai ser esse embate? Ao longo da história vemos os partidos a procurar os independentes, que depois acabam por sair por causa do aparelho.
Os independentes e a sociedade têm de ter um papel activo, claro, sólido e diferenciado daquele que têm as estruturas dos partidos. Mas tem de ser dentro das estruturas do partidos que se tem de fazer isso, pois a nossa Constituição e lei partidária assim obrigam.
Como reage à crítica de falta de experiência?
A falta de experiência combate-se ouvindo, aprendendo, trabalhando, comprometendo-nos e deixando para trás essa condição. Mas a política é muito mais do que aquilo que pensamos que é. A política é a vida activa de quem trabalha e é possível trazer muitos mecanismos da nossa vida para a política, que muitas vezes tem tido dificuldade em entender o que muitas outras facetas da vida, como a ciência, a cultura e o mundo empresarial, podem trazer.
Para quando uma cura do cancro? “É muito difícil responder (…) isto agora é uma luta contra os números”
Preparado para assumir o lugar de deputado?
Sim, e é um sim rotundo.
Já pensou como vai lidar com a disciplina de voto em relação a algum tema que vá contra a sua consciência?
Há aqui uma coisa fundamental. Ao embarcar neste caminho com o PS, não é casualidade. O PS personifica, de muitas formas, muitos dos meus pilares de vida. Se não todos, que é verdade, o PS é um partido plural que contém em si, na sua origem e identidade, muitas das coisas que acredito que têm de ser as bases da nossa sociedade: a pluralidade e a liberdade.
E nas chamadas questões fracturantes?
Estou convencido de que muitas das coisas que tenho como assumidas para mim vão ao encontro do que o PS, na sua globalidade, acredita. Se em determinado momento sentir que existem questões que não estão de acordo com as linhas directrizes do PS, quero poder ter uma acção diferenciadora relativamente àquilo em que acredito. E isto é importante. Inclusivamente, ir mais além. Ter capacidade de discussão dentro do partido para entender quais são as outras opções e, no caso de entender que muitas das minhas opções não vão ao encontro, tentar travar essas batalhas para cativar os outros para o meu campo de pensamento e decisão.
Preparado para os debates com o Carlos Abreu Amorim [cabeça-de-lista do PSD por Viana do Castelo]?
Espero que sim. A urbanidade é muito importante. O Carlos Alberto Amorim não é de Viana.
Isso será um vantagem?
Inequivocamente. Só nós que vivemos no Alto Minho entendemos o que significa dizer que somos do Alto Minho. Ninguém no Baixo Minho diz que é do Baixo Minho, diz que é minhoto. Todas as pessoas do Alto Minho dizem que são alto-minhotas.
Mas o Tiago também esteve fora estes anos todos.
Conheço este território como se tivesse vivido aqui os 38 anos da minha vida. Não tenho dúvida.
O António Costa criticou o António José Seguro pelo facto de o PS não descolar nas sondagens. Um ano depois e a um mês das eleições, o PS continua a não descolar.
Todas as sondagens indicam que, efectivamente, o PS não descola. Não pondo em causa as sondagens, tenho-me habituado a olhar para elas com alguma cautela. Vivi agora o processo eleitoral em Inglaterra, onde as sondagens falharam rotundamente. A minha percepção na rua e das pessoas em quem confio, não só do meu espectro político mas também de outros, seja de meio rural ou urbano, é diferente. A minha percepção é outra. O PS tem vindo a alicerçar-se como alternativa única e capaz de fazer diferente. A sangria que a coligação nos impõe tem de acabar. As pessoas sabem que é agora ou nunca. Quatro anos mais de sangria das bases do que é a nossa sociedade podem tornar-nos um país completamente cambaleante.
Mas é extremamente difícil lutar contra o populismo da coligação porque há uma componente forte de quase descredibilização de tudo o que nós fomos vendo. Com mensagens curtas e sem conteúdo, tentam desconstruir todo o nosso entendimento. E quando as pessoas estão tão desesperadas, e sem confiança e auto-estima, isso fá-las pensar que, provavelmente, esta mensagem populista tem algum sentido. Eles salvaram-nos de chegar ao quase inferno. O que é uma falácia. Nos já estamos no inferno e, se continuarmos nesta linha de actuação, o inferno vai ser cada vez mais real. Acredito que ainda existe algum tempo para alicerçar a confiança dos portugueses no programa e nas ideias do PS e que vai haver um unir de esforços da sociedade portuguesa em volta de uma alternativa à coligação.
Se o PS ganhar, o que pode fazer pela ciência tendo em conta “a austeridade inteligente”?
Pode fazer muito. Tudo na vida é uma questão de prioridades. Estou absolutamente convencido de que a ciência, a educação, a segurança social e a saúde são pilares fundamentais onde vai assentar a actuação do PS. Obviamente, com estabilidade orçamental, mas na ciência e ensino superior, o PS pode ter um papel central no levantar novamente o que é o panorama científico nacional. E não há que esquecer o que se passou nos últimos 20 anos, com a governação socialista e a do PSD, e o que esta última coligação fez à ciência. Fizeram com que tenha sido decepada de muitos dos seus instrumentos de financiamento e tornaram-na muito mais periférica na sociedade portuguesa.
Admite vir a assumir uma pasta governativa?
Os prognósticos, neste caso, fazem-se mesmo no fim do jogo. O que sinto é que, quando disse “sim” a este compromisso, ele foi completo. O que sei é que, se tudo correr como mandam os cânones da política, daqui a dois meses vou ser deputado. E é nisso que tenho concentrado as minhas forças e é nisso que me vou concentrar. Obviamente que estou preparado para ajudar o PS, quando for governo, a trabalhar as questões em que mais me sinto à vontade: na ciência, educação e ensino superior e, por outro lado, este território – as duas facetas que conheço mais. É importante sentir que estou disponível. Acredito que, se assim for necessário, direi novamente “presente” e assumirei as minhas responsabilidades. Mas agora é tempo de pensar em Viana e na preparação destas eleições.
Os socialistas europeus não estão a falhar no sentido em que estão a permitir o pensamento único da direita de que não há alternativa?
Os partidos socialistas europeus têm tido tempos de muita dificuldade. Mas acredito que o PS, juntamente com outros, tem conseguido fazer com que o socialismo europeu possa vir a ter outro papel.
Não se viu isso na Grécia.
Não se viu muito nesse caso, mas o que aconteceu foi que o PS grego saiu muito fragilizado da últimas eleições e não conseguiu alicerçar-se como alternativa. É verdade que não conseguiram actuar em uníssono, mas sentiu-se pela primeira vez que mexeram e começaram a unir-se. Quero acreditar que o socialismo europeu vai ter um novo ciclo de políticas europeias e vai ser determinante nos próximos anos. Não só no sul, mas também no norte.
Nas presidenciais vai apoiar Sampaio da Nóvoa ou Maria de Belém?
No dia 5 de Outubro pensarei que há, num futuro mais ou menos próximo, eleições presidenciais, e aí sim, equacionarei a minha decisão.