Richard Hammond. “Fazer televisão  é difícil, é assim que deve ser”

Richard Hammond. “Fazer televisão é difícil, é assim que deve ser”


Falámos com o antigo apresentador de “Top Gear”, que agora faz “Tempo Selvagem” e “Ciência da Estupidez” no National Geographic.


“Tempo Selvagem” e “Ciência da Estupidez”: são estes os dois programas que trazem actualmente Richard Hammond à televisão portuguesa. O primeiro é uma viagem à descoberta dos fenómenos meteorológicos mais extremos, para descobrir as respectivas causas e consequências. O segundo pega em vídeos com peripécias que acabam mal (à maneira de “Isto Só Vídeo”) para explicar como, fazendo as coisas bem feitas (como manda a ciência), tudo poderia acabar de forma bem melhor. Ou seja, nada do que fez na BBC, em “Top Gear”, o mais popular programa de automóveis de sempre, que acabou (terá em breve nova vida com uma outra equipa) depois do escândalo que envolveu o principal apresentador da série, Jeremy Clarkson. Hammond prefere não falar muito sobre o assunto, está mais concentrado no presente e no futuro. Nada contra.

Há neste momento dois programas seus na televisão portuguesa. Em cada um deles, de que gostou mais de fazer?
Ambos combinam as principais razões que me levam a gostar de fazer televisão. Uma delas é que os dois programas falam de ciência. E não é que eu perceba muito do assunto, estou muito longe de ser um especialista. Mas a questão é que estes programas falam de aspectos científicos de uma forma acessível, tornam os temas mais humanos. E depois é a forma como estou em cada um dos programas.

Que não é a de um apresentador no mais habitual sentido da palavra.
Nada, está muito distante dessa imagem. O que faço é lançar perguntas, como se estivesse a usar a minha própria criatividade como motor do programa. O objectivo é perceber quanto é que conseguimos descobrir durante aquele curto pedaço de tempo. E sempre a favor do espectador, não estamos ali a pensar no que a equipa de produção queria mesmo saber sobre determinadas coisas.

Mas com algum humor pelo meio.
Sim, porque isso já faz parte da equipa. É impossível fazermos alguma coisa sem graçolas pelo meio. Quando fui convidado para fazer estes programas, disse “sim” de imediato porque sabia o que esperavam de mim: curiosidade e humor. Se assim é, não podia dizer “não”, seria estúpido. Sabia que ninguém ia questionar ou duvidar desse meu jeito de fazer as coisas. 

E há alguma noção de responsabilidade extra, já que está à frente de um programa que quer ensinar?
Sou apenas uma peça no meio de uma engrenagem muito complexa que envolve muitas pessoas, com muitas tarefas diferentes, algumas que estão sempre presentes na rodagem, outras nem por isso. Só por aí, a responsabilidade já é muito grande porque se fizer asneira, estou a fazê-la em nome da equipa. Claro que neste tipo de programas isso é elevado a um nível superior. Há muita informação factual, muitos dados, muitos números, e tudo isso tem de ser verificado muitas vezes para não cometermos erros. É uma dor de cabeça interminável para os produtores. Nesse sentido, para mim é uma responsabilidade extra, sim. Porque quem vê o programa vai deitar-se a ter a certeza que aquilo que viu na televisão é verdade.

Isso faz de si o quê, um apresentador, um jornalista, um entertainer?
Pode parecer exagero, mas gosto de pensar que sou um pouco de tudo isso, de alguma maneira. Acima de tudo, gosto da ideia de comunicar, gosto do conceito, mas também gosto de o transformar em acção. Comecei a fazer rádio em 1988 e esta coisa de apresentar algo às pessoas é fascinante. Depois, pouco depois, transforma–se num vício. E isso independentemente de estarmos a falar de algo puramente informativo, divertido ou simplesmente muito fascinante. Se for possível juntar as três coisas, bom, então aí temos um programa fantástico. Mas para isso é preciso ser um pouco dessas três coisas: jornalista, apresentador e entertainer.
O que o fez querer trabalhar em televisão? 
Sempre tive fascínio por televisão, desde muito cedo, mas acho que demorei algum tempo até perceber como funciona. Lembro-me de ser miúdo e falar para o vazio como se estivesse a falar para uma câmara, mas não é que desejasse muito ser estrela de televisão. Acho que qualquer miúdo, naquela altura, olhava para a televisão e ficava maravilhado. Quando cresci, gostava muito de escrever e pintar. Nessa altura era improvável que acabasse neste meio. 

Até porque antes trabalhou na rádio.
Sim. E adorei logo à primeira, nunca tinha feito nada que me desse tanto gozo. Percebi que aquilo era o caminho a seguir.

Costuma trabalhar em programas que arriscam mais e que fogem às fórmulas mais habituais da televisão. Há obstáculos a essas ideias?
Obstáculos existem quando fazemos algo que não envolve as pessoas, que não faz com que a equipa sinta que aquele programa é de cada um. Isso exige um pouco mais de esforço, de entrega, mas é como qualquer outro trabalho, para ser bem feito é preciso dedicação. Este é um negócio de pessoas, por isso o mais importante é ter as pessoas certas à nossa volta. Talvez tenha tido muita sorte até agora.

O programa que mais sucesso lhe trouxe foi “Top Gear”. Agora, o desafio de chegar às pessoas não é ainda maior? Haverá sempre muita expectativa…
Claro que é um desafio mas, mais que isso, é uma oportunidade de fazer de novo. Um programa de televisão, por mais sucesso que tenha, também é uma rotina. É natural que, passado algum tempo, pensemos em mudar, mas nem sempre essa oportunidade existe. E quando já não há desafios, deixamos de gostar de fazer seja o que for porque é só um emprego, não dá gozo. Fazer televisão é difícil, é assim que deve ser. Se não for, é porque há preguiça. Isto parece um discurso de um gestor, não é?

Um pouco, sim…
Pois… Mas é a verdade. Este negócio está a mudar muito, é preciso estarmos sempre a par do que está a acontecer, sempre prontos para a próxima novidade. E foi sobretudo isso que aprendi com o “Top Gear”. Foram mais de dez anos de um programa único. E não foi só falar de carros como nunca ninguém tinha feito. Foi aquela forma de fazer televisão, é única.

Gosta mais de carros ou de televisão?
Boa… Não sei. Talvez televisão? Mas acho que isso depende do dia. E do carro.

Agora que fala nisso… Está constantemente a viajar por causa destes programas. Tem uma noção diferente do mundo? Consegue ver mais do que aquilo que mostra nos programas?
Não tenho muito tempo, não, mas quando viajo não o faço como turista, não vou aos locais mais visitados, estou com os habitantes locais, no meio da realidade das pessoas. E o que é fácil perceber no meio de tanta viagem é que somos todos muito mais parecidos do que imaginamos. Muito mais. Os interesses, as rotinas, os medos são quase todos os mesmos.