© Manuel Vicente
A tão esperada regulamentação à Lei de Bases do Património Cultural (lei n.o 107/2001, de 8 de Setembro) na sua vertente relativa ao património cultural móvel foi acolhida pelo decreto-lei n.o 148/2015, de 4 de Agosto.
De uma forma mais ou menos desenvolvida e vincada em função dos ditames do contexto histórico envolvente, desde o início do séc. XX que foi possível assistir a diversos episódios consagradores de vínculos protectores dos bens culturais móveis.
No âmbito da especificação relativa às graduações dos interesses culturais (nacional – “tesouro nacional” – ou público), este novo regime suscita alguns critérios que deverão ser ponderados aquando da avaliação do necessário nível de protecção cultural que possa ser conferido a um dado bem cultural móvel, como seja o estado de conservação do bem ou os processos utilizados na criação.
Deparamo-nos sempre (inevitavelmente?!) com parâmetros legais que exigem uma hermenêutica bastante criteriosa à ciência jurídica (apoiada na “evidência pericial” dos interlocutores estudiosos dos diversos domínios culturais), dada a volatilidade conceptual de algumas formas de expressão cultural de que é emblemática a obra de arte, enquanto bem cultural móvel.
Existe uma panóplia alargada de critérios a ponderar tendo em vista a determinação de um dado bem cultural móvel com interesse cultural relevante (em particular, com o intuito de suscitar a respectiva classificação ou restringir a liberdade da sua circulação além-fronteiras).
É, em parte, por este motivo que se têm verificado algumas controvérsias mais acesas quanto à classificação ou inventariação de determinados bens culturais móveis (mormente as obras de arte). Veja-se que nem só o bem cultural móvel criado em território nacional, ou produzido por autor português, assumirá interesse cultural relevante, existindo outros factores, como seja a representação ou testemunho de vivências ou factos nacionais relevantes ou o interesse para o estudo e compreensão da civilização e cultura portuguesas (entre outros).
O regime de comunicação prévia (30 dias antes da saída dos bens do território nacional) para a exportação temporária ou definitiva de bens culturais móveis (não classificados, não inventariados ou apenas classificados com interesse municipal) fica agora expressamente afastado para bens com antiguidade inferior a 50 anos e ainda para as situações em que o bem é propriedade do respectivo autor (neste caso, independentemente da sua antiguidade).
Este regime vem “desburocratizar” algumas transacções comerciais que envolvam a saída de bens culturais móveis de território nacional, atendendo assim a alguma contestação suscitada a este propósito por diversos intervenientes no mercado de arte.
Como acima referido, a necessidade de criação de formas de protecção e valorização do património cultural móvel foi um fenómeno visível desde o início do séc. XX, evoluindo também em decorrência de marcos históricos e em observância de critérios e parâmetros em torno do conceito de interesse cultural, que foram ficando descontextualizados e actualmente desfasados do âmbito de aplicação da vigente Lei-Quadro do Património Cultural.
Assim, este diploma regulamentar veio igualmente especificar algum modus operandi aplicável à conversão de anteriores formas de protecção de bens culturais móveis (em particular, as formas de protecção formalizadas nas décadas de 30 e 50 do século passado).
Fiquemos expectantes em busca do efeito útil e da práxis deste diploma regulamentar, permanecendo dúvidas e lacunas que poderiam ter sido legalmente supridas, mas ficando o sabor virtuoso de que terá havido um ensejo do legislador na determinação do justo equilíbrio entre o interesse público em prol do património cultural móvel e o direito fundamental da propriedade privada.
Associada sénior da PLMJ