Em 1789, quando os ímpetos revolucionários trouxeram as massas populares à rua, a pobre Maria Antonieta ouvindo a barulheira perguntava o que queriam eles afinal. “Têm fome, majestade”, terão respondido os serviçais. “Então dêem-lhes croissants”, ordenou a rainha entediada, e já quase a caminho de comprovar a proficiência inventiva do doutor Joseph-Ignace Guillotin. Esta ausência do mundo profano por parte da senhora, sem qualquer percepção da realidade do mundo, ter-lhe-á sido de extrema utilidade toda a vida, certamente, mas de nada lhe valeu no fim, que por isso mesmo lhe foi bem mais duro e cruel, enfim, uma enorme, desagradável, e inconveniente surpresa. A verdade é que sempre houve e haverá gente assim, na imperfeição do mundo, do topo até à base de qualquer sistema social, e com maiores, menores ou nenhumas responsabilidades públicas, e mesmo hoje, apesar do cibermundo global e da comunicação.
Mas talvez por isso mesmo, facto é que nunca como agora valeu tanto a aparência, o “aquilo que parece é”. Porque mesmo não o sendo passa a sê-lo de facto, ainda que depois (por vezes tão depois!) a realidade o venha a desmentir. E hoje, tal como em 1789, mesmo na plenitude de uma razão, solitária ou colectiva, o que prevalece sempre na massa humana (cada vez menos imprevisível) é a aparência, que embriaga e dá força. E assim cada vez mais o poder tende a regá-la carinhosamente, como às flores de um jardim. Porque afinal, e sem a inconveniência da guilhotina, já são tantas as Marie Antoinette como são os croissants.
Escreve ao sábado