A Constituição de 1976 já permitiu governos minoritários mas também maioritários, estes de um só partido ou sustentados por uma coligação (pré-eleitoral ou pós-eleitoral). Quer entre os governos maioritários quer entre os minoritários já ocorreram governos de legislatura e governos que não atingiram tal objectivo. O que nunca aconteceu foi a existência de um governo minoritário que beneficiasse de um acordo de incidência parlamentar subscrito por partidos que não integrassem o governo.
O que os constituintes não parecem ter desejado seria a coincidência temporal do mandato dos três vértices do sistema de governo (Assembleia da República, governo e Presidente da República) resultante da proximidade das eleições para a AR e para a Presidência. Este fenómeno surge exacerbado no ciclo eleitoral de Outubro de 2015 a Janeiro de 2016. E faz desencadear mecanismos de prevenção de conflitos espúrios entre órgãos de soberania: a AR não pode ser dissolvida pelo PR nos seis meses posteriores à sua eleição (ergo até Abril de 2016).
A fazer fé nas sondagens, nenhum dos partidos políticos, em singelo ou no caso da coligação pré-eleitoral, irá conseguir uma maioria absoluta. Atentemos na fórmula constitucional “O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”. O PR dispõe de uma significativa margem de discricionariedade na avaliação de uns resultados eleitorais em que não surja uma maioria absoluta de deputados disponível para votar o programa de um determinado governo.
A confirmarem-se na noite de 4 de Outubro as previsões das sondagens, qualquer um dos dois principais contendores (PS e PSD/CDS-PP coligados) poderá ambicionar formar governo, sendo tal reivindicação tão mais legítima quanto a menor distância entre os dois expressa em número de votos ou de deputados (e podendo até verificar-se que o partido ou coligação mais votado não tenha o maior número de deputados, dada a mitigada proporcionalidade existente nos círculos da emigração ou nos distritos com menor população, onde “custa menos” eleger um deputado).
Qualquer que seja o governo formado nestas circunstâncias, corre o sério risco de ter contra si uma maioria parlamentar, maioria que, ao não aprovar o seu programa, o reduzirá à condição de governo de gestão. E um governo de gestão que pretenda fazer prova de vida até à realização de novas eleições para a AR (e assim tentar obter uma maioria absoluta) irá “governar” muito para lá daquilo que a Constituição permite aos governos de gestão, contando, em caso de proximidade política, com a boa vontade do PR. O grau de risco de não aprovação do programa de governo é superior para a coligação PSD/CDS-PP e menor no caso do PS, reconhecendo o talento de que António Costa já deu bastas provas na negociação com os partidos à esquerda.
A possibilidade de o actual PR (ou o seu sucessor eleito em Janeiro de 2016) sonharem com um governo de iniciativa presidencial, que assegure “a gestão dos negócios públicos” até à realização de eleições para a AR, não é uma mera hipótese académica. E, se o primeiro-ministro desse governo integrar a recomposição das lideranças partidárias à direita do espectro partidário, corre-se o risco de o PR vender “lebre por gato”.
Escreve à sexta-feira