Jock Stein, 30 anos de saudade

Jock Stein, 30 anos de saudade


Seleccionador da Escócia morre em campo, no dia em que se qualifica para o play-off do Mundial-86


Jock Stein é escocês. Tem fibra. E estilo. É um Alex Ferguson pré-moderno. No Celtic, onde treina a maior parte do tempo, durante 13 anos (Março 1965-Agosto 1978), ganha qualquer coisa como 25 títulos, entre 10 campeonatos, oito Taças da Escócia, seis Taças da Liga escocesa e, pièce de la resistance, uma Taça dos Campeões. Ah pois, é isto que lhe confere estatuto.

Numa bela tarde no Vale do Jamor, em 1967, o Celtic dá água pela barba ao Inter e levanta a taça sem apelo nem agravo (2-1). É o primeiro clube britânico a fazê-lo. E o único escocês. Jock Stein abrilhanta o currículo com este pormenor delicioso: é eneacampeão escocês. Como é que é? Enea. Desculpe? Enea vem do advérbio numeral grego Ennakis. Que significa nove vezes. Sim, Stein é campeão escocês pelo Celtic de 1966 a 1974. Initerruptamente. Como tal, tem uma estátua de bronze à entrada do Celtic Park.

Ao sucesso no Celtic, segue-se a selecção escocesa. Falha a qualificação para o Euro-80 mas vai ao Mundial-82, na Espanha, onde a Escócia trava a fundo na fase de grupos com um empate (2-2) vs. URSS. Falha o apuramento para o Euro-84 e vai ao Mundial-86. É aí que se dá o momento fatídico. No jogo decisivo da fase de grupos, com Gales, em Cardiff, a 10 de Setembro de 1985. O homem está pálido, sua por todos os poros e treme muito num dia quente. Tal facto é noticiado pela BBC, à porta do hotel da concentração da selecção.

No aquecimento, os adeptos da Escócia não devolvem nenhuma bola ao guarda-redes galês Neville Southall. Este queixa-se a Stein, que, acto contínuo, reentra no relvado e pede as bolas. Os adeptos nem pestanejam. Respect above all. A primeira parte é de Gales e o golo de Mark Hughes aos 13 minutos é disso prova. Ao intervalo, o guarda-redes escocês Jim Leighton abre o livro e admite que falhou o cruzamento no último lance da primeira parte porque perdera uma das lentes de contacto algures naqueles 45 minutos. "Aquilo foi um choque para Stein, ele quase bateu no tecto de irritado. Vociferava por todos os cantos, estava descontrolado porque nunca ninguém lhe dissera que o Leighton tinha miopia e usava lentes."

Já refeito, Stein diz ao talentoso Gordon Strachan que o irá substituir pelo extremo Davie Cooper durante a segunda parte. Com um currículo apreciável, no Celtic e Manchester United, o número 10 prepara-se para reagir quando Alex Ferguson lhe pde calma, muita calma. Alex Ferguson? Isso mesmo. Por esta não estava à espera, pois não?. O homem é o adjunto de Stein e aconselha Strachan a acatar a ordem sem mas nem meio mas, com a desculpa de que Stein não está bem e não pode ser contrariado.

Quando a segunda parte se inicia, Alan Rough está na baliza da Escócia por troca com Jim Leighton. Aos 61 minutos, Strachan sai mesmo. Entra Cooper, considerado um talento sem igual mas apático e desligado do jogo na maior parte das vezes. Em Gales, o esquerdino entra e abana com a defesa de Gales. A Escócia está por cima pela primeira vez e ganha um penálti aos 81 minutos. "Não foi tanto eu a querer marcar, mas sim os outros 10 a deixarem-me a bola para mim." O desabafo é de Cooper, autor do 1-1. O seu remate é rasteiro, junto ao poste. Southall ainda lhe toca com os dedos mas não evita o empate.

Nas imagens televisivas, é possível ver todo o banco escocês aos pulos menos Stein, impávido e sereno. Por fora, claro. Por dentro, Stein está mais debilitado que nunca. Ainda por cima, esquecera-se de tomar os diuréticos para acalmar o coração debilitado. Sem esse reforço, a figura de Stein enfraquece a cada minuto. A morte chega. Ali mesmo, no relvado. A trabalhar. Quase quase a festejar o apuramento para o play-off com a Austrália.

O minuto é o 88.º e o árbitro holandês Keizer apita uma falta. Stein julga que é o final do jogo e levanta-se para apertar a mão a Mike England, seleccionador de Gales. Mal se afasta do seu banco, Stein cai de joelhos e aterra no relvado. É levado imediatamente para o balneário a fim de lhe prestarem assistência médica. Na maca, Stein está consciente e alerta. O médico Hillis dá-lhe uma injecção, à qual Stein reage positivamente. "Isso soube-me bem, Doc". Passados uns segundos, Stein adormece e morre ali mesmo. Quase ninguém se apercebe do sucedido. Os adeptos, por exemplo, festejam o empate como se nada fosse. Os jogadores também, até serem informados por Ferguson ainda no relvado. Willie Miller, o capitão na ausência de Graeme Souness, só sabe de tudo através do flash-interview com Martin Tyler, do canal ITV Sport.

Aos 62 anos, Jock Stein morre em Cardiff no cumprimento do dever. Faz hoje 30 anos. (a Escócia elimina a Austrália no play-off e vai ao Mundial do México, onde não passa novamente da primeira fase num grupo com RFA, Uruguai e Dinamarca).