O deputado do PCP Miguel Tiago está à nossa espera no gabinete de imprensa.Óculos escuros, t-shirt preta e uma bolsa no abdómen, a trocar impressões com alguns comunistas. “Eu venho ao Avante desde pequeno, e já fiz de tudo por aqui, estive nos bares, servi comida, preguei pregos” conta ao i.
Miguel é portanto um homem da casa, que conhece como se ergue uma festa que foi crescendo ao longo dos anos, e que em 2016 vai ficar maior: o PCP comprou a Quinta do Cabo, mesmo ali ao lado, para ajudar a celebrar 40 anos do Avante. Passou pelas jornadas de implementação, integrou as brigadas que, um mês antes, asseguram a construção do espaço noSeixal, e, mesmo depois de chegar a deputado em 2005, continua a dar uma mãozinha ao “colectivo”. “Eu continuo a dormir nas tendas, desde os anos 90 que é assim”, remata.
O colectivo é que manda A primeira paragem faz-se no palco ”25 de Abril”, já com muita gente a ouvir os “HMB”.“Vinha com os meus pais em pequenino, eles estiveram muito tempo ligados ao PCP, mas aí só me lembro das filas enormes para estacionar”. A memória não é o forte de Miguel, mas quando questionado sobre o papel que esta festa teve, a resposta chega rapidamente: “Quando me juntei à Juventude Comunista Portuguesa (JCP) em 1994, e comecei a vir sozinho, liguei-me muito à festa, interagi com gente nova e velha, e aprendi o que é o trabalho colectivo”.
Aos 14 anos juntou-se à JCP, depois de uma manifestação contra a substituição da Prova Geral de Acesso. “Era o governo do Cavaco, estava a Ferreira Leite como ministra da Educação, e um amigo meu, depois de me indicar vários militantes que estavam ali a protestar à frente da minha escola, levou-me até à sede da JCP para me inscrever”. Aí, deu-lhe o clique: “Decidi que queria estar ao lado de quem dá o litro para que isto aconteça”, concluiu. A conversa pára por minutos. Um homem pede a Miguel que tire uma selfie com ele. O pedido é concretizado. “Aqui muita gente me conhece, lido bem com isso, e aproveito para recarregar baterias para o ano todo”. Outra coisa não seria de esperar, afinal há quase 20 anos que Miguel participa nesta rentrée comunista.
Paramos na estrutura da JCP, repleta de jovens, pintada a vermelho. De sorriso na cara, Miguel recorda um episódio que o marcou: “Houve uma vez, nos anos em que estive nas brigadas da JCP, em que tive de levar uns bonecos gigantes até ao cimo de umas torres, e de repente vi uma enchente de gente lá em baixo a começar a entrar no recinto, foi uma imagem inexplicável”.
Era tempo de deixar o sítio de onde Miguel é “filho”, por assim dizer. Seguimos para o “Espaço Central”, lugar de debates, exposições, cinema e mostras de artes plásticas. O deputado vai trocando mensagens no telemóvel, distribuindo beijos e abraços, a passos largos. É que às 21 horas tem nova missão: um debate sobre o caso GES/BES. “Por aqui as pessoas expõem os seus projectos, e depois o público vem para apagar um pouco a ideia de que o povo português só gosta de pimba”, diz mostrando ao i como é que o espaço “Bienal de Artes Plásticas” funciona. Sobre se os debates têm pouca afluência a um sábado à tarde, Miguel é pragmático: “Olhe para ali, vê mais algum festival com debates sobre ‘Portugal soberano’?Não…”.
Antes de chegarmos ao Avante Teatro, demos um pulinho ao espaço internacional, onde vários partidos estrangeiros ligados ao PCP têm a oportunidade de se juntar. Muamba, paelha, mojitos, fazem parte do menu por estes lados. E claro, muita gente a dançar. “Eu já não danço a carvalhesa, mas dancei muito, e em vários concertos ia sempre para o moche, e espero continuar assim, com as minhas características, como ‘o’ Miguel Tiago”, diz antes de interromper a visita guiada para falar com uma mulher durante largos minutos.
“Não convidaria o marcelo” Quase a terminar a nossa visita guiada, paramos para beber qualquer coisa. Soube da notícia do dia: “O Sócrates já saiu? Olhe nem sabia, estive sempre a trabalhar…”. Por falar em figuras de outros partidos, Miguel não tem dúvidas sobre possíveis vindas ao Avante. “Eu não convidaria a Maria Luís Albuquerque ou o professor MarceloRebelo de Sousa, em tempos de crise seria difícil, mas ninguém lhes fazia mal”. De facto, ao segundo ninguém fez. Ocomentador e possível candidato a Belém esteve, de boina na cabeça, presente na 39º edição da festa comunista. Mas durante a nossa visita, acabaram por não se cruzar.
Regressámos ao ponto de partida. E terminamos a visita com a velha questão, estão os comunistas presos ao passado? “Se o partido fosse só de velhos isto não se fazia, essa cassete é quase tão antiga como os comunistas” confessa ao despedir-se de nós. É que já há gente à espera de saber o que aconteceu nas comissões de inquérito do BES. “O que eu tenho pena não é da sala estar vazia, é de não conseguir ir ver o concerto do Fausto”. Aí nenhum comunista levará a mal, é que o histórico cantor português raramente dá concertos. Fica para o próximo ano, Miguel.