O debate sobre os refugiados entrou esta semana pela campanha eleitoral adentro, com a posição detalhada assumida pelo líder socialista a provocar críticas fortes à direita. A verdade é que as posições dos principais líderes políticos – nesta matéria – estão longe de ser extremadas.
O vocabulário usado nas duas frentes (PS e PSD/CDS) tem sido, aliás, muito semelhante, nomeadamente quanto à urgência de uma resposta europeia diz respeito. E até em mais. Quando AntónioCosta diz que “travar refugiados é uma ideia indigna” da Europa, Pedro Passos Coelho diz que os refugiados “precisam de ter um acolhimento maior dentro da União Europeia”. Quando Passos fala na necessidade “de um renovado envolvimento político por parte da União e da comunidade internacional” face aos conflitos na Líbia, na Síria, no Iraque, no Iémen ou na Eritreia, Costa fala na necessidade de “estabilizar” a falta de paz em alguns países. Mas a elevada sensibilidade de uma campanha eleitoral acabou por fazer acender um rastilho numa declaração específica de Costa, numa sessão sobre políticas sociais em Alverca há dois dias, provocando uma acesa troca de palavras entre socialistas e sociais–democratas e centristas.
“Vejo os proprietários e autarcas na zona de pinhal interior a queixarem-se de falta de mão-de-obra e digo: está aqui tanta população habituada à actividade agrícola que tem capacidade de trabalhar nesta floresta, por que é que não criamos aqui uma grande oportunidade de recuperar património que temos abandonado, de criar novas oportunidades de vida para estas pessoas e uma melhor forma de desenvolver o nosso território?” Foi a frase da polémica, com a coligação a atirar, via Nuno Melo do CDS,que “encontrar um pretexto para o combate à desertificação não lembra a ninguém”. “Nem tudo pode ser instrumental e nem sequer numa campanha pode valer tudo para tentar conseguir alguns votos.” Jorge Moreira da Silva, vice-presidente do PSD, acrescentou que o que está em causa “não é a oportunidade económica do acolhimento, mas saber se a Europa da paz e dos cidadãos está ou não à altura das responsabilidades”.
Um ataque a Costa, apesar do líder socialista também ter dito, na mesma sessão em Alverca, que “enquanto houver uma dinâmica demográfica tão dispar entre a Europa e a África, enquanto houver a disparidade de rendimento que existe, enquanto a Europa não conseguir fazer nada para estabilizar a falta de democracia, liberdade e paz em toda esta zona envolvente, não há nada que venha a deter estes refugiados”. Nas declarações, cedidas ao i pela rádioRenascença, Costa afirma: “A ideia de que vamos conseguir travar os refugiados é errada. Digo mais: é uma ideia indigna da Europa que tem de ser uma terra de acolhimento.”
Mas nem só a coligação suscitou a polémica, que acabou por ter sequência no PS, com o secretário nacional Porfírio Silva a escrever no Facebook que se trata de “demagogia eleitoral” a posição da coligação. “Estão escandalizados porque se fala de agricultura e floresta como áreas de trabalho possível para refugiados? Dizem que não há florestas na Síria. Mas não há refugiados só da Síria, há refugiados da Eritreia, do Afeganistão, da Colômbia… Seria demagogia dizer que temos muitos postos de trabalho altamente qualificados para propor aos refugiados?”, escreveu Porfírio Silva, reafirmando a posição socialista. Costa havia de voltar ao tema ontem. Em Pombal, numa iniciativa de campanha, o líder socialista afirmou que “a política de apoio aos refugiados não é a política de caridade, abrindo-se fronteiras para se colocar pessoas em campos de refugiados e dando um prato para as pessoas se alimentarem. É preciso dar novas oportunidades de vida”, disse citado pela Lusa.
A verdade é que, em Maio, Passos começou por colocar reservas ao acolhimento proposto pela União Europeia, precisamente por causa das oportunidades que o país poderia oferecer. O chefe do executivo dizia que a ideia europeia teria de ser “melhor temperada atendendo às condições que nomeadamente Portugal e outros países enfrentam, sobretudo quando temos em linha de conta o elevado desemprego que ainda se regista”. Com o agravamento da situação e crescente fluxo dos refugiados sírios, o primeiro-ministro acabou por modelar a posição e anunciar o aumento além dos 1500 que Portugal iria receber. O“Financial Times” avançou ontem com uma projecção da União Europeia que contava com a distribuição de mais de seis mil refugiados por Portugal. Passos manteve ontem a reserva face a este número. Ontem, junto a David Cameron (ver texto ao lado), o primeiro-ministro lembrou a acção nacional noutros momentos, caso da “no final da Segunda Guerra Mundial, o país acolheu milhares de crianças austríacas que necessitavam de recuperar dos traumas da guerra”.