Terror em tempos de guerra


O medo tem voz de móvel que estala” e todos os anos, na ressaca dos festivais de Verão, eu dou-me ao medo no Festival de Cinema de Terror MOTELx, que começa na próxima quarta-feira. Este ano, porém, deu-me para fazer uma reflexão: com tanto horror no mundo, tão perto e tão longe de mim, como…


O medo tem voz de móvel que estala” e todos os anos, na ressaca dos festivais de Verão, eu dou-me ao medo no Festival de Cinema de Terror MOTELx, que começa na próxima quarta-feira. Este ano, porém, deu-me para fazer uma reflexão: com tanto horror no mundo, tão perto e tão longe de mim, como raio continuo a procurar sempre essa sensação na ficção? Talvez por isso mesmo – porque, egoisticamente, preciso de ver pessoas perseguidas por malucos empunhando serras eléctricas para me sentir segura.

O privilégio é, mais do que nunca, um complexo. Não sou a pessoa mais abnegada, sou até bastante comodista. Mas sou consciente. Sou mais de me enroscar nos males do mundo a chorar do que de combatê-los activamente. E não quero ter vergonha de ser assim, agora que começo a reparar que há quem se envergonhe de tudo o que tem por relativamente adquirido, de tudo o que faz de si um indivíduo e que agora, à luz de um sentido de missão advindo desse complexo, lhe parece supérfluo. Uma amiga minha publicou no Facebook uma notícia sobre uma banda de que gosta acompanhada por um comentário em que se culpava por estar a perder tempo com algo que outrora lhe dera tanto gosto: a música. “Então a muito custo partilho uma notícia sobre músicos que gosto em vez de algo triste.”

É preciso ter calma. Não pode existir só o meu professor Octávio, que por ele acabava-se com os filmes dramáticos porque “para drama já basta a vida”. A vida não se faz só de comédias parvas. Mas também não se faz só de actos consequentes. Sobretudo, a culpa é a pior motivação que pode haver por detrás da solidariedade. A culpa gera mais caridade do que solidariedade. Procura a expiação em vez da mudança. 

Não podemos ser aqueles, geralmente pouco próximos do morto, que vão ao funeral exibindo o seu melhor ar contristado para avaliar se os outros estão a sofrer o suficiente. E também não podemos ceder à pressão desses e fazer luto para sempre. Temos de lutar. Mas não podemos deixar de ouvir música. Não podemos deixar de ver filmes de terror.

Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado