Aquela criança estendida nos areais de Bodrum podia ser o seu filho. Ou irmão. Ou sobrinho. Ou o filho do seu melhor amigo. Ou o meu. Podia ser alguém que conhecêssemos e amássemos. Aquela criança era alguém que outros conheciam e amavam. Aquela criança tem um nome, Aylan Kurdi. E uma história: morreu porque os pais sonhavam dar-lhe um futuro. Mas “futuro” passou a ser palavra riscada para este menino de três anos. Já não existe futuro para ele, tal como não existe para o irmão Ghalib, de cinco anos. Ou para a mãe, Rehan. Ou para os 16 membros desta família que morreram às mãos do Estado Islâmico.
Não estamos a falar – ou não devíamos estar – de cidadãos de segunda. São pessoas iguais a nós. Não querem invadir os nossos países, apenas fogem de um país em guerra. Uma guerra na qual a Europa tem responsabilidade. Foi por tudo isto que a família Kurdi saiu da Síria. O pai, Abdullah, queria um futuro para a sua família. Só isto. Uma possibilidade de futuro.
O objectivo era chegar ao Canadá, mas os Kurdi sabiam que antes teriam de alcançar a Europa. Arranjaram um barco de borracha e, juntamente com outros refugiados, puseram-se a remar. A cerca de 500 metros da costa da Turquia, o bote começou a meter água. Consegue imaginar? Era noite cerrada. O pânico instalou-se e as pessoas começaram a cair à água. Toda a gente gritava. Abdullah agarrou a mulher e os filhos, mas acabou por perdê-los. Começou a nadar até atingir costa, movido pela esperança de que algum milagre tivesse conseguido salvar os filhos e a mulher. Em terra firme viu a vida desabar. Estava sozinho.
A si – e a mim – podem custar estas palavras. Pode custar olhar para aquela foto. Mas a este pai aquela foto nunca mais sairá da cabeça. Tal como nunca deixará de sentir fugir as mãos dos seus filhos nas suas, dedo a dedo, até já não restar nada. E saber que naquele instante lhe escapou a vida toda. Vamos continuar a ignorar isto?