Já o Estio ia avançado quando um magistrado do Ministério Público, com funções sindicais, fez públicas afirmações que me deixaram atónito. Sem pretensões de citação exacta, disse algo como: não sei quem tem medo do Ministério Público, não sei porque têm medo do Ministério Público, sei que têm medo do Ministério Público.
Já escrevi aqui que juntar no mesmo sujeito a qualidade de magistrado e de sindicalista me incomoda. Mas neste caso, as frases, além de me incomodarem, causaram-me “repugnância jurídico-democrática”.
Incomodaram-me porque, se submetidas a um teste “lógico”, resultavam aparentemente incongruentes: se não se sabe quem é o medroso, nem se sabe porque há medo, como se pode saber que há medrosos? Para saber que há um medroso, tem de saber-se uma de duas coisas, senão ambas: quem é o dito medroso ou qual a causa geradora de medos. Se se sabe quem é o medroso e qual a causa do medo, então chamem-se os bois pelos nomes!
Por outro lado, as frases causaram–me “repugnância jurídico-democrática” porque de ilógicas, na verdade, nada tinham. Atentando nelas, percebe-se que o que havia era um discurso, diga-se, suavemente “condicionador” (ouvido, em vez de lido, o tom era mais que isso!). Mas dirigido a quem? Aos que no discurso se afirmava serem “os que têm medo do Ministério Público”.
E aqui é que a porca torce o rabo… o discurso não era retórico, não era académico, não era uma arenga processual. Era um discurso político-sindical.
Ora, se assim é, tem mesmo de apurar-se quem tem medo do Ministério Público na perspectiva do autor do discurso, para perceber a quem se dirigia e aferir da admissibilidade do mesmo.
Num Estado de direito democrático, os cidadãos cumpridores não têm por que ter medo do MP – está lá para defender a legalidade democrática, representar o Estado e aconselhar, proteger e patrocinar os desvalidos. Ninguém pode ter medo de um MP forte, diligente, capaz, competente, eficaz, desde que actue, sempre e só, no cumprimento da lei. Logo, se um sindicalista diz que há quem tenha medo do MP, só pode dirigir-se a outrem que não aqueles que vivem as suas vidas pautados pela lei. Dirigir-se-ia então aos que violam a lei? Mas quem, de entre os que incumprem a lei, tem capacidade de satisfazer as pretensões do MP?
Percorrendo este caminho, o leitor chegará a uma conclusão indizível. Tão indizível quão inaceitável, sem concretizações, numa sociedade democrática.
Chegar a tal conclusão seria tão perigoso como pretender dar a ideia de que o MP, em vez de apenas obrigado à lei, actuava sob agendas que não as da pura e simples lei e da justiça.
Ora, ainda o Estio não acabou, e alguém da política disse algo que, mal ou bem, foi entendido por muitos precisamente desse modo! Mesmo erradamente, foi isso que muitos entenderam.
Juntando um momento mediático ao outro, a resposta à pergunta “quem tem medo do MP?” seria clara: todos nós!
Quanto a mim, que conheço tantos bons magistrados, não acredito em nada disso.
Não acredito, não posso nem quero acreditar!
Advogado
Escreve à sexta-feira