A serenidade com que Duarte Belo fala de Cesariny e dos dois dias que passou na casa do poeta-pintor e o mais que fosse parece coincidir com as fotografias. Terem sido feitas com uma Hasselblad de película, médio formato, a preto-e--branco e sem luz artificial, poderá ter contribuído para essa suavidade.
A foto da capa da exposição foi feita a pedido do próprio Mário Cesariny, “que se sentou em pose na sua cama com um chapéu e uma pinha por cima, como se fosse a imagem do que ele era”, explica Duarte Belo. São cerca de 30 fotos que a partir de hoje e até 11 de Outubro vão estar expostas no Museu da Electricidade em Lisboa, escolhidas de uma série de 200 e que fazem parte do espólio do artista, propriedade da Fundação Cupertino de Miranda.
Duarte Belo lembra que Cesariny o recebeu “lindamente” em 2003, logo após ter sido galardoado com o Grande Prémio EDP de Artes Plásticas 2002. Esteve dois dias a fotografar a casa onde o poeta vivia com a irmã Henriette. Duarte recorda que não teve qualquer tipo de limitações e que, de vez em quando, Cesariny ia conversando sobre alguns assuntos. Numa das fotografias surge esfumado sem definição e noutra completamente desfocado. “É que a Hasselblad estava muitas vezes em exposição e às vezes Cesariny passava à frente.”
Da casa, pequena, construção Estado Novo, no segundo andar direito do número 6 da Rua Basílio Teles, em Lisboa, apenas o quarto e o corredor aparecem. E não é pouco. Cada uma das fotos carrega um sem-número de elementos, entre livros, quadros de Mário Botas e Paula Rego, estátuas, relógios, candeeiros, desenhos, azulejos, um guarda-chuva ou um gato pintado por Vieira da Silva, que preenchem completamente o plano. O comissário da exposição, António Gonçalves, descreve a casa nas fotos como “colagens de objectos em êxtase, uma colecção de imagens em rotação, uma constelação de astros em fuga, uma sucessão de sinais sagrados”.
Duarte Belo garante que nada foi preparado, mas surpreendeu-o que de “um dia para o outro os objectos e o próprio espaço mudasse constantemente, o que indicava a actividade constante do ‘surrealista’ e lembrava a frase escrita à entrada da porta da rua: “Impossível parar.” Ainda assim, Duarte Belo lembra que Cesariny sentia a falta de amigos e “percebia-se que a cabeça não parava, mas o corpo não correspondia”.
Se ainda fossem precisas provas de que o espaço era o do dia-a-dia, as fotos mostram os buracos do cigarro distraído que marcaram os lençóis da cama.