“A situação já é dramática para a indústria conserveira.” O alerta é do presidente da Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe, Sérgio Real, que perante a redução “brutal” do stock da sardinha na costa portuguesa já vê o sector a importar cerca de 70% deste peixe para poder continuar a produzir “sardinha nacional”. E o resultado foi claro: houve uma quebra nas exportações de 30% em volume e em receitas, no ano passado. E os indicadores deste ano também apontam para uma nova quebra, segundo dados da Datapesca.
Em causa está um sector que emprega dois mil trabalhadores distribuídos por 12 fábricas, concentradas sobretudo no norte do país. Até ao momento, a diminuição do stock de sardinha na costa portuguesa não põe em perigo esta actividade, até porque o sector já estava habituado a importar em períodos de carência. A sardinha utilizada pela indústria vinha habitualmente da frota soviética, explica Sérgio Real. Mas com a mudança do panorama político, Espanha, França e Marrocos – onde a qualidade da espécie é idêntica à portuguesa – são os principais abastecedores. Embora os preços da sardinha em lota praticados nestes países também sejam elevados (porque envolvem custos de transporte), continua a compensar, assegura o dirigente da associação.
O futuro Mas, se se mantiver um número de quotas piscatórias tão baixas para 2016, como se prevê, o futuro da indústria não é nada animador. Apesar de a maioria da sardinha já ser importada, ainda há fábricas que estão dispostas a pagar mais para continuar a ter um produto 100% português. E para estas unidades, uma diminuição “brutal” das quotas significa pagar um custo mais elevado pela sardinha nas lotas.
Se os pescadores podem subir o preço para compensar a escassez do produto, o mesmo já não pode acontecer com a indústria, que compete em mercados internacionais onde, por exemplo, não há distinção entre conservas de sardinela e de sardinha, explica o presidente da Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe, referindo que “normalmente, as fábricas conseguem ajustar-se a um, dois anos de escassez”. Mas se se mantiver no próximo ano, “a situação pode tornar-se um desespero”, alerta Sérgio Real.
Embora as fábricas se possam voltar para outras espécies, como o atum e a cavala, estas não são tão rentáveis quanto a “rainha” das conservas portuguesas – um produto historicamente apreciado, que representa cerca de um terço das conservas exportadas para mais de 70 países. Os principais destinos são a França, Inglaterra e Estados Unidos. “Porém, se há clientes que ainda valorizam a diferenciação de um produto sem sardinha portuguesa, mas enlatado em Portugal, outros há que estão a deixar de o fazer.”
Hábitos de consumo Estávamos em 1804 quando Nicolas Appert descobre como conservar através do calor em recipientes hermeticamente fechados. A partir daí, a espera pelas primeiras conservas foi pouca. Em Portugal, a indústria conserveira começa a desenvolver-se no final do século XIX e no início do século XX, com uma produção crescente de conservas de atum e sardinha. A abundância de peixe em Portugal, devido à grande extensão da linha costeira, permitiu que a indústria conserveira se tornasse tradição no país, mas também fora de fronteiras.
“A indústria conheceu um verdadeiro boom no contexto da Primeira Guerra Mundial, tendo a exportação crescido até 1924 (nesta altura existiam 400 fábricas), no fornecimento dos exércitos aliados”, explica Joaquim Rodrigues, autor de uma tese sobre o desenvolvimento da indústria no Algarve. A partir desse ano, a valorização do escudo levou à diminuição das exportações e ao encerramento de fábricas, indica o historiador.Hoje, segundo Sérgio Real, parte do mal-estar da indústria deve-se antes à mudança de hábitos que levou a população a consumir muita sardinha fresca, que deixa assim de estar disponível para conservas. Os hábitos mudam, o apetite pela sardinha cresce.