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Por estes dias, cruzei-me com um curioso artigo em que alguém indagava como é que os sempre contestatários autarcas rapidamente esqueciam o seu capital de queixa e não hesitavam em desfilar lado a lado com os membros do governo nas acções de campanha nas suas localidades.
Para lá de outros factores, parece claro que tal visão ignora que muitas dessas intervenções públicas servem sobretudo como alertas e contributos para que a governação possa ser melhorada em diferentes domínios que contendem com a esfera municipal e, logo, com as populações que tais autarcas representam.
A situação que apresento de seguida é disto mesmo um bom exemplo. Em inúmeras circunstâncias, nos mais diversos sectores de actividade, as orientações políticas dos membros do governo acabam por ser mal concretizadas, quando não distorcidas, por parte da máquina do Estado, mesmo quando estamos na presença de responsáveis que se supõe terem a confiança política dos governantes.
Nuns casos por tiques autoritários, noutros por sede de protagonismo, noutros ainda por pretensa vontade de mostrar serviço, e em muitos mais por mera incompetência e total falta de sensibilidade, são vários os “inimputáveis” que beneficiam da discrição dos seus gabinetes e da falta de escrutínio público para perpetrar as decisões mais arbitrárias.
No longo braço do Ministério da Educação e da famigerada DGEstE – Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, os exemplos sucedem-se.
Há cerca de um ano, uma escola de 1.o ciclo de uma freguesia periférica do concelho de Braga foi encerrada mesmo cumprindo (em Junho, data de término das inscrições) os requisitos legais para o seu funcionamento ao nível do número de alunos inscritos.
Já este ano, em pleno mês de Agosto, vários agrupamentos de escolas locais foram confrontados com a necessidade de suprimir turmas e agrupar alunos, tanto no pré-escolar como no 1.o Ciclo, em função de uma aplicação cega da lei e ao arrepio da prática seguida em anos anteriores.
Em causa, como sucedeu em diversos outros pontos do país, a não consideração dos “alunos condicionais” (aqueles que completam três anos após 15 de Setembro) na constituição das diferentes turmas.
Das consequências de tais decisões note-se que, para lá de ter sido expressamente vedado o acesso de inúmeros alunos às suas escolas de eleição, em sacrifício da qualidade da vida familiar e social das famílias visadas, as mesmas conduziram a situações incompreensíveis: docentes condenados a manterem o vínculo com horário zero, salas intervencionadas com fundos comunitários a potenciarem a necessidade do seu reembolso por incumprimentos contratuais (matéria esta passível de iniciativas judiciais tendentes ao direito de regresso sobre indivíduos e instituições que a tal possam ter dado origem), crianças com NEE sujeitas à inclusão em turmas com mais alunos do que aquilo que a lei também determina, a diluição de alunos do 1.o ano por turmas de anos superiores no ensino básico, com prejuízo para a qualidade do ensino.
Todos defendemos a gestão criteriosa e eficiente dos recursos disponíveis. Mas esta é uma das situações em que nem esse argumento pode ser invocado. E se há um membro do governo que, uma vez alertado para estes factos, legitima este tipo de práticas e decisões, o mesmo não é digno do cargo que exerce.
Presidente da Câmara de Braga
Escreve à quinta-feira