Until Dawn. Efeito borboleta

Until Dawn. Efeito borboleta


‘Diz-se que algo tão pequeno como o bater das asas de uma borboleta pode causar um tufão do outro lado do mundo” – em Efeito Borboleta sobre a Teoria do Caos.


“É como um filme.” Talvez seja uma das frases mais usadas pela indústria dos videojogos nos últimos anos para descrever a qualidade gráfica ou componente narrativa de um jogo.

Aliás, essa mesma indústria possui uma certa paixão pelo mundo cinematográfico já desde os primórdios da sua existência. Mas num passado mais recente, a tentativa de tornar a experiência interactiva baseada na narração fez com que muitas companhias começassem a criar um género que vai pelo nome de “filme interactivo.”

Aliás, os esforços têm sido nesse sentido, sempre com o risco de um videojogo tornar-se tão próximo de um filme que acaba por dar asneira, estando por vezes a anos-luz de um filme decente. Os casos de sucesso são cada vez mais, com particular destaque para produtoras como Quantic Dream(Beyond Two Souls, Heavy Rain), Telltale (Game of Thrones, The Walking Dead, The Wolf AmongUs) ou até mesmo o mais recente Life is Strange da Dontnod. Todos estes títulos conseguem, à sua maneira, envolver o jogador/espectador em histórias interessantes e geralmente bem contadas, com o poder da narração e não com os botões de um comando.

Until Dawn, produzido pela Supermassive Games e publicado pela Sony Computer Entertainment, pertence claramente a este grupo restrito de, chamem-lhe, experiências (eu cá continuo a chamar-lhe videojogo). Pegando quase exclusivamente no enredo, o exclusivo da PlayStation 4, que tinha sido planeado inicialmente para a PlayStation 3 e tentar potenciar as funcionalidades do PlayStation Move, conta com um elenco de atores profissionais e uma equipa de escrita conhecida do género de terror, Larry Fessenden e Graham Reznick, ambos atores, realizadores e escritores. Toda esta recruta só foi possível com o aumento orçamental impulsionado pela mudança de plataforma.

Falando ainda do projecto inicial, e já com as primeiras indicações sobre o título final, a utilização do PlayStation Move foi posta completamente de parte, muito por culpa dos sensores de movimento do Dualshock 4 que fazem o papel da varinha luminosa lançada na anterior geração de consolas da Sony. No entanto, existe a opção de não o fazer e jogar apenas com os analógicos do comando, método este que foi utilizado por mim durante 90 por cento do tempo de jogo.

Confesso não ser grande fã do género de terror (ou melhor, não era), mas fiquei desde logo agarrado a Until Dawn desde as primeiras imagens que saltam do ecrã. Toda aquela lividez do cenário gélido, cinza, é convidativo a explorar a montanha que aprisiona os protagonistas. Ainda assim, o que me provocou todo o interesse neste título foi a premissa de promoção feita pela Supermassive Games. Como poderiam as nossas decisões influenciar ao mesmo tempo a vida de oito adolescentes e o destino de cada uma delas?

Ora, pelo número de filmes de terror que vi, e acreditem que é reduzido, a história que começa com “um grupo de jovens/adolescentes presos numa casa” e acaba com o desaparecimento inexplicável de cada um deles não é, de todo, original. E foi no prólogo, onde nos brindam com um pequeno tutorial e apresentação das personagens, que comecei a perceber que não é a fórmula que dita a qualidade da narrativa, mas sim no modelo em que essa mesma fórmula é empregue. E é neste mesmo prólogo que a nossa mente começa a filtrar as nossas preferências e ligações com os personagens.

Todos nós possuímos medos, e os meus certamente são diferentes dos que assustam a pessoa que mora no quinto andar do edifício ao fundo da rua (mero exemplo). Não me assusta a voz distorcida de um psicopata, os elementos sobrenaturais ou todos os temas que, por norma, são abordados em curtas e longas metragens. Muitas vezes são as pequenas coisas da vida, que significam muito para outras, que me deixam realmente amedrontado.

Senti-me emocionalmente confiante de que todos sairiam com vida, desde o primeiro instante, até ser convidado a tomar as primeiras decisões. As relações entre os adolescentes, a personalidade de cada um, tudo conta para um desfecho feliz, diria eu logo nos minutos iniciais do primeiro capítulo. E o destino dessas relações, amorosas ou amistosas, é prontamente colocado nas nossas mãos e numa conversa de segundos podemos criar desavenças e/ou desconfianças. Pode parecer que não, mas certamente terá influência num ponto mais avançado do argumento.

Mas se a originalidade estaria posta em causa logo no prólogo, a componente narrativa cheia de mudanças surpreendentes que nos deixam muitas vezes sem capacidade de decisão, coloca-nos imediatamente no centro de tudo o que vai acontecer em Until Dawn, passando apenas a existir um protagonista: o jogador que tem no seu controlador a vida de oito pessoas. Foi neste momento que a Supermassive Games me apresentou o meu maior medo, escondido durante 26 anos de existência: decidir o destino dos que me rodeiam e de quem possuo algum tipo de ligação.

São cerca de nove horas de jogo, onde todos os segundos contam e pedem ao jogador decisões em cima do joelho. Pela primeira vez em anos, senti vontade de fazer uma maratona, senti que cada momento que parasse de jogar seria o fim de um dos personagens. Não existe a opção save game, não existem vidas à la Super Mario, não há volta a dar. Depois de tomada uma decisão, temos de assumir a consequência, e sempre que a decisão se revelar correta, sentirás um enorme alívio nem que seja momentâneo.

Todas as decisões são tomadas como os títulos supramencionados, através de QTEs (Quick TimeEvents), mecanismo que deixa sempre o jogador algo céptico em relação ao jogo. No entanto, todos estes QTEs estão brilhantemente encaixados na jogabilidade. Aliás, sem esta componente interactiva,Until Dawn tornar-se-ia no típico filme de terror onde o espectador não tem interferência na conclusão.

E é através desta componente que Until Dawn se torna numa experiência mais agradável e com maior potencial comparativamente com o cinema. A incorporação do jogador no personagem faz com que mergulhe na experiência e não fique simplesmente colado ao grande ecrã. Há medida que caminha para um potencial perigo, a decisão de fugir ou esconder, escolher entre socorrer um ou outro amigo, ficará sempre na expectativa do que poderá acontecer com os restantes.

Para além do enredo principal, existe também uma história paralela em forma de pistas que vamos encontrando durante a exploração do cenário. Estes vestígios enriquecem o guião mas não fogem disso. Acabam por influenciar no momento das tradicionais cutscenes presentes nestes “filmes interactivos,” deitando por terra qualquer tipo de resolução de puzzles e mistérios. Uma pena, mas que de nada mancha a mais ambiciosa entrega da Supermassive Games.

O valor de repetição do jogo é enorme, seja pela exploração e descoberta de todas as pistas, seja pela experimentação de diferentes decisões. Aliás, se durante a nossa primeira experiência a premissa “não há volta a dar” era verdade, Until Dawn dá-nos essa oportunidade de contrariá-la, voltando à estaca zero (ou escolher capítulos) e escondermo-nos em vez de ter fugido naquela situação.

Pessoalmente, voltar a jogar Until Dawn deixou-me um pouco entre a espada e a parede. Se a minha vontade de tentar uma vez mais um desfecho feliz era enorme, sentia que não devia remexer no passado, aquelas foram as minhas decisões e tinha que viver com as consequências. Sim, viver. Todas aquelas mortes foram causadas por mim, e fui o responsável por aqueles que ficaram cá para me relembrarem a história. Aliás, é esta a beleza de Until Dawn, não te pede que tenhas medo de fantasmas ou de cobras, mas apela ao medo de não teres sido racional o suficiente. Ou até foste, mas isso levou a que do outro lado da montanha, uma adolescente acabasse por morrer. Teoria do Caos, Efeito Borboleta.

VEREDICTO

Until Dawn estabelece novos padrões para os géneros de aventura modernos, com progressos interessantes relativamente aos antecessores (jogos da Telltale e Quantic Dream) no que diz respeito à produção, criação audiovisual, ritmo e atenção nos detalhes. É a prova viva que os videojogos podem conter um argumento forte e convincente, mantendo-nos afastados da experiência linear de um filme, ainda que por vezes o jogador se torne num mero espectador. Mas o peso das nossas acções e a versatilidade da aventura são pontos chave que destacam UntilDawn no seio do seu género (de terror e “filme interactivo”). O jogo é exclusivo à plataforma de oitava geração da Sony e conta com dobragem e legendagem em português, com a opção de mudar para a língua de origem, o inglês.

8.5/10

*Artigo escrito por Pedro Ferreira, da IGN Portugal.