Contra o golpe de Estado deslizante


A probabilidade de o PSD e o CDS somados terem mais deputados do que o PS é remota, mas existe. A hipótese de uma maioria absoluta de direita é pura retórica propagandística. Mas tentativa de golpe não deve ser ignorada.


Está em marcha a tentativa de um subtil golpe de Estado. Quer garantir que o PSD e o CDS permaneçam no poder mesmo sem uma maioria absoluta. Depende, portanto, da remota hipótese de a soma dos deputados do PSD e do CDS exceder a do PS; e só será necessário se a direita não obtiver maioria absoluta. A opinião pública foi preparada para aceitar como legítimo o resultado pretendido, inculcando-se-lhe a ilusão de que o objectivo do golpe cabe na ordem jurídico-constitucional. 

As esquerdas não lhe têm dado importância. Ou por entenderem que a tentativa em causa pressupõe um cenário político improvável, ou por acharem que podiam beneficiar eleitoralmente com ele, ao acirrarem-se os receios de um êxito do actual governo. A probabilidade de o PSD e o CDS somados terem mais deputados do que o PS é remota, mas existe. A hipótese de uma maioria absoluta de direita é pura retórica propagandística. Mas tentativa de golpe não deve ser ignorada.

Nestas eleições, o PS disputa, com o PSD e o CDS coligados, a maioria absoluta. Se não a obtiverem, deverá ser chamado a formar governo o partido com o maior número de deputados. Isto é, o PS, já que o PSD, isoladamente, a fazer fé nas sondagens, não tem hipóteses de ser o partido com o maior número de deputados. Portanto, ou o PSD e o CDS coligados têm maioria absoluta e ganham as eleições, ou perdem-nas; e o PS, como partido mais votado, é chamado a formar governo, quer tenha maioria absoluta, quer seja apenas o maior partido.

Na verdade, o PSD e o CDS coligaram–se, não se fundiram. E a Constituição dá ao PR o poder de nomeação do primeiro-ministro, “ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais” (art.o 187). Constitucionalmente, apenas são relevantes os partidos políticos. As coligações, juridicamente, caducam no dia das eleições (formando grupos parlamentares autónomos). Podem apenas manter-se no plano político. A competência do PR é, pois, condicionada. Ele tem de ouvir os partidos políticos para depois decidir, tendo em conta os resultados eleitorais. Não pode ficcionar a subsistência jurídico-constitucional de uma coligação que se extinguiu, nem pode ignorar o que lhe disserem os partidos.

Ora, a conjugação dos calendários eleitorais inviabiliza a realização de novas eleições legislativas durante meses. Assim, quem for encarregado de formar governo pode permanecer nele quase um ano, independentemente da vontade dos deputados. Isto é, se o PSD e o CDS, mesmo não obtendo maioria absoluta, fossem chamados a formar governo, isso implicava que, tendo sido expulsos do poder pelos eleitores, continuassem a governar. Seria um ataque contundente à democracia.

O plano em causa implica também que recaiam sobre o PS as dificuldades geradas pelo golpe. Esperar-se-ia que chovessem sobre ele as maiores pressões para que viabilizasse o novo poder ilegítimo; nacionais e internacionais, de poderes económicos e políticos, dos “mercados” e do complexo mediático. O PS teria de escolher entre resistir a pressões brutais e implacáveis ou ceder. Cedendo, provavelmente, estaria condenado a murchar no plano eleitoral e a fragmentar-se. Resistindo, estaria sob um fogo implacável.

Par além disso, o golpe procura tornar político-institucionalmente irrelevantes os outros partidos de esquerda – ou seja, desconsiderar quase um quinto do eleitorado. Esta agressão à legitimidade democrática seria um verdadeiro golpe de Estado deslizante, devastador para a paz social e para a credibilidade da democracia.

Por isso, os partidos de esquerda só podem repudiar essa tentativa, tornando claro que apresentarão uma moção de rejeição de qualquer governo PSD/ CDS, tenha ele ou não maioria absoluta. Se o fizerem, a natureza do golpe ficará a descoberto no seu grosseiro desrespeito pela ordem constitucional. Desmascarado, dificilmente poderá prosseguir.

Professor jubilado 
da Universidade de Coimbra 

Contra o golpe de Estado deslizante


A probabilidade de o PSD e o CDS somados terem mais deputados do que o PS é remota, mas existe. A hipótese de uma maioria absoluta de direita é pura retórica propagandística. Mas tentativa de golpe não deve ser ignorada.


Está em marcha a tentativa de um subtil golpe de Estado. Quer garantir que o PSD e o CDS permaneçam no poder mesmo sem uma maioria absoluta. Depende, portanto, da remota hipótese de a soma dos deputados do PSD e do CDS exceder a do PS; e só será necessário se a direita não obtiver maioria absoluta. A opinião pública foi preparada para aceitar como legítimo o resultado pretendido, inculcando-se-lhe a ilusão de que o objectivo do golpe cabe na ordem jurídico-constitucional. 

As esquerdas não lhe têm dado importância. Ou por entenderem que a tentativa em causa pressupõe um cenário político improvável, ou por acharem que podiam beneficiar eleitoralmente com ele, ao acirrarem-se os receios de um êxito do actual governo. A probabilidade de o PSD e o CDS somados terem mais deputados do que o PS é remota, mas existe. A hipótese de uma maioria absoluta de direita é pura retórica propagandística. Mas tentativa de golpe não deve ser ignorada.

Nestas eleições, o PS disputa, com o PSD e o CDS coligados, a maioria absoluta. Se não a obtiverem, deverá ser chamado a formar governo o partido com o maior número de deputados. Isto é, o PS, já que o PSD, isoladamente, a fazer fé nas sondagens, não tem hipóteses de ser o partido com o maior número de deputados. Portanto, ou o PSD e o CDS coligados têm maioria absoluta e ganham as eleições, ou perdem-nas; e o PS, como partido mais votado, é chamado a formar governo, quer tenha maioria absoluta, quer seja apenas o maior partido.

Na verdade, o PSD e o CDS coligaram–se, não se fundiram. E a Constituição dá ao PR o poder de nomeação do primeiro-ministro, “ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais” (art.o 187). Constitucionalmente, apenas são relevantes os partidos políticos. As coligações, juridicamente, caducam no dia das eleições (formando grupos parlamentares autónomos). Podem apenas manter-se no plano político. A competência do PR é, pois, condicionada. Ele tem de ouvir os partidos políticos para depois decidir, tendo em conta os resultados eleitorais. Não pode ficcionar a subsistência jurídico-constitucional de uma coligação que se extinguiu, nem pode ignorar o que lhe disserem os partidos.

Ora, a conjugação dos calendários eleitorais inviabiliza a realização de novas eleições legislativas durante meses. Assim, quem for encarregado de formar governo pode permanecer nele quase um ano, independentemente da vontade dos deputados. Isto é, se o PSD e o CDS, mesmo não obtendo maioria absoluta, fossem chamados a formar governo, isso implicava que, tendo sido expulsos do poder pelos eleitores, continuassem a governar. Seria um ataque contundente à democracia.

O plano em causa implica também que recaiam sobre o PS as dificuldades geradas pelo golpe. Esperar-se-ia que chovessem sobre ele as maiores pressões para que viabilizasse o novo poder ilegítimo; nacionais e internacionais, de poderes económicos e políticos, dos “mercados” e do complexo mediático. O PS teria de escolher entre resistir a pressões brutais e implacáveis ou ceder. Cedendo, provavelmente, estaria condenado a murchar no plano eleitoral e a fragmentar-se. Resistindo, estaria sob um fogo implacável.

Par além disso, o golpe procura tornar político-institucionalmente irrelevantes os outros partidos de esquerda – ou seja, desconsiderar quase um quinto do eleitorado. Esta agressão à legitimidade democrática seria um verdadeiro golpe de Estado deslizante, devastador para a paz social e para a credibilidade da democracia.

Por isso, os partidos de esquerda só podem repudiar essa tentativa, tornando claro que apresentarão uma moção de rejeição de qualquer governo PSD/ CDS, tenha ele ou não maioria absoluta. Se o fizerem, a natureza do golpe ficará a descoberto no seu grosseiro desrespeito pela ordem constitucional. Desmascarado, dificilmente poderá prosseguir.

Professor jubilado 
da Universidade de Coimbra