Stephen Colbert. O comediante que já quis ser presidente dos EUA

Stephen Colbert. O comediante que já quis ser presidente dos EUA


É fã incondicional das sagas “Star Wars” e “Senhor dos Anéis”. Quis ser astronauta e biólogo marinho, mas o seu ouvido direito surdo não o deixou.Viu o pai e dois irmãos morrerem num desastre de avião com apenas dez anos. Foi actor e dedicou-se à improvisação, tornando-se um “performer feliz”. Em 2005 entrou para o…


Directamente de NovaIorque, a maior cidade do mundo, sejam bem vindos ao ‘Late Show’, com Stephen Colbert!” Eeeeeeh!Palmas e ovações de um lado ao outro da plateia para receber o homem que vai substituir David Letterman ao serviço de um dos talk-shows mais queridos dos americanos. Será este, salvo excepção, o genérico que o público passará a ouvir. O primeiro programa sob o comando de Colbert vai para o ar no próximo dia 8 de Setembro e já há convidados anunciados: o actor George Clooney e o candidato republicano às presidenciais dos EUA Jeb Bush. Para os outros dias da semana (e mais um par de anos, claro) esperam-se mais convidados ligados à política, à ciência, ao desporto, ao jornalismo e ao entretenimento. A actriz Scarlett Johansson, o inventor e multimilionário ElonMusk, ou o director executivo da Uber (aquela empresa que está a deixar os taxistas com os cabelos em pé, sabe, não sabe?) são só alguns dos nomes que já estão confirmados. E convidado musical? Hum? Hummm? Jon Batiste e a banda Stay Human, alguns arrufos de bateria, por favor, para o suspense… O rapper Kendrick Lamar, que esteve no último programa “The Colbert Report” da ComedyCentral, em Dezembro de 2014.

Desde esse fim que Stephen Colbert tem estado a preparar a sucessão com uma série de vídeos promocionais bem ao jeito do seu humor, como a apresentação de um programa numa pequena estação de televisão por cabo do estado do Michigan, onde entrevistou Eminem (sem música e sem público), “um rapaz do Michigan que está a tentar fazer nome no competitivo mundo da música”. Mas foi o recente vídeo sobre a sua barba que obteve mais sucesso. Colbert surge tendo como cenário um quadro com o que o seu programa novo precisava, lembrando a internet, que “ainda existia”, com o cabelo maior e uma barba grande grisalha que, diz, “encontrou na auto-estrada”. O humorista começa por explicar que tinha de arranjar um look novo para o programa, e resolve, ao sabor de um cachorro, cortar a “sua velha amiga”, que o acompanhou nestes meses em que esteve parado. Num outro vídeo, já com a barba feita, a vítima foi Donald Trump. Intitulado

“A anunciar um anúncio”, o comediante aparece num cenário a fazer lembrar as conferências de imprensa da Casa Branca e revela estar optimista com a candidatura do multimilionário: “Não é só boa para a América que esta candidatura é boa, mas também para a televisão ao final da noite, porque me inspirou para me manter como apresentador do ‘Late Show’.” Nós agradecemos, Stephen. Apesar de sabermos uma coisa: a personagem criada para o seu antigo programa tem os dias contados. Mas a política precisa de Stephen, assim como ele precisa dela no seu talk-show.

APRENDER A SER UM PERFORMER FELIZ
Mas como foi criado um dos mais influentes humoristas do séculoxxi? Em 1964 nascia, em Washington, o mais novo de 11 irmãos,Stephen. Cresceu na Carolina do Sul, em Charleston, e quando tinha apenas dez anos o pai e dois dos irmãos morreram num acidente de aviação. “Aceitar as mortes dos meus irmãos e do meu pai fez-me um performer feliz”, afirmou à revista “GQ” este mês, explicando que isso só aconteceu quando completou 35 anos. Colbert foi crescendo introvertido, ao lado da literatura de ficção científica e de fantasia, com revistas como a “Mad” ou autores como J. R. R. Tolkien, o criador do “Senhor dos Anéis”. Confessou que foi uma frase deste autor, um católico devoto como ele, que o ajudou a aceitar o acidente. “Que castigos de Deus não são presentes?”, uma passagem que também o leva a dizer que se sente “feliz por estar vivo”.

Quis ser astronauta e biólogo marinho, mas o seu ouvido direito surdo não o deixou, afirmou esta semana à revista “Time”, de que é capa. Acabou por ver nascer em si o sonho dos palcos. Em 1986 foi para Chicago trabalhar com um grupo de comédia, o The Second City, dois anos depois teve aulas de improvisação, nas quais conheceu Amy Sedaris e PaulDinello, com quem criou “Exit 57” e “Strangers with Candy” para a Comedy Central. Em 1996 começou a destacar-se com “The Dana Carvey Show”, ao lado de outros comediantes como Steve Carell. Escrito por Louis C. K., o programa teve apenas sete episódios, mas traduziu-se nos primeiros passos para criar a sua persona.

Na altura disse ao “The New York Times” que, “se tens uma oportunidade de fazer as coisas bem com o público, há uma ligação especial que se cria quando olhas directamente para a câmara”. Um ano depois, a Comedy Central pegou nele, depois de ver um sketch sobre “empregados enjoados a servir comida” entre um Colbert e um Carell ainda muito jovens. Assim vimos nascer o correspondente republicano egomaníaco, a personagem de StephenColbert no programa “The Daily Show” do seu grande amigo e mentor Jon Stewart. Pegando em exemplos de jornalistas como GeraldoRivera ou Stone Phillips, criou rubricas como “Esta Semana com Deus” e “Papalogista” – dois segmentos resultantes de o comediante se considerar “um dos maiores católicos do país” –, ou “Even Stevphen”, comColbert e Carell a insultarem-se um ao outro enquanto discutem a actualidade até um acabar a chorar. Muitos outros momentos têm sido relembrados agora que Colbert segue para o “Late Show”.

Mas é a partir de 2005, quando surge a oportunidade de apresentar sozinho um programa seu, o “The Colbert Report”, que a história deste homem passa a constar dos livros de comédia em todo o mundo. Dois, de resto, escritos por ele: “I Am America (And So Can You!)” (2007) e “America/(The Book):A Citizen’s Guide to Democracy Inaction” (2004). “A ferramenta mais forte de Colbert era mostrar quão ridículos os seus opositores políticos eram, actuando como eles”, afirma o “The Guardian”, que destaca os dez momentos mais célebres do programa. Logo no primeiro, o jornal inglês destaca algo que poucos alguma vez alcançarão: inventou a palavra do ano em 2006, “Truthiness”. O que significa? “Acreditar em alguma coisa como se fosse verdade até às últimas consequências.” Segundo Colbert, uma palavra utilizada pelo canal Fox News e pelos republicanos para exprimirem sentimentos e estatísticas falsas como se fossem factos. Estes dois – Fox News e PartidoRepublicano – foram, aliás, alvos das maiores sátiras, tanto do programa de Colbert como do de Jon Stewart.

Durante a vida do seu programa, Stephen quase teve uma ponte na Hungria com o seu nome, prestou um tributo à mãe em 2013, criou o Colbert Super Pac, um comité republicano falso que serviria para “hotéis de luxo ou jactos privados”. Este Super Pac foi responsável por um dos poucos momentos em que Stephen se desmanchou a rir em directo, ao dizer o nome de um dos contribuidores, “SuqMadiq” (não experimente, vai ter o mesmo efeito).E, claro, não é possível esquecer Bill O’Reilly, o eterno inimigo, apresentador republicano da Fox News, parodiado sempre que possível.

Do estúdio para a capital dos EUA, em 2010, Colbert associou-se a JonStewart para organizar o The Rally to Restore Sanity and/or Fear, que juntou mais de 200 mil pessoas. O objectivo? Dar voz a quem não se encontrava entre os “15-20% de americanos que controlam a conversa política”.

PRESIDENTE DEMOCRATA E REPUBLICANO
É entre 2006 e 2007 que Stephen dá um passo estratosférico. No primeiro ano é convidado para apresentar o jantar dos correspondentes na Casa Branca pela administração de George W.Bush. No discurso disse: “Eu defendo este homem, porque este homem defende coisas como praças da cidade inundadas ou porta-aviões.” Foi assim que, a escassos metros de Bush, Stephen destruiu satiricamente todo o executivo, com o foco sobre a guerra doIraque, arrecadando milhares de visualizações.

No ano seguinte foi ainda mais longe: candidatou-se à presidência dos EUA. Depois da personagem de “Senhor dos Anéis”, Aragon (Viggo Mortensen) lhe dar uma espada – o “sinal” necessário – quando foi convidado no programa, avançou como democrata… e como republicano, pela Carolina doSul.Acabou por desistir meses depois. Mas a brincadeira levou a Marvel a fazer uma banda-desenhada com ele ao lado do Homem-Aranha. 

De resto, a paixão pela ficção científica e pela fantasia acompanhou-o sempre nesta escalada. Oano passado lutou comStewart pelo título de Maior Fã doStar Wars. Mais, entrou na Comic Con vestido como Príncipe Hawcat, parecido com a personagem do filme “Birdman” (2014), e foi moderador do painel que discutiu o filme “Hobbit:The Desolation of Smaug”, juntamente com os filhos. Aliás, chegou mesmo a aparecer no filme.

Contas feitas, ficam dois Emmys no bolso, uma legião de fãs, momentos inesquecíveis ao lado do grande amigo Jon Stewart e, claro, dez anos de “The Colbert Report”. E porque saiu? “Tinha de sair do programa, não queria que as pessoas confundissem a minha comédia com os comentadores políticos que aí andam”, respondeu à “Time”. Agora Colbert chega ao “Late Show” para substituir um homem que admira há muito. “Eu via o Letterman no secundário, aprendi mais com ele que nas aulas. Vai ser preciso um grande par de sapatos, e outro de calças, para o substituir”, disse, num dos seus programas finais.Flash news: esse substituto serás tu, Stephen.