Passadiços do Paiva. Oito quilómetros de madeira que pedem umas pernas de aço

Passadiços do Paiva. Oito quilómetros de madeira que pedem umas pernas de aço


Os passadiços abriram o acesso a um vale a que só pescadores e praticantes de desportos radicais tinham acesso.


Vamos ser precisos: são 8,7 km de caminho que passam para o dobro caso queira voltar a apreciar as margens do rio Paiva no regresso. 

Arouca, dez da manhã, 30 graus. Está visto que o dia vai ser quente e, por isso, na mochila apenas água, e nos pés, apesar da vontade de umas havaianas, acabamos por seguir o conselho de quem sabe e optamos pelas sapatilhas, que vão ajudar a suportar os mais de oito quilómetros de caminho pela margem esquerda do Paiva.

Numa espécie de puzzle milimétrico, as tábuas de madeira vão-se sucedendo umas às outras dando origem aos passadiços do momento. Em Arouca, os curiosos fazem fila para acompanharem o percurso feito pelo rio que, apesar dos seus 111 quilómetros de extensão, mantinha a margem esquerda acessível apenas a pescadores e aos mais aventureiros que usam estas águas para canoagem ou rafting.

Dois meses depois da inauguração, a fila de carros que ocupa a berma da estrada já pinta a paisagem ainda os passadiços estão longe. Assim, nada melhor que trocar o alcatrão pela madeira e começar o passeio.

Quilómetro 1
O ponto de partida está marcado para a praia do Areinho. Apesar de ainda ser de manhã, a esplanada do bar de apoio já se enche de gente de gelado na mão, o que nos obriga a focar os olhos nas tábuas de madeira para não perdermos a direcção. 

O início faz-se a subir, “para depois se descer a apreciar a paisagem”, explica Susana Bastos, a técnica de biologia que assume hoje o papel de mestre-de-cerimónias dos passadiços. Mas paisagem é algo que fica para segundo plano neste primeiro quilómetro. O foco está em manter um pé em frente do outro, numa subida feita de escadas e terra batida. António tira o boné de Portugal da cabeça para limpar o suor da testa.

“O melhor até agora foi o caminho de carro até aqui”, diz para desanuviar o ar derrotado do grupo que o acompanha. Entre risos e um recuperar de fôlego, a mulher, Emília, encosta-se ao muro de terra. “Oh, estou a ver que tenho de te levar ao colo.” Dá-lhe a mão e num puxão continuam a subida, deixando os amigos a aproveitar uma das raras sombras desta parte do trajecto.

Quilómetro 2
É ainda em modo de subida que vemos a placa azul que dá conta da passagem para o quilómetro seguinte. Os mais pequenos pedem colo e há quem lhes compre uma força extra em troca de um pacote de bolachas. Mas se da boca dos mais novos saem lamúrias, da dos mais velhos já se ouvem palavras dignas de fazer do percurso algo para maiores de 18 anos.

“Nunca mais me apanham noutra”, diz um homem que, de tão vermelho, faz parar quem não o conhece para lhe oferecer água. “Estamos quase”, ouve-se de incentivo. E de facto, a fase da subida termina no final desta etapa, mesmo a tempo para que a Garganta do Paiva – parte do rio em que o curso de água afunila temporariamente – seja apreciada sem a preocupação de manter a respiração a um ritmo normal.

Quilómetro 3 Já em terreno horizontal, é hora de limpar a cara, repor os níveis de água perdidos em suor e começar finalmente a apreciar a vista em redor. Depois de descermos vários lanços de escadas, o rio está tão perto que a vontade é fazer do passadiço uma prancha de lançamento para um mergulho no Paiva. Mas deixemos isso para outro quilómetro. Agora ainda há até quem lance gritos de vitória por ter atingido o ponto mais alto, com direito a resposta de quem ainda os ouve ao longe e espera atingir rapidamente aquela sensação de vitória.

Quilómetro 4
Com a construção do passadiço criou-se o acesso privilegiado ao rio, como também se aproveitou para unir as margens numa ponte que veio substituir a barca usada até então para o trajecto.

A construção em madeira permite a passagem de apenas dez pessoas de cada vez, o que faz com que se crie uma fila já considerável. Aqueles já sem paciência para esperar preferem aproveitar o que está debaixo da ponte: a zona de recreio e lazer do Vau. Não se pode chamar praia a este espaço por não reunir as condições burocráticas para tal, mas a verdade é que não falta água, areia e até umas cordas que ajudam a dar um impulso de Tarzan nos saltos para a água.

Quilómetro 5
Óscar Valério e o sobrinho, Júnior, tiveram visão estratégica ao montar um pequeno bar a meio do percurso. Com pouco mais de três metros quadrados, tem o essencial para quem procura reabastecer energias. Águas, refrigerantes, cafés e sandes estão no topo da lista dos mais pedidos.

“Há dias em que vendo 300 cafés”, conta Óscar. Nada mau para um bar aberto apenas há três semanas. Com o caminho a mais de meio, imitamos o que muitos estão a fazer: apontar o número de táxis afixado na parede do bar.

Quilómetro 6
Deixámos para trás a madeira que nos tem acompanhado para voltar a ter terra batida debaixo dos pés. “É por isso que dizemos passadiços no plural, acaba por ser mais do que um”, explica a guia, ao mesmo tempo que chama a nossa atenção para uma parte especial do rio.

Na Gola do Salto, o ressalto da água é de quatro metros, o que faz deste rápido o mais perigoso de toda a extensão do rio. Apesar de aguçar a curiosidade dos mais aventureiros, a sua passagem está interdita a turistas, que podem ficar a apreciar os profissionais num miradouro construído numa saída do passadiço.

Quilómetro 7
Na recta final, a maioria das T-shirts já largaram os troncos e cobrem a cabeça de quem passa. Se muitos são os homens que aproveitam o passeio para estimular o bronze, muitas são as mulheres que se arrependeram de não ter lido as indicações dadas no site dos passadiços e decidiram apostar num salto alto.

Aquilo que se antevia uma caminhada com estilo deve ser agora tão desconfortável como o sol do meio-dia, que já começa a queimar. A um quilómetro do fim, é hora de recorrer ao papel que guardámos no bolso e ligar ao taxista que vai evitar termos de fazer todo o percurso em sentido contrário.

Quilómetro 8
Se existem as personagens do salto alto, também não faltam as do pé descalço. É promessa? “Não, foi a minha filha que me rebentou os chinelos sem querer”, explica António Alves, que traz pela mão o Guilherme, que com sete anos é quase um profissional da arte do passadiço. “Já fiz isto duas vezes”, grita com os dois dedos esticados a prová–lo e, já agora, também a dar um sinal de vitória. Sabemos que chegámos ao fim quando vemos a fila para os táxis, que dá imediatamente a entender que o telefonema de há pouco foi em vão.

Depois de mais de meia hora de espera, António Azevedo pára à nossa frente, liga o taxímetro e dá início à segunda viagem do dia que, se for como todos os anteriores, se adivinha cheio de idas e voltas. São 12 quilómetros de estrada e 13 euros de viagem entre Espiunca e o Areinho. “Nos dias em que me dedico a este percurso, chego a levar uns cem euros”, admite António, para quem os passadiços foram “a melhor coisa que aconteceu nos últimos tempos”.

O caminho é de curva e contracurva e, meia hora depois, estamos de volta ao ponto de partida. António faz inversão de marcha e volta à estrada, até porque os seus passadiços são feitos de alcatrão.