1. Nos últimos textos, tentei evidenciar as questões que podem e devem ser colocadas ante uma discussão futura da reforma do Estatuto do Ministério Público (MP).
Sintetizando: podemos dizer que há princípios – como o da autonomia do MP – que importa respeitar, quaisquer que sejam as opções políticas para melhorar a intervenção desta magistratura.
A este respeito, fez-se notar também a importância de manter a posição que Portugal – MJ e PGR, em sintonia – tem sustentado em sede da Comissão na discussão da proposta do estatuto do Procurador Europeu (EPPO).
Na verdade, e como Portugal tem vindo a defender com clarividência e coragem, a autonomia do MP não tem apenas uma dimensão interinstitucional externa; incorpora, ainda, uma dimensão interna que importa manter e aprofundar.
2. Esta dimensão da autonomia do MP está directamente relacionada com a actividade processual concreta de cada magistrado e com a respectiva responsabilidade funcional, definidoras do estatuto desta magistratura.
Mais, esta dimensão interna da autonomia tem relevantes repercussões no desenvolvimento da lide processual.
De um lado, ao responsabilizar o titular do processo pelas opções assumidas, ela repercute-se, inevitavelmente, na eficiência e na eficácia exigidas a quem tem de dirigir e concluir investigações e intervir no julgamento.
De outro, ainda na mesma linha de preocupações, esta impede uma diluição de responsabilidades individuais numa instituição abstracta que – quando isso acontece – só pode, obviamente, ser avaliada em termos políticos.
Com efeito, ante uma responsabilização essencialmente institucional, será sempre a hierarquia do MP que estará em crise e será julgada mediante critérios não jurídicos.
Ora, a hipervaloração política da dimensão institucional (hierárquica) do MP na resolução dos casos concretos põe em causa a ideia socialmente pacificadora de que há questões que só à justiça compete resolver, e sempre de acordo com parâmetros próprios de análise jurídica.
3. Mas há, ainda, uma outra e fundamental linha de questões que se relacionam com a sustentação da autonomia dos magistrados titulares dos processos.
Refiro-me à transparência da acção investigativa do Estado e à possibilidade de os outros sujeitos processuais – arguidos, assistentes e vítimas – saberem quem é quem, quem decidiu o quê ou porque o fez.
Só essa clareza de responsabilidades e propósitos permite avaliar da objectividade e imparcialidade das opções e das medidas concretas tomadas no processo pelo MP e possibilita à defesa, aos assistentes e às vítimas desenvolverem as linhas de intervenção exclusivamente processuais mais adequadas à protecção dos seus interesses.
A autonomia dos magistrados é, portanto, a condição para que os outros sujeitos processuais possam delinear – unicamente no seio do processo – uma intervenção, também ela autónoma e conducente à realização da justiça no âmbito da instituição judicial.
Nesse sentido, a autonomia interna do MP visa, também, garantir os princípios constitucionais que alicerçam o edifício complexo que assegura e protege os direitos humanos.
4. Compreender, preservar os princípios e saber escolher, depois, soluções práticas e ajustadas ao desenvolvimento das capacidades do MP deve ser, pois, o caminho a trilhar.
Resolvidos os imponderáveis de um processo inovador, mas profícuo, que o grupo de trabalho convocado pelo MJ sempre implicaria, será possível encontrar soluções constitucionalmente harmónicas e eficientes para o MP.
Jurista. Escreve à terça-feira