Patrícia Reis. Com esta escritora os miúdos estão bem

Patrícia Reis. Com esta escritora os miúdos estão bem


Diz que a escrita salva e os géneros em que a sua se tem dividido funcionam entre si como terapia. Se os romances lhe mordem o coração e lhe saem da pele, nos livros infanto-juvenis deixa a alma balançar-se.


Os textos biográficos que acompanham a apresentação dos livros da colecção juvenil “Carolina”, da qual é autora, referem que Patrícia Reis “ainda não percebeu como chegou à idade adulta tão depressa: afinal ainda ontem estava no liceu”. Os tempos mudaram, e os adolescentes de hoje têm acesso a ferramentas tecnológicas e de comunicação que não existiam no tempo em que a escritora frequentava o liceu. Diferenças que, apesar de tudo, não mudam aquilo que Patrícia Reis define como perguntas de “metafísica especulativa substancial nervosa da criança oprimida”, e que são: “Onde é que estou, para onde vou e o que faço da minha vida, porque não me integro naquele grupo, porque é que aquele rapaz não gosta de mim, porque é que aquela não é minha amiga?” 

Questões transversais, no tempo e no espaço, à humanidade, e que aproximam a geração da autora da da personagem central daquela série, da qual acabou de sair o volume “Carolina 3. Podem Fazer o Favor de Me Explicar?”. O facto de ter facilidade em falar com os adolescentes, e sobretudo de os ouvir, também ajuda a escritora a compreender este universo, no momento actual.

“É muito mais fácil para mim falar com miúdos do que falar com adultos. Posso ouvi-los falar a noite inteira e não tenho aquela tendência do sermão nem do paternalismo. Não sou amiga dos meus filhos, sou mãe deles – para mim há uma grande diferença –, mas dos outros adolescentes que tenho à minha volta sou mesmo compincha.”

Dos filhos, dois rapazes, saiu a inspiração directa para a colecção “ODiário do Micas” – o nome da personagem é o diminutivo do filho mais novo –, honrando o pedido que este fez à mãe. “Quando oMicas fez oito anos perguntei-lhe o que queria de prenda de aniversário e ele respondeu-me: ‘Escreve-me um livro.’ Como ele odiava museus, eu tramei-o. Escrevi uma aventura dele, com os amigos todos e o irmão, passada dentro de um museu.”

Micas, o filho, aparentemente não guardou rancor pela partida da mãe e hoje, mais crescido, dá preciosos conselhos para as histórias com adolescentes. Frases fora do contexto juvenil, atenção às modas, como a de as raparigas agora usarem todas calções ou a do verniz azul-escuro, são pormenores que não escapam a este autêntico editor. A ele juntam-se duas adolescentes, próximas da escritora, a Ana Luís e a Madalena, que são “as grandes consultoras da ‘Carolina’”.

Alternar os estilos
Os livros infanto-juvenis são uma das vertentes da escrita de Patrícia Rei. Escrever para um público mais novo é um acto de alegria para a autora, especialmente por comparação com a ficção para o público adulto. “Sofro muito nos romances. São temas muito duros, em geral. Sinceramente, sai-me do pêlo. Deixo lágrimas, suor, sangue e pele nos livros.”

Daí que a alternância de géneros dê à expressão que gosta de usar – “a escrita salva” – um sentido renovado. Se escrever em si já é terapêutico, mudar de registo também surge como uma salvação, proporcionando-lhe o necessário momento de pausa para a regeneração das ideias. “Acabei de sair de um romance, ao fim de três anos. É uma história pesadíssima, sobre violência doméstica. Por isso escrever a ‘Carolina’ é pôr a alma no estendal e voltar um bocadinho às coisas básicas da vida.” 

Alternar o registo também reflecte uma mudança de metodologia. Nos livros infanto-juvenis ou juvenis a disciplina é maior, por serem mais pequenos e por cada capítulo ter um gancho que é continuado no seguinte. Já nos romances não há grandes regras. A história surge e começa a ser escrita, mas paralelamente há toda uma vida a decorrer: emprego, filhos, família, amigos. “Não vou acordar às 5h30, de pijama, beber um sumo de laranja e escrever entre as 6h e as 8h para depois achar que tenho imensa disciplina e que isso é que faz de mim uma escritora séria. Ao fim destes anos todos a publicar, digamos que faço o que posso. Mas demoro muito mais tempo a escrever um romance, sem comparação. Cheguei a levar quatro anos…”

Apesar da sua produção literária, Patrícia Reis continua a ver-se e a definir-se como jornalista, a sua actividade desde 1988, quando ainda com 17 anos começou no semanário “O Independente”.

Foi de resto o fascínio pelos jornais que a motivou a escrever pela primeira vez, ainda criança, na pequena máquina de escrever verde-alface que lhe ofereceu o tio-avô, a mesma pessoa que lhe daria a conhecer os clássicos da literatura. “Tinha cinco, seis anos e passava ao meu tio-avô as notícias do ‘Diário de Notícias’ que interessavam mais. E de repente as histórias que lia já não eram suficientes e passei a escrever as minhas próprias histórias. Tenho uma enorme necessidade de fixar as coisas que me importam, de fixar as histórias. Não me lembro de não escrever, como não me lembro de não ler.”

No caso dos livros para os mais novos ou para os “miúdos”, que são constantes na sua vida, sente-se satisfeita por escrever sobre assuntos com os quais eles se podem identificar – sejam os dramas das áreas que vão escolher na escola, sejam os exames –, e com a interacção que se cria, sobretudo nos livros da colecção da Carolina. A sua página recente de Instagram já tem quase mil seguidores. 

O Facebook como diário
Patrícia Reis também é utilizadora das redes sociais. Publica regularmente na sua página de Facebook, tanto novidades literárias como aquilo que vai fixando, num registo descontraído, e nos aproxima da pessoa que há para lá da escritora.

“Eu não me dou assim tanta importância, porque aprendi com a Agustina [Bessa Luís] a não me levar muito a sério. E não levo o mundo literário de uma forma séria, snob e formal. Não é a minha onda. Sou uma pessoa informal, de riso fácil e gosto mesmo é de dançar até às 4h com o meu marido.

O meu lema de vida é este, divertir-me o mais possível, estar com as pessoas de quem gosto o mais possível e no Facebook sou sincera, é uma espécie de diário.”Mas faz partilhas com algum filtro e pensadas, embora sem autocensura.

Se tivesse de eleger aquilo que mais distingue a sua escrita, apontaria duas grandes características: a tendência para a polifonia e uma utilização dos diálogos distinta da norma.

Como leitora não tem preconceitos e lê todos os géneros. Por outro lado, se tivesse mesmo de optar só por um, talvez, e sublinhe-se o talvez, se decidisse pelo romance.

Voltando ao plano da realidade, já está finalizado o quarto volume da colecção Carolina, que deverá sair ainda este ano. Para o início de 2016 está previsto o lançamento de um novo romance, publicado pela D. Quixote, cujos pormenores serão revelados a seu tempo. Até lá, está nas lojas uma nova edição, pela BIS, do seu livro “Morder-te o Coração”.