Ter um negócio seu. Era este o sonho de Eduardo aos 20 anos. Trabalhava como encarregado de obra e estava decidido a meter-se na restauração, sabendo que sem experiência ia ser difícil. Decidido a mudar de vida, empregou-se no então “Central Ciber Café” recém-aberto no Beco do Maquinez, em Alfama, para ganhar calo. O proprietário queria criar um império de cibercafés e aquele era o segundo, depois de uma casa no Conde de Redondo. Eduardo depressa percebeu que estava mais empenhado na casa que o patrão e ofereceu-se para lhe ficar com o negócio, ideia que muitos acharam louca, já que tinha de se meter num empréstimo. Não se resignou e em pouco tempo, e por 30 mil euros, o espaço era dele.
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Faz 14 anos e Eduardo diz sem hesitar que o sonho está cumprido, o que é uma sorte quando se tem 35 anos e a vida pela frente. “Agora, o que tiver de ser será.”
Basicamente, queria ter um espaço onde pudesse receber os amigos e foi isso que construiu junto à Rua do Jardim do Tabaco. O café quase escondido tem uma esplanada ampla onde corre uma aragem boa para as conversas em dias de Verão e, de vez em quando, organiza também teatros, sessões de poesia. Antigamente seria ali uma lixeira do reino e, mais recentemente, uma mercearia.
Quando Eduardo passou a ser o dono, tirou o “ciber” do nome e ficou só o Central Café – mesmo ali ao lado está o ISPA e quando toda a gente já tinha computadores, para não falar dos smartphones e wi-fi que, entretanto, se tornaram obrigatórios, achou que não fazia sentido ser ciber. Se o espírito da casa se mantém, “servir como gostava de ser servido”, resume o jovem proprietário, o tempo e a crise obrigaram-no a ir afinando a gestão, o que diz ser o segredo de manter uma casa quando a concorrência é muita e vieram machadadas como o IVA a 23%.
“Os preços dispararam, os clientes diminuíram. Se ao início fazia seis a sete fornadas de bolos, agora só faço uma, pelo custo mas também pelo desperdício.” A perda de alunos da faculdade privada de Psicologia foi o maior rombo na clientela – quando abriu, em 2003, entravam 800 pessoas por ano, e hoje são pouco mais de 100 e muitas desistem passado algum tempo. Mas Eduardo orgulha–se de que muitos antigos alunos continuam a regressar, o que é bom sinal.
Em tempo de férias, a esplanada enche com o avançar da tarde e atrai tanto gente de fora como locais. Servem-se tostas, hambúrgueres e cocktails. Os gins foram rebaptizados com a toponímia local: há o Maquinez e o da Lapa, o nome do beco logo a seguir, já dentro de Alfama. Por aqui passaria a muralha fernandina e os edifício onde fica o café, debaixo de um arco, terá sido reconstruído logo depois do terramoto de 1755. Já na fachada dos prédios que dão para a esplanada, e onde se alugam casas a turistas, havia azulejos antigos, mas hoje só resta uma imagem medieval da aparição de Nossa Senhora da Nazaré a D. Fuas Roupinho.
A salvação maldita
Se este milagre ninguém sabe muito bem por que motivo ali foi parar, há um que Eduardo reconhece. “A nossa salvação foram os turistas”, diz. “Ao pequeno-almoço consomem quase um almoço e não olham a preços.”
O assunto não é nada pacífico por estas bandas, como havemos de conversar com António Melo, um dos fregueses mais castiços do café. Quem é dali chateia-se com a invasão dos tuk-tuks e com o barulho dos bares. “Mas tem de reconhecer que as coisas estão melhores”, insiste Eduardo. O aumento no movimento levou a freguesia a empregar a miudagem do bairro para cuidar, por exemplo, de alguns arranjos e limpeza. “Estas ervinhas é que eles não vêem”, contrapõe António, apontando os pés que despontam entre as pedras da calçada. Não é que o turismo seja mau, mas é demais. Eduardo garante que não e é dos que defendem que venham – pelo menos, assim há esperança de dar a volta por cima. No pico da crise, e a ter de fazer 18 horas por dia para ganhar pouco, ainda pensou em desistir. “É muito cansativo estar a trabalhar quase só para aquecer.”
E quem seria esse Maquinez que dá nome ao beco? Eduardo nunca tinha pensado nisso, mas António, com vagar e gosto por saber das coisas da cidade, lembra o que já leu no Facebook. Na página Lisboa de Antigamente cita-se o livro de Gomes de Brito“Ruas de Lisboa: notas para a história das vias públicas lisbonenses (1935)”, que sugere que o nome do beco diz respeito à alcunha de um general do mar de D. Pedro II, Gaspar da Costa de Ataíde.
Apontamentos da história brasileira lembram que o homem esteve destacado nas armadas que protegiam o Brasil e participou numa defesa falhada na famosa batalha do Rio de Janeiro, de 1711, em que o corsário René Trouin atacou em força a mando do rei francês Luís xiv. Costa de Ataíde era considerado na altura o melhor almirante português, mas neste embate simplesmente não tinha forças à altura. O invasor apareceu com 18 embarcações e os portugueses tinham quatro naus e três fragatas, com apenas 30 homens. Além disso, o governador achou que era falso alarme e mandou recuar os barcos, o que foi a oportunidade perfeita para Trouin conseguir um dos maiores saques da sua carreira, estimado em 4 milhões de libras.
Por Alfama, hoje, as histórias do mar são outras. Pensou-se que o terminal de cruzeiros trouxesse mais gente a este lado mais pobre da cidade, mas os operadores turísticos levam os turistas todos para outras paragens. A partir do próximo ano está prevista a chegada de embarcações maiores e aí é que vai ser a prova dos nove para o bairro, que parece ter esta relação de amor-ódio com os turistas. Que o futuro seja tão solarengo como os últimos dias de Agosto.
Ficha do Café Central de Alfama
Ano: 2003
Dono: Eduardo Branco
Especialidade: Cocktails
Preço do café: 0,60 cêntimos
Horário: Fecha ao domingo. Abre todos os outros dias até às 2h00