Maria Filomena Mónica. “Ninguém me consegue amarrar”

Maria Filomena Mónica. “Ninguém me consegue amarrar”


É uma rebelde que não se verga a nada nem a ninguém. Snob por convicção, não tem travões a ver o mundo à sua volta.


A condição para a conversa é não ser fotografada. Desde que ficou doente, com cancro, Maria Filomena Mónica não gosta de receber visitas e dedica-se a ver séries e a ler livros. Gostou muito do Breaking Bad. Acabou de entregar à editora o seu último livro, com impressões sobre a Europa com que sonha por oposição à União burocrática em que estamos integrados. Diz que vai votar branco nas legislativas e nas presidenciais só daria o voto a Jaime Gama. Durante três horas, conversou com o i na sua casa, sobre política, literatura e sobre a mágoa que ainda guarda desde a publicação da sua autobiografia de há dez anos.

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Vai lançar um novo livro, “A Minha Europa”. O que nos pode avançar?
Olhe, tudo quanto diga respeito à saída não sei, a editora aida não me disse nada.
É a mesma editora do Bilhete de Identidade (Aletheia, 2005)? 
Não. Dou-me muito bem com a Zita e comecei na Aletheia mas fiquei um bocado furiosa. De vez em quando tenho umas fúrias repentinas e às vezes até me arrependo… Ela editou um livro daquele Névoa, o do Bragaparques, que já tinha sido condenado, não era suspeito. Não me apetecia estar numa editora cujo catálogo tivesse um corrupto. Continuo a dar-me com ela, é uma óptima editora, mas saí. Como toda a gente está de férias e só mandei o final do livro anteontem ainda não tive resposta, mas sairá algures em Novembro.

E debruça-se sobre quê?
A ideia nasceu de um certo desconforto com a União Europeia. Acho que não podemos ser eurocépticos como são os ingleses, porque somos pobres. A Inglaterra tem moeda própria e um peso em Bruxelas que a nossa voz não tem. E acho que Portugal beneficiou bastante da Europa. As minhas suspeitas residem mais no impacto desnecessário que Bruxelas tem na nossa vida quotidiana. Comecei a recortar patetices que nos impunha, entre as quais as lâmpadas aqui na minha sala que, quando as acendo, fico às escuras à mesma e tenho de esperar cinco minutos para ver alguma coisa. Porque é que Bruxelas há-de impor-me as lâmpadas que uso?

É uma crítica à burocracia?
Sim, a alguns regulamentos que acho totalmente desnecessários. Portugal tem um governo que também assume papéis que não devia assumir. Para lhe dar só um exemplo: a doação de órgãos. Isto vem da minha desconfiança quer de Bruxelas quer do Terreiro do Paço. Quando saiu a lei da doação de órgãos aqui há uns anos, ficou estipulado que quem não disser que não quer dar, dá. Ou seja, o cadáver pertence, na ideia do legislador, ao Estado. Achei que essa lei me retirava a opção de ser solidária, é a presunção do Estado de que, quem não disser que não, aparece no hospital e tiram-lhe os órgãos. Um dia aqui no centro de saúde fui medir a tensão arterial e começou logo mal. ‘Ah para medir a tensão só às terças’. E às tantas o médico fez-me esperar para aí duas horas e pensei: vou sair daqui e vou fazer qualquer coisa. Ia a caminho da porta a pensar ‘o que vou fazer? Uma bomba não é uma coisa propriamente fácil de comprar. [risos] Vou é dizer que não doo os meus órgãos a este estafermo deste centro de saúde’. Agora quando fiquei doente, tive de ir uma junta médica e pensei que isto é uma patetice, ter um cartão de não dadora, e faço tenção de ir lá dizer que quero que rasguem aquele cartão, porque aquilo foi uma birra. A filosofia que está na base da lei é-me alheia e nesse sentido sou liberal. Quero levar a minha vida privada como entendo e o Estado não tem de assumir decisões que só a mim me competem. Até que percebi que 70 ou 80% das leis já não são feitas em Portugal, são feitas em Bruxelas, e lá é ainda pior, porque se o governo se mete na minha vida, Bruxelas então mete-se em tudo.

E daí surge a ideia para o livro? 
Sim, comecei a pensar ‘Bom, mas como é que será em Bruxelas? O melhor é ir lá entrevistar uns eurodeputados… Mas espera aí, o que é a União Europeia? Que países é que devem fazer parte da UE?’ Nessa altura fui à ilha das Flores, que é muito pequenina mas que tem imensas autoestradas e depois tem lá as estrelinhas da UE. Pensei, sim sr., a Europa pelo menos deu-nos muitas autoestradas na ilha das Flores, o ponto mais ocidental da UE. Vamos pensar que, aqui, é o fim da Europa. E onde é que, a oriente, é o fim da Europa? Comecei a reviver os sítios, quer os sítios onde vivi, quer os locais que tinham significado para a Europa. Então o livro é um misto de História europeia clássica e História moderna. Não começa cronologicamente, mas tenta abarcar a história da Europa desde a Renascença, quando nasce o homem moderno – em que o homem deixa de ser um insecto que olha deus, começa a perceber-se a si próprio – até à UE, o último capítulo é uma visita a Bruxelas e entrevistas a eurodeputados.

A democracia europeia não existe?
Não, nem tão pouco a separação dos poderes. Está tudo concentrado numa comissão de burocratas e não gosto de viver numa UE deste tipo, embora reconheça que a Europa nos ajudou muito. A parte negativa é que a UE é demasiado burocrática, não dá contas a ninguém, as pessoas que denunciaram a corrupção interna da organização, li vários livros desses, foram despedidas. Não tenho confiança na liderança da UE. Os gastos são avultados e eles têm ideias absolutamente malucas. No meio desta crise, o que lhes ocorreu foi fazer um museu da história da Europa. Custa sempre tudo milhões de euros e o que também faz confusão é que os orçamentos excedem aquilo que estava previsto. Como se viu em Portugal com a porcaria do museu dos coches, que não era preciso para nada, lá isso também sucede.

Diz que se fossemos ingleses podíamos dar-nos ao luxo de ser eurocépticos, mas que sendo portugueses não. É pela permanência na UE e no euro?
Quanto ao euro não me pronuncio porque não percebo nada de economia. A princípio deixei o assunto nas mãos de quem julgava que soubesse, mas cada vez desconfio mais dos meus colegas economistas. Eles achavam boa ideia o euro. Não é assim tão boa ideia como se está a verificar na Grécia, não é? Eles não pensaram no que poderia acontecer quando um país aldrabasse, e no caso da Grécia aldrabasse desde o início, nem pensaram na crise da austeridade que poderia acontecer como está a acontecer em Portugal. Acho que não foi suficientemente estudado. Em relação a estarmos na UE acho que foi uma coisa positiva do ponto de vista político, porque há movimentos populistas e Portugal tem-se mantido relativamente calmo. O nosso partido de extrema-direita, que por acaso é liderado por um sobrinho meu, não se tem alargado e isso é bom.

De que partido fala?
Chama-se PSR… PNR? PNR! Ele chama-se José Pinto Coelho. Toda a família Pinto Coelho é uma família de extrema-direita, portanto nem me espanta, mas odeio sentimentos xenófobos e sentimentos homofóbicos, está a quilómetros de mim. Acho que é bom que esse partido seja tão pequeno, mas não sei se no futuro os extremos não começarão a crescer e a Europa apesar de tudo é uma espécie de contraponto. Não vejo que possa surgir um golpe militar. Na extrema-direita, como na extrema-esquerda, há pessoas que desejam que saiamos da UE o mais depressa possível e que venha alguém com um chicote que ponha ordem nisto. Este sentimento cresceu muito com as denúncias da corrupção. O facto de termos um ex-primeiro-ministro preso e o principal banqueiro português preso… Acontece que está em casa mas não me pronuncio sobre isso, só acho um bocado extraordinário… Porque é que um está numa cadeia e o outro em casa? Quem está de fora pensa: este é rico e o outro não.

Armando Vara também está em casa e não era propriamente rico…
Pois é…isso é verdade. Não sei porque é o que o Salgado está em casa e o outro está na cadeia. Vou fazer só um parêntesis: a corrupção em Portugal é muito engraçada, porque muitas das pessoas que mais criticam a corrupção são elas mesmas corruptas. Muitas delas, ao longo dos anos, têm-se gabado – é isso que acho mais extraordinário – de fugirem aos impostos. Não fujo aos impostos, porque acho que numa sociedade civilizada se deve proteger os mais fracos, e por isso vivo como se a minha cabeça fosse escandinava. O Christopher Hitchens, um jornalista inglês que depois foi viver para os EUA, que morreu no ano passado, ensinou-me isto, viver como se. Eu vivo em Portugal como se vivesse em Inglaterra ou na Escandinávia. Vivo como se respeitasse o governo. Nunca meti cunhas nem pedi. E nunca me importei de pagar impostos. O que me importo é que depois os serviços não sejam bons.

Como a escola pública? 
Sim. Houve estes cortes tão grandes com o ministro Crato, que eu respeitava até ser ministro, depois discordo de praticamente tudo o que fez. Se pensasse que os meus impostos serviam para melhorar a escola pública e os serviços de saúde… Devo dizer que quanto ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) só tenho a dizer bem. E como sabem estou a ser tratada desde Outubro.

Está a ser tratada no SNS?
Sim, pela ADSE, o sistema dos funcionários públicos. Passava a vida na universidade a dizer ‘não quero descontar para esta porcaria’ porque nas consultas médicas davam-me para aí 5%, não davam nada. Mas agora que sei que o meu tratamento é caro… A ADSE tem um acordo com a CUF e o meu médico disse-me que, para este tipo de cancro, a melhor equipa é a da CUF Descobertas. Estava a pensar ir para o IPO, que é SNS, mas não pago praticamente nada na CUF e tenho sido, tanto quanto posso saber, bem tratada. Ainda não morri, é já um sinal de que não estou a ser mal tratada [risos].

É um tipo de cancro raro?
Não sabia, mas o “Público” tinha um artigo sobre este tipo de cancro, o mieloma múltiplo, que no universo dos cancros só afecta 1% das pessoas. E é um cancro tipicamente masculino, condiz provavelmente com o meu tipo de personalidade [risos]. Pensei: caramba, sou uma elitista e portanto tinha de ter um cancro elitista. Mas desde que sinta que os meus impostos são para criar uma sociedade mais justa, pago de muito boa vontade.

Essa qualidade do SNS é algo que devemos à UE?
Dantes era muito pior! Os portugueses estão esquecidos disso! No prefácio tenho uma nota optimista, que não calha bem comigo mas é o que penso: as pessoas não se podem esquecer do que era Portugal antes do 25 de Abril, do que era a pobreza que vi e vivi. E se sou de esquerda é porque, quando percebi que havia pobres, fiquei indignada.

Quando percebeu?
Eu conto ali [aponta para o livro BI].

Aí fala de ler As Aventuras de Tom Sawyer e de isso lhe abrir os olhos para a pobreza pela primeira vez.
Sim, mas isso era a rebeldia. Vivia na Rodrigo da Fonseca e estive 14 anos numa escola de freiras que era na Artilharia 1. Esse colégio, das Doroteias, quando eu tinha aí 13 ou 14 anos, achou por bem, para nós exercermos a caridade, levar-nos a um bairro da lata, onde são as Amoreiras agora, e cheguei lá e não queria acreditar! Percebi que o privilégio da Rodrigo da Fonseca era um escândalo, porque ao lado havia miúdos que não iam à escola porque não tinham sapatos, que estavam doentes, as mães tinham sete, oito filhos dos quais só tinham sobrevivido dois, gerou em mim uma enorme revolta que nunca passou. A sensação de que não posso viver numa sociedade em que, a meu lado, há estas pessoas com este grau de miséria. Não estou a dizer que seja possível haver sociedades totalmente iguais, mas devem ser dadas oportunidades aos filhos dos pobres para terem alguma ascensão social, se forem suficientemente trabalhadores e inteligentes, e isso não acontecia em Portugal. Marcou-me muitíssimo, até hoje! E a minha relação com os impostos deriva desta sensação de que não é bom viver numa sociedade com graus de desigualdade gritantes. E a crise, desde 2007 até hoje, principalmente nos EUA, tem aumentado muito mais a desigualdade social.

Vota em branco há vários anos.
Votei sempre socialista desde 1975, mas agora voto em branco porque estou farta de votar em quem os secretários-gerais escolhem. Portanto chego lá [à urna] e risco aquilo, mas voto em branco, porque custa-me não ir votar num país onde não pude votar durante tantos anos.

Vai voltar a votar branco em Outubro?
Vou. De resto não me entusiasma nem o Passos Coelho nem o António Costa. Também a campanha tem sido tão desinteressante de ideias… Não é que ache que as ideias são muito importantes, não leio os programas, mas a personalidade misturada com as ideias é importante e nenhum deles tem uma personalidade forte.
Na última entrevista ao i, e a propósito do livro sobre o Eça que publicou, disse que Passos Coelho era um produto inexistente no século XIX e que Sócrates era Dâmaso Salcede, ‘chic a valer’.
E viu-se como é que acabou o chic a valer, não é? Ele tinha um fascínio pelos aspectos externos da riqueza, carros, casas, um curso, sem se dar ao trabalho de se esforçar. Quer dizer, até admito que uma pessoa que não é particularmente rica e que vem da província possa querer as mesmas coisas que os lisboetas têm, mas tem de se dar ao trabalho de tirar um curso decente, de não fazer exames ao domingo. Já em 2009 tinha escrito, para uma revista chamada GQ que não sei se ainda existe, o retrato do Sócrates. A minha embirração com ele já vem daí, porque percebi que era um vigarista.

Na semana passada voltou ao ataque no “Expresso”, chamou-lhe mitómano.
Sim, porque duvido muito que aquilo seja uma tese de mestrado. Acho que é um aldrabão nato, mente até sobre o sítio onde nasceu… O Passos Coelho tem uma vantagem: é calmo. Não sei se é aldrabão, houve aquela baralhada da Tecnoforma, mas não tem nenhum carisma… Para se fazer política há uma parte que é emocional. Não é que eles devam ser teatrais, não estou a dizer isso e não gosto nada de populismo.

Paulo Portas tem isso?
Tem, dos líderes políticos é o que tem mais e é capaz de falar sem um papel, porque os nossos deputados e os nossos líderes políticos para dizerem ‘bom dia, até amanhã’ têm de levar um papel escrito. O Portas não, o Portas sabe falar em público, exprime lá as suas ideias, com as quais não estou de acordo, fiquei vacinada contra a direita. Às vezes penso: se não tivesse nascido no meio social em que nasci, será que era de direita agora?

Diz que é de esquerda pelo ateísmo e pela liberdade mas que há muita gente que acha que é de direita. Porquê?
Porque acham que sou meritocrática e muito rigorosa e dura com as pessoas e quero que os meus alunos saibam tudo, mas isso não é uma coisa de direita. Muitas pessoas acham que, sei lá, gosto de ter uma casa bonita e que para ser de esquerda tinha de viver num buraco com um sofá cheio de nódoas, não sei.

Para si o que defende a esquerda?
A igualdade social, as liberdades. Em Portugal não há tradição nenhuma da defesa das liberdades políticas ou de costumes, nunca houve. A direita nunca defendeu as liberdades.

A esquerda defende mais a liberdade de pensamento do que a direita?
Alguma esquerda defende a liberdade de pensamento. Não o Partido Comunista, porque aí há o centralismo democrático e o que diz o chefe é o que vale, é como com os evangelhos.

Acha que há mais corrupção quando há um governo socialista do que de direita?

No caso de Sócrates sim, mas não é sempre. Os ricos portugueses habituaram-se a um certo sentimento de impunidade.

Os ricos estão melhor com que governo?
Os ricos estão com todos os partidos e dão dinheiro a todos, como se viu com o Salgado, que deu dinheiro à Fundação Soares, outro escândalo nacional. Gostava que um jornalista averiguasse bem como é que aquela fundação foi feita, quanto é que recebeu do Estado. Da câmara sei que recebeu, mas e do Estado? O que me disseram foi que em alguns dos primeiros anos de vida da Fundação, esta, que é privada, teve mais dinheiro do Estado do que a Torre do Tombo ou a Biblioteca Nacional. Que dinheiro é que foi para essa fundação?

Parece ser mais crítica da esquerda.
Sim, à direita nem vale a pena ser crítica porque não me revejo, mas a esquerda é a minha família. As pessoas tendem a criticar quem está próximo. Com a direita, no fundo, eu discordo, como por exemplo ser contra o aborto. A direita não se lhe mete na cabeça que o que nós estamos a pedir não é que ninguém seja forçado a fazer um aborto, é que eles não se metam nas nossas vidas, que não haja uma lei que nos puna. Eles acham que o bebé, o bebé não, o embrião, tem vida desde o primeiro momento da gestação, eu não acho. E então? Eles é que vão mandar em mim? Era o que mais me faltava! Sou marcada pelo meu percurso junto de uma direita que sempre vi insensível às desgraças dos outros, sem nenhuma compaixão, compaixão genuína, não é fingir que se gosta dos pobrezinhos. E há muita direita social, especialmente ligada à Igreja Católica, que pode ajudar através das Misericórdias e reconheço isso, e pode ter o sentimento de compaixão, mas é uma generosidade de cima para baixo.

Fala mais de costumes que de políticas.
Os programas políticos não me interessam, falo do quotidiano das pessoas.

Quanto ao aborto, não há oposição em todos os partidos? Guterres não era contra?
Não sei, ele é católico, não sei se ele jamais se pronunciou sobre isso. Duvido. É a parte dos costumes e a parte da filosofia política implícita que está na base da direita política, que é eles acharem que têm direito a tudo e a serem impunes. Muito do que se está a passar, que vi na comissão ao BES, é a sensação de que eles estavam tão acima, na estratosfera, tão habituados ao longo de gerações a estarem tão acima que pensavam ‘nada vai acontecer’.

O caso BES rebentou, ou teve o seu auge, precisamente no governo Sócrates. 
Penso que este governo tem menos corrupção do que o governo Sócrates, sim. Mas se formos ver no passado… Não me lembro bem, não dou atenção à peripécia política, mas penso que, num país pobre que, de repente, tem fundos europeus, a corrupção tende a grassar.

Está a falar do governo de Cavaco.
Sim, e a responsabilidade não é só dos políticos, é do povo português, porque o povo pensa ‘se lá estivesse se calhar fazia o mesmo’. Não há, por parte da população, uma crítica genuína à corrupção, é como em Itália, é-lhes indiferente, estão habituados à corrupção, é um bem de cultura. E aqui também. Às vezes pensava, dizia isso ao António [Barreto], se calhar a direita, como são ricos, não precisam tanto de ser corruptos, mas depois pensei que não é verdade, eles são é corruptos de outra maneira.

Como?
Não são corruptos à Sócrates. Comprar um apartamento no Heron Castillo eles acham que é uma possidoneira de morte, querem lá casas no Heron Castillo, querem é na Quinta da Marinha, com árvores, resguardadas. São corruptos de outra maneira. Para os ricos, os políticos estão abaixo deles, são marionetas ao serviço deles, enquanto a esquerda é gananciosa. O [Armando] Vara e as outras pessoas devem pensar ‘isto é uma oportunidade bestial para agora começar a arranjar empregos para os meus amigos, primos, para mim’, e de repente aparece um Carlos Santos Silva da Covilhã com milhões. Os ricos já são ricos, o que eles acham é que devem ser feitas leis de acordo com o que querem e desprezam os políticos. Veja lá se vê alguém com um apelido sonante a ir para a política, é o vais! O que acho que se nota depois da revolução de Abril, e durante muito tempo não reparei nisso, é a mobilidade social. Há a ascendente, ou seja, os filhos dos trabalhadores e da pequena burguesia que, até então, não tinham tido acesso à Universidade, e que passaram a poder sonhar em frequentar o ensino superior. Não apenas a sonhar, mas de facto a ela ter acesso. Com tantos sociólogos que andam por aí a estudar os graffitis e outras parvoeiras, é lamentável que não saibamos qual é a percentagem de filhos de gente com apenas a instrução primária que passaram a frequentar a Universidade. A grande novidade é a mobilidade social descendente, ver que alguns filhos das grandes famílias nacionais tiveram de emigrar para ter um emprego. Até certo ponto, para a elite social a garantia de perpetuação do privilégio desapareceu. Portugal é hoje uma sociedade mais aberta, mais competitiva e meritocrática, o que evidentemente considero uma coisa boa.

Portanto considera que hoje se dá mais valor ao mérito?
Há mais gente a lutar. E as classes com dinheiro estavam habituadas a não concorrer com ninguém. Isso acabou. Noto que há famílias que estão com dificuldades em relação ao futuro dos filhos e netos.

Leia a entrevista na integra na edição de fim-de-semana do Jornal i