O Tamanho do Universo


Um dia, estava a passear pela beira-mar e pisei uma abelhita moribunda com o dedo mais pequenino – e que é mesmo muito pequenino – do meu pé. Ali estava ela, possivelmente aguardando o golpe misericordioso de um mindinho acidental, e assim se despediu do sofrimento, do ferrão e do mundo. Mas, sobre a vida…


Um dia, estava a passear pela beira-mar e pisei uma abelhita moribunda com o dedo mais pequenino – e que é mesmo muito pequenino – do meu pé. Ali estava ela, possivelmente aguardando o golpe misericordioso de um mindinho acidental, e assim se despediu do sofrimento, do ferrão e do mundo. Mas, sobre a vida e morte da abelha, só posso especular. Sei que me doeu muito e lembro-me de estar sentada na toalha de praia a  tentar imaginar o universo em expansão e um súbito zoom in vertiginoso sobre o que tinha acabado de me acontecer.

Há pouca coisa ao alcance da condição humana que nos permita reduzir a infinitude à nossa medida. As questiúnculas do quotidiano – trabalho, relações, finanças, política, unhas encravadas – parecem tornar a vida mais manejável. Mas fica-me sempre a sensação condescendente e angustiante de que nos andamos a esforçar em vão.

Nestas minhas últimas férias, ouvi uma rapariga grávida a falar ao telefone à beira de uma piscina. Falava alto com uma colega de trabalho sobre todos os seus outros colegas "incompetentes" e "intriguistas". Estava num cenário idílico e prestes a ser mãe. E, no entanto, a sua vida seguia como um cão segue a sua cauda. 

Ter filhos, suponho, reduz substancialmente a infinitude à nossa medida. Acho que só não tenho filhos porque ainda não tive filhos. Conseguiria relativizar bastante melhor essa coisa do milagre da vida se já tivesse sentido na pele que é mais cocó e preocupações do que milagre. Mais fácil é, por exemplo, optar pelo coleccionismo, a astrologia ou outra manobra de diversão que ajude a tornar a vida um pouco menor que a vida.

Para os menos controladores, as coincidências – sobretudo as felizes – também ajudam a criar balizas de sentido. Mas é quando o aleatório mau nos calha em sorte que o universo encolhe drasticamente. É aquele mindinho que pisa a abelhinha. É aquilo que nunca acontece ou só acontece aos outros. A concretização das quase-improbabilidades que inventámos para não sucumbirmos ao medo. Como aqueles veraneantes que se abrigam debaixo de arribas periclitantes, preferindo a sombra ao medo, enquanto falam ao telefone sobre os seus colegas "incompetentes" e "intriguistas".

Guionista, apresentadora e porteira do futuro

Escreve à sexta e ao sábado