“Segue em frente com a tua vida. Aprende a lição e pede desculpas. É embaraçoso por agora, mas depois passa”. Esta foi a mensagem deixada pelo grupo Impact Team, que levou a cabo o ataque informático ao site de infidelidade Ashley Madison que expôs dados de milhões de utilizadores de todo o mundo. Os danos colaterais da exposição de dados pessoais na internet, e a consequente descoberta ou desconfiança de traições, estão a ser incontroláveis para muitas famílias: divórcios, extorsões e até, alegadamente, dois suicídios. Podem levar a possíveis condenações por adultério nos países que ainda não fizeram uma revisão constitucional para abolir a punição de relações extramatrimoniais.
“Seguir em frente com a vida” até pode ser a vontade das dezenas de milhões de clientes do site que foram descobertos, na sequência daquele que já é considerado o maior assalto às bases de dados informáticos. Mas a história está longe de ter um fim à vista. Em Toronto, duas pessoas ter-se-ão suicidado na passada segunda-feira, depois de ter sido revelada a sua ligação ao site.
As consequências podem não ficar por aqui. O resultado da divulgação de 39 milhões de perfis de clientes podem vir a ser judiciais para os utilizadores dos Estados Unidos e de países islâmicos. É que em 21 estados, como Michigan, Maryland, Massachuttes, Nova Iorque, Visconsin e Carolina do Sul o adultério é punido com penas que podem variar entre multas de dez euros no estado do Maryland e quatro anos de prisão no Michigan.
Apesar do código penal ainda prever a condenação de quem trai, no mundo ocidental é raro alguém enfrentar a justiça por ter tido relações extraconjugais, até porque não é fácil provar o “delito”, mas acima de tudo porque as sociedades evoluíram no sentido de considerar a infidelidade uma questão imoral e não um crime.
Ainda assim, a última condenação por adultério nos EUA aconteceu na década de 80, há mais de trinta anos (1983), no Massachuttes, quando uma mulher casada foi apanhada em flagrante a ter relações sexuais com outro homem, numa carrinha, na via pública. Foram ambos julgados e condenados por adultério e sujeitos a uma multa de 50 dólares.
Embora estas sejam leis muito antigas que na prática já não são usadas, nos EUA ainda não foi feita uma revisão constitucional que as eliminasse. Além disso, há ainda um código de honra do exército americano. Nos Estados Unidos, os militares estão proibidos de cometer adultério e de manter relações amorosas entre si. De acordo com a publicação Wired, entre as várias correspondências divulgadas depois do ataque informático ao Ashley Madisnon, está a troca de emails entre um procurador dos marines e os responsáveis pelo site sobre um militar que terá utilizado o site. Há três anos, o procurador terá pedido informação sobre o perfil do utilizador, histórico de facturação e outras informações.
Adultério no mundo Apesar de ser amplamente consensual no mundo ocidental que o adultério é uma questão da esfera privada de cada um, a criminalização das relações sexuais consentidas entre adultos, fora do casamento, são uma realidade no mundo islâmico.
Em países como a Arábia Saudita, Iémen, Sudão, Paquistão, Somália, que são governados pela lei islâmica, o adultério é severamente punido, mas as leis divergem consoante o sexo: as mulheres são as mais condenadas. Nos casos onde a religião é levada ao extremo, as mulheres que cometem adultério arriscam-se a ser condenadas à morte por apedrejamento ou enforcamento em público.
Na Ásia, dois países ainda criminalizam quem trai: Taiwan e Filipinas. A Coreia do Sul manteve o adultério como crime até este ano, tendo em Fevereiro abolido a lei que punia com até dois anos de prisão quem arriscasse dar uma facada no casamento.
Tratava-se de uma lei obsoleta (como as que ainda vigoram noutros países), concebida em 1953 para proteger os valores da família, mas que actualmente já era pouco usada. “Mesmo que o adultério deva ser condenado como imoral, o poder público não deve intervir na vida privada dos indivíduos”, explicou o presidente do tribunal constitucional, Park Han-Chul, na altura da abolição. Por outro lado, Ahn Chan-Ho, um dos juizes que votou contra a abolição, considerou que a lei até então em vigor era um elemento chave da protecção dos valores familiares. Ao eliminar a lei, o Supremo Tribunal estaria a “abrir as portas a um festival do deboche”, argumentou o juíz.
Na Europa, não há nenhum país que considere a traição um crime, mas esse pode ser um factor que pode pesar no desenrolar de processos de divórcio para decidir a custódia dos filhos, por exemplo. Em França, o adultério deixou de ser crime em 1975, em Espanha em 1978 e em Portugal, em 1982.
Ainda assim, antes de se deixar comover com slogans como o do Ashley Madison [“A vida é curta. Tenha um caso”], o melhor é pensar duas vezes nas consequências de o fazer utilizando como ferramenta a internet. Essas pegadas são impossíveis de apagar, como se veio a verificar neste caso, onde era prometido aos clientes que os dados seriam apagados.