Emigração. Fluxos migratórios mudaram

Emigração. Fluxos migratórios mudaram


As migrações sofreram alterações ao longo das décadas, mas o objectivo sempre se manteve: procurar uma vida melhor.


Dizer que o mundo está em constante mudança já não é só um chavão. Na verdade, os fluxos migratórios sofreram alterações ao longo das décadas e, se é verdade que antigamente uma carta poderia demorar meses a chegar à família, hoje conseguimos ver e ouvir em tempo real alguém que esteja do outro lado do mundo. Somos 4 milhões espalhados pelo planeta que não se esquecem das origens.

As migrações modificaram-se não só na sua forma, muito por responsabilidade das novas tecnologias, mas também em relação aos países escolhidos pelos portugueses. “Até ao final dos anos 50, a nossa emigração dirigiu-se tradicionalmente para o outro lado do Atlântico, maioritariamente para o Brasil e para os Estados Unidos, mas também para países como a Venezuela ou a Argentina”, explica ao i Maria Beatriz Rocha--Trindade, socióloga das migrações e autora do livro “Das Migrações às Interculturalidades”. 

Com o Plano Marshall, de recuperação da Europa, “começa a existir a necessidade de uma mão-de-obra no continente”. Aqui, a emigração portuguesa inverte o seu sentido: “Dá-se início a um novo ciclo, que é o intra-europeu.” Esta tendência vai-se desenvolvendo na década de 60 e até 1974: “Nesta altura, a emigração portuguesa dirigiu-se essencialmente para a Europa e para dois países, a França e a Alemanha.” 

O analfabetismo era grande, a mão-de–obra não era qualificada e a emigração desta época foi justamente para responder às necessidades sentidas na reconstrução europeia: “A reconstrução atraiu os portugueses porque o perfil de preparação correspondia ao que era procurado”, explica a socióloga. Mas o que se passa hoje é diferente: “Temos de pensar que Portugal não parou e que os países receptores também não.” O mundo modificou-se, mas é um engano pensar que só os licenciados e doutorados emigram actualmente: “A composição dos fluxos é diversificada e continua a existir uma significativa percentagem de pessoas sem qualificação a emigrar”, considera Maria Beatriz Rocha-Trindade.

Também Rui Pena Pires, sociólogo e coordenador do Observatório da Emigração, traça um plano actual: “Há características das migrações das décadas de 50, 60 e 70 que são semelhantes às de agora. Procuravam-se basicamente empregos melhores, e hoje as migrações são sociais, económicas e profissionais, tal como a maioria das que ocorriam no passado.” 

Actualmente, como explicam ambos os sociólogos contactados pelo i, parte significativa da emigração portuguesa continua a ser de pessoas não qualificadas, mas a “grande novidade dos fluxos actuais são as pessoas licenciadas ou doutoradas que, muitas vezes, não encontram espaço para aplicar os conhecimentos que adquiriram”. 

Destinos Vivemos um ciclo migratório aberto ao mundo. Apesar de, maioritariamente, os portugueses decidirem por um país europeu quando emigram, hoje há uma grande variedade de opções. Maria Beatriz Rocha-Trindade explica que “foram retomados os destinos tradicionais, como a França, mas, por outro lado, vai-se para todo o mundo”. O actual ciclo tem os destinos espalhados por todos os continentes e também muito relacionados com as ex-colónias e países de língua portuguesa. Rui Pena Pires alerta para o facto de, hoje, as migrações se fazerem também para o Reino Unido, que “nos anos 60 era um destino secundário”. Até à crise, Espanha era também um dos grandes destinos da nossa emigração: “A grande diferença é que a emigração para Espanha era pouco qualificada, basicamente para a construção civil, enquanto a emigração para o Reino Unido não é”, defende o coordenador do Observatório da Emigração. 

Também o conceito de migração veio substituir os de emigração e imigração. “Com a falta de tecnologia e de transportes que existia, as pessoas que saíam de Portugal iam como emigrantes. Na maioria dos casos, não dava para voltar”, conta Beatriz Rocha-Trindade. Quando se abandonou o ciclo transatlântico e se passou para o intra-europeu, “as idas e vindas passam a fazer-se com regularidade”. O conceito de emigração passou a ser substituído por um muito mais amplo, de entradas e saídas. “É um movimento pendular, as pessoas regressam pontualmente.” 

Regresso Numa fase inicial, todos os emigrantes tendem a dizer que querem voltar ao país de origem. Beatriz Rocha–Trindade introduz o conceito de “regresso imaginado”, uma vez que “estes não se fazem tal e qual se pensou”. Os avanços tecnológicos e a mudança do nível de vida modificaram completamente os planos de retorno: “As pessoas vão viver onde se sentem melhor, não há aquele apelo da nação”, justifica a socióloga. As formas de comunicação são completamente diferentes e a proximidade mudou, com os “regressos a poderem fazer-se todos os dias, mesmo que não sejam presenciais”. 

Rui Pena Pires defende que hoje há mais hipóteses de circulação que no passado mas, por outro lado, a facilidade que há em as pessoas comunicarem pode levar a uma permanência na emigração, uma vez que a saída “já não é vivida como uma ruptura”. Mantém-se a ligação, mas também se “facilita o afastamento, não o tornando tão doloroso”, remata.