O melhor público de sempre


Miguel Esteves Cardoso a escrever sobre o seu amor, José António Saraiva a escrever sobre o fim das referências e esta a escrever sobre festivais, Father John Misty e Tame Impala. Paredes de Coura, o festival mais bonito do verão, esgotou. Em frente ao palco, um relvado de carne e osso estende-se pela encosta. Parece…


Miguel Esteves Cardoso a escrever sobre o seu amor, José António Saraiva a escrever sobre o fim das referências e esta a escrever sobre festivais, Father John Misty e Tame Impala. Paredes de Coura, o festival mais bonito do verão, esgotou. Em frente ao palco, um relvado de carne e osso estende-se pela encosta. Parece uma massa indistinta, mas há muita idiossincrasia por ali. A presença de Father John Misty ajuda a destrinçar: há quem queira ouvir as canções, quem queira ver o sex symbol e há ainda aquele grupo de rapazes que acha que aquilo é “música para meninas”. É isto um festival de verão. Misty sabe e, por isso, ao som da balada áspera “Bored in the USA”, aceita uma bandeira portuguesa oferecida por alguém na plateia, coloca-a por breves instantes à volta do pescoço mas logo apela ao público com mais  discernimento que lhe perdoe aquele “momento de nacionalismo”. Acho que nunca vi um músico questionar em palco este cliché da bandeira e admirei-o ainda mais por isso.

Eu sei que o público português tem fama de ser particularmente caloroso, mas estas manifestações patrióticas em concertos sempre me deixaram constrangida. Acho que, mais do que sermos realmente “o melhor público de sempre” (vá, pessoal, eles dizem isso a todos), metemos essa ideia na cabeça de tal forma que invertemos os papéis: achamos que as bandas têm o privilégio de tocar para nós em vez de sermos nós os verdadeiros privilegiados. O público tuga – e obviamente que estou a generalizar – quer que o músico converse, empunhe bandeiras, diga que ama Portugal, Cristiano Ronaldo, bacalhau, que toquem aquela e a outra.

O melhor público – como os melhores amigos e os melhores amantes – é aquele que não cobra, que é grato. Só pode exigir o mínimo: paixão e compromisso. Os músicos, por seu lado, também não devem exigir do público o entendimento que idealizaram para a sua obra. Nick Carter, mentor dos Tame Impala, disse numa entrevista, a propósito do novo rumo que a banda tomou nos últimos tempos, que não queria ficar conhecido pelo que é considerado o seu single de maior sucesso, “Elephant”, mas a verdade é que nunca poderá impedir a turba de correr desenfreadamente para a frente do palco quando soam os seus primeiros acordes, como aconteceu na noite de quinta em Paredes de Coura, o festival mais bonito do verão.

Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado