A minha época de festivais encerra em Paredes de Coura, este ano com um cartaz – Slowdive, Tame Impala, Father John Misty, Temples, Charles Bradley – que é bem mais do que uma boa desculpa para vir ao norte do país e ver paisagens da minha infância. E comer.
Comer, pode dizer-se, é uma das (in)actividades mais importantes das minhas férias. Gosto tanto de comer que é quase obsceno.
Quando as férias são mais a Sul, para destinos de praia, comer torna-se ligeiramente mais secundário porque essa tarefa de passarmos um dia estendidos ao sol implica algum sentido prático: levar sandochas que acabam por emborrachar, fruta que acaba por amolecer, água que acaba por aquecer e assim somos obrigados a tornar a alimentação no acto sôfrego de encher a barriga sem amor nenhum pela causa.
Quando estou na praia, o meu momento favorito é o final da tarde, quando o sol amaina e eu começo a fantasiar o jantar.
Come-se muito bem no Sul e as migas são as minhas melhores amigas. São, aliás, as únicas migas que interessam. Desculpem às outras migas, as "migas forever".
Mas, no Norte, a coisa muda de figura. Uma pessoa senta-se num restaurante e vê-se obrigada a perguntar se as doses são grandes. Mas que pergunta.
Nunca são grandes o suficiente para quem serve, nem maneirinhas quanto baste para quem é servido. São nada menos do que um festim e, por mais que adore comer, acabo sempre por deixar um bom bocado para os meus amigos imaginários.
Pelos caminhos de Portugal, parei para comer na Tasca do Paiol, em Braga, um sítio que leva o ritual de encher o bandulho mesmo a sério. Abre depois de almoço e fecha antes do jantar, o que nos exige um certo desprezo por esses protocolos alimentares de somenos e a disponibilidade para passar uma tarde a comer tudo o que vier para a mesa sem pedirmos, da cebola amaciada em vinho à orelha de porco.
O "cheesecake" é um grande naco de queijo rodeado de biscoitos. Não é para meninos. E digo isto com parca bazófia – porque não cheguei ao final da rodada – já que o mais cómico e constrangedor deste ritual de comer no norte é o bullying. Quem não come é quase menos gente.
Claro que uma pessoa cresce, aprende a não ceder e até se ri do desafio, mas quando era mais nova um primo meu levou-me a comer aquela que era supostamente (como tantas outras) a melhor francesinha de todas, em Leça da Palmeira. Puseram-me à frente um verdadeiro condomínio de pão habitado por carnes de todas as espécies e com uma piscina de molho. Comi tudo o que podia fazer de mim menos menina de Lisboa. Foi uma barrigada de parvoíce.
Vou alimentar-me de música este fim-de-semana, para descansar o estômago das maravilhas que me têm passado pela goela. Não me importo nada de comer um prosaico cachorro do Psicológico para acompanhar.
Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado