Causou forte abalo no México, em sectores ligados à justiça, à segurança e da política em geral, a inesperada evasão do líder do Cartel de Sinaloa, Joaquin Gusmán, “El Chapo”.
Fugiu da cadeia, de máxima segurança, de El Altiplano, onde vivia desde inícios de 2014, recapturado após uma fuga de 13 anos. Facto verificado numa altura em que o governo apresentava êxitos na luta contra o crime organizado, usando aquela detenção como vitória política.
A fuga consumou-se através de um túnel de cerca de 1,5 Km de comprimento. É paradoxal, pois foi “El Chapo” o líder que maior performance atingiu neste tipo de construção, possuindo os melhores, mais discretos e mais funcionais, na extensa fronteira, com mais de 3300 Km com os EUA, introduzindo, assim, naquele país – um imenso e rico mercado – enormes quantidades de drogas, armas e diversos produtos contrabandeados.
Por eles entravam no México os tão almejados dólares. Há indícios claros de que tenha havido apoio interno, pois falharam todos os sistemas de segurança eléctricos e electrónicos de alarme que, injustificadamente, não atuaram .
Mas outras perguntas se poderão colocar: qual o destino dos milhares de metros cúbicos de terra escavada? Como foi possível que, num raio de segurança a partir da cadeia, que abrangeria, seguramente, a casa em construção onde terminava o túnel, não tivesse sido recolhida e analisada, pelos serviços competentes, toda a informação difusa, sobre eventuais actividades suspeitas, tendo em conta a presença naquela cadeia de alguns dos mais perigosos delinquentes do México?
Foi oferecida a elevada recompensa de 3,8 milhões de USD por informações que venham a conduzir à recaptura do criminoso. Com efeito, há fundados receios de que “ El Chapo “ queira recuperar algum do poder perdido enquanto encarcerado, quer pessoal, quer da própria organização criminosa, a qual tem passado por lutas internas que a enfraqueceram e deu origem a que cartéis rivais ocupassem territórios seus.
Por outro lado, cartéis que foram aliados de Sinaloa autonomizaram-se e esqueceram as alianças antes firmadas. Entre estes últimos está o Cartel Jalisco Nueva Generacion, caracterizado pelo uso de grande violência, por uma liderança dinâmica e especialistas em drogas sintéticas.
Assim será de esperar a reedição de lutas sangrentas para um reajustamento no controle dos mercados nacionais e internacionais, que acabarão por causar elevado número de vítimas mortais e fortes danos colaterais, sabendo-se que os cartéis dominantes têm por estratégia reduzir os rivais ao mero plano regional de onde emergiram.
A fuga de “ El Chapo” mostra os elevados índices de estabilidade, organização, operacionalidade e capacidade de corrupção que o cartel pratica, atingindo todos os sectores da sociedade e poderes públicos, onde se infiltraram. No passado “ El Chapo” conseguiu alianças com produtores colombianos de cocaína e afegãos de heroína, com que muito lucrou e foi determinante para a consolidação da sua supremacia.
Com esta fuga reforçou o seu carisma de liderança e colocou os rivais em sentido. Há alguns paralelismos com Pablo Escobar, que tal como “El Chapo” fora considerado inimigo nº 1 nos EUA, sendo que ambos afrontaram a autoridade do estado. O primeiro evadiu-se da cadeia (embora por ele construída e mantida) quando se tornou hipótese a sua extradição para os EUA, sendo esta agora, também, uma eventual possibilidade para “ El Chapo”.
Assim, espera-se uma forte resposta das autoridades, uma nova estratégia no combate ao fenómeno e profundas reformas, legislativas, na justiça, nas forças de segurança e no sistema prisional. O excelente povo mexicano tem problemas sócio – económicos graves. Não merecia a existência dos sanguinários cartéis.
Cerca de 75% da população vive nas cidades, face ao continuado êxodo rural. Há regiões com difíceis condições de vida, especialmente nos arredores das cidades, o que constitui um campo fértil de recrutamento para os cartéis de droga. A segurança é um fator de liberdade indispensável à vivência em democracia e não apenas um problema de polícia, mas de toda a sociedade.
Devem reprimir-se as consequências dos crimes e preveni-los, de preferência, mas a prevenção das causas é fundamental: económicas, sociais e culturais. A danosidade social causada pela acção dos cartéis de droga – assassínios, extorsões, violações e sequestros – quais multinacionais do crime organizado, é incomensurável, semeando o terror, a desordem e contaminando as economias legais, com o branqueamento dos capitais ilicitamente obtidos, não sendo possível , muitas vezes, separar o lícito do ilícito.
Enfim, ameaçam a estabilidade, segurança e soberania do estado. Em reforço desta luta, em algumas regiões, tem havido cooperação entre as força de segurança e grupos civis denominados de autodefesa. Mas esta associação é polémica. Que não falte ânimo às autoridades mexicanas. Arriba México!
Coordenador de investigação criminal, aposentado, da PJ