Triste sina esta. Qual? A de alguém que só tem mais dois anos de existência que o festival e que, por motivos profissionais, nunca conseguiu ir ao Vodafone Paredes de Coura – qualquer coincidência com o perfil de quem escreve estas linhas é mero acaso. João Carvalho criou, em 1993, uma marca que viria a tornar-se um dos grandes eventos musicais do país, a partir do nada, numa terra que até então estava perdida algures no distrito de Viana do Castelo. Para a edição de 2015 do Vodafone Paredes de Coura há TV on the Radio, Tame Impala, The War on Drugs, Lykke Li, Father John Misty – um cartaz de excelência, portanto. Uma conversa que esteve para ser interrompida quando dizemos que este ainda não vai ser o nosso ano de estreia. Quem nunca foi ao Vodafone Paredes de Coura incorre num “erro cultural enorme”, diz-nos. O que se segue é o manual para fugir a esta categorização maldita. E o caro leitor não vai querer ser como nós.
É um pouco triste de dizer, mas a verdade é que nunca fui ao Paredes de Coura…
Mais que triste, é um erro cultural enorme [risos].
Sem dúvida. No caso de alguém com este perfil, como apresenta o festival?
Tens ar de quem gosta de festivais e de boa música, tens ar de público de Paredes de Coura… é difícil lidar com isto, pensei que as pessoas de bom gosto já tinham ido todas a Paredes de Coura. Explicar a uma pessoa de bom gosto é dizer que o Paredes de Coura se faz num local idílico, numa praia fluvial maravilhosa, com árvores seculares e com um relvado enorme onde, durante o dia, as pessoas estão no convívio.
Essa tem sido uma das grandes marcas do festival, certo?
Claro, se há coisa que existe é um são convívio, em todos os momentos. Quer no Palco Jazz, quer no campismo, um campismo com todas as condições, com autoclismo e sanita, limpeza frequente – isto parece um detalhe, mas quando se está a acampar durante oito dias é muito importante. Somos um festival de pormenores, que cuida das pessoas. É por isso que temos tido este retorno, que temos um público tão fiel. Posso dizer que este ano temos melhorias que não eram necessárias, mas que queríamos fazer.
Como, por exemplo?
A praia fluvial vai crescer para o outro lado da margem, vamos construir duas novas pontes, vamos ter uma vedação nova, digna e bonita, porque nunca o tivemos. Vamos ainda ter uma área para as pessoas lavarem e secarem a roupa, não é preciso uma mochila enorme.
Não vai acontecer, mas imaginemos que me estreava em Paredes de Coura este ano…
Espera lá, também não vais este ano? [Direcciona-se para Raquel Louçã, a assessora de imprensa] Porque estamos a fazer esta entrevista? [risos]
Alguém há-de estar presente, não se preocupe. Aconselhar-me-ia a acampar ou a alugar uma casa com uns amigos?
É indiferente, é preciso é ir. Sou uma pessoa que não acampo, era incapaz de o fazer, mas se tivesse de o fazer era no Paredes de Coura, sem dúvida. Sei que sou suspeito, mas o ambiente é mesmo bom. Conheço tantos casais que se conheceram em Paredes de Coura… as pessoas vêm-me agradecer pelo casamento, pelo filho, por uma banda que decidiu ser banda no festival.
Dizendo isso, ainda há quem vá ao festival independentemente do cartaz?
Acontece, as pessoas sabem que ir a Coura é sinónimo de qualidade. Mesmo que não conheçam, vão à descoberta. É claro que temos mais sucesso quando temos bons cartazes, como é o caso deste ano. Acho que temos uma das melhores edições, só comparada com o ano de 2005 – Queens Of The Stone Age, The Pixies, Foo Fighters, Nick Cave, Arcade Fire, The National, foi fantástico.
Só não podem dar a coisa por garantida, não é um bom princípio.
Não te preocupes que nós, quando contratamos artistas, parecemos crianças numa loja de gomas. Ainda este ano tinha o cartaz fechado quando surgiu a Lykke Li. Ninguém diz que não à Lykke Li e, como podes imaginar, não é uma artista barata. Outro promotor, provavelmente, diria que o cartaz estava fechado. Ou seja, não é o dinheiro que nos move, evidente que estamos nisto para ganhar dinheiro, mas fazemos um festival com sentimento.
Como se idealiza um cartaz?
Vais tendo noção do que está na estrada, já tens alguma relação com os agentes, e essa relação de confiança é preciso ganhá–la, não é fácil. E não há uma ciência exacta: uma banda pode estar a preparar uma digressão no sul da Europa e, de repente, ir para o norte. Ou até o gato da artista adoeceu e já não há digressão. A primeira banda que contratámos este ano foi Tame Impala. A partir daí, idealizei o que seria o cartaz ideal. Foi a primeira vez que ficou a 90% do que estava programado, já houve anos que não aproveitámos nem 5%.
Um exemplo de que esta ciência não é exacta são os War on Drugs, que este ano vêm a Coura entre dois concertos, na Holanda e na Bélgica…
Exacto, na outra ponta da Europa.
Ou seja, têm uma cartada na manga: muitos músicos fazem questão de tocar em Paredes de Coura.
Claro, é uma enorme mais-valia. Aliás, convenço muito mais facilmente bandas a vir ao festival do que alguns jornalistas, curiosamente [risos]. Aconteceu o mesmo com os Ratatat: a digressão europeia deles nasce com o nosso convite para tocarem no Paredes de Coura, a partir daí decidiram fazer essa digressão.
O Paredes de Coura também faz música…
Sim, faz coisas acontecer. A Lykke Li dá um único concerto na Europa, em Paredes de Coura. Depois de 100 milhões de visualizações com uma música, decidiu que estava a ficar demasiado comercial, não queria ser uma Beyoncé ou uma Lady Gaga, não quis tocar mais em festivais, porque os festivais, lá fora, misturam artistas, não há muitos com uma programação coerente, como o nosso.
Por falar em coerência, se tivesse de escolher um dia deste cartaz, qual seria?
Não tomava essa decisão. É uma pergunta muito complicada, mas vá lá, talvez o dia dos Tame Impala, porque estou absolutamente maravilhado com o novo disco.
Há aqui um burburinho em torno dos Tame Impala, que largaram a onda psicadélica e que “Currents” é um disco muito morno. O João é dos que não concordam, presumo…
Adoro este disco, acho que vai resultar muito. Serve, de alguma forma, para mostrar que eles sabem fazer música, não fazem mais do mesmo. Na carreira de uma banda, a certa altura tens de escolher se vais fazer mais do mesmo ou se vais por outro caminho, se inovas. Li algures alguém dizer: “Há bandas que preferem o estádio ao estúdio; os Tame Impala preferiram o estúdio ao estádio.” Acho que é isso mesmo, há músicas muito bem feitas, vão fazer um concerto de carreira, vai resultar lindamente.
Nesse mesmo dia há ainda Father John Misty, de quem se fala muito, sobretudo pelo encanto sobre o sexo feminino…
Exacto. Ontem li uma crónica muito engraçada que dizia que o Father John Misty é, actualmente, o artista no mundo que mais pessoas engravida na plateia sem fazer sexo [risos].
Paredes de Coura vai tornar-se uma maternidade, é isso?
Veremos. Sabes que contratar um artista é quase como contratar um jogador da bola, vais buscá-lo em Novembro e passados seis meses vale cinco vezes mais. Agora teríamos pago muito mais.
Em 2013 lançaram as Vodafone Music Sessions, concertos privados em locais idílicos. Como se lembraram disso?
Eu fui contra isso. Foi uma ideia da Vodafone. Vou-te explicar, não fui contra, fiquei de pé atrás. Primeiro era preciso convencer os artistas, depois pensei que em termos logísticos seria complicado. Só que a primeira edição correu tão bem que agora sou o maior fã daquilo, agora já me vejo a tentar convencer os grandes nomes, em vez de ir pelos pequenos.
É possível referir um concerto que lhe tenha ficado na memória?
Arcade Fire em 2005. A coisa mais apoteótica que aconteceu na história do Paredes de Coura. Já os vi mais duas vezes depois disso e não teve nada a ver. É por isso que digo que gosto de ver as bandas quando estas gostam mesmo de tocar, quando o mais importante do que as luzes é a alma que se põe em palco.
Qual foi o artista mais difícil de confirmar?
O Nick Cave. Não que ele não quisesse, mas porque não havia disponibilidade. Não se sabia se vinha em digressão, se não vinha. Este ano, os War on Drugs: eles queriam tanto vir que acabámos por fretar um avião para estarem presentes.