Não vamos fingir que isto não é o que parece. Donald Trump tem a atenção do mundo todas as semanas. O espalhafato é a sua imagem de marca, e os imigrantes ilegais são o grande alvo desde a abertura da sua campanha, numa clara aposta para contentar a ala mais radical entre o eleitorado conservador norte-americano. Assim, o magnata do sector imobiliário e ex-estrela televisiva – que assumiu a dianteira nas sondagens face aos 17 candidatos nas primárias republicanas – deixou claro este fim-de-semana que não só não irá pedir desculpa pelos comentários racistas sobre os ilegais, como promete pôr em marcha a deportação dos 11 milhões de imigrantes indocumentados que vivem no país caso vença a corrida à Casa Branca.
Numa altura em que Washington e os políticos de carreira enfastiam o eleitorado, com o Congresso a bater no fundo em taxa de aprovação nas semanas que antecederam as eleições intercalares no final do ano passado, Trump assumiu desde logo protagonismo junto das bases de um partido que, graças, nomeadamente, à acção do movimento Tea Party, tem vindo a radicalizar-se e a assumir uma retórica incendiária nalguns dos aspectos que definem as principais fronteiras face aos democratas. Depois de várias ameaças, Trump deu o passo em frente, beneficiando da imagem de sucesso no mundo dos negócios, à frente de um império multimilionário, um candidato que não foi modelado pelos jogos políticos de Washington e que garante que será capaz de pôr o país novamente na trajectória do sucesso, ganhando terreno sobre a China e aliviando a economia do suposta influência parasitária do vizinho México.
“criminosos” Ao anunciar a campanha, Trump disse que muitos dos imigrantes que entram nos EUA pela fronteira sul são “criminosos” e “violadores”. Dois meses depois, numa entrevista concedida à estação NBC, este domingo, durante uma viagem no seu avião privado, o candidato reafirmou a posição que, se por agora se tem revelado um trunfo, pode ser-lhe fatal caso venha a obter a nomeação do partido. Nas eleições de 2008 e 2012, o eleitorado hispânico enviou uma mensagem muito clara aos republicanos: a oposição dos conservadores à imigração e à reforma das políticas nesta área podia pôr em sério risco futuras vitórias eleitorais.
“Vamos manter as famílias juntas, eles vão ter de sair”, disse o candidato, referindo-se aos ilegais, na entrevista que foi para o ar momentos antes de ser publicada no site da sua campanha uma tomada de posição sobre o assunto. A sua estratégia centra-se em três princípios. O primeiro afirma que “uma nação sem fronteiras não é uma nação”, insistindo na necessidade de construir uma muralha ao longo da fronteira sul. Trump repetiu também a sua promessa de garantir que será o México a pagar esta infra-estrutura, e explicou como pretende fazê-lo: a maior parte do financiamento viria do aumento da taxa sobre o movimento entre EUA e México. “Não vamos permitir que continuem a aproveitar-se de nós”, declara o plano.
A proposta apela ainda ao reforço do policiamento dos serviços de imigração e fronteiras, num investimento a ser pago através da “eliminação das contribuições sociais gastas com os imigrantes ilegais”.
Outra linha de acção do plano passa pela revogação das ordens executivas do presidente Barack Obama que cancelaram a deportação de imigrantes ilegais sem antecedentes criminais. Trump quer ainda eliminar as licenças concedidas aos “dreamers” – ou sonhadores, como são conhecidos os ilegais que atravessaram a fronteira ainda menores de idade –, e pretende modificar a Constituição para retirar o direito de cidadania àqueles que tenham nascido no país, filhos de pais que residam ilegalmente nos EUA.
“É isto o que estão a fazer: têm filhos. De repente, sem que ninguém se dê conta, aparece um bebé”, disse Trump. Quando o entrevistador, Chuck Todd, lhe pediu que explicasse como vai levar a cabo o processo de deportações, replicou com outra pergunta: “Acha que lhes custa muito viver cá [sem documentos]?”
“Os líderes mexicanos têm-se aproveitado dos EUA ao utilizar a imigração ilegal para exportar o crime e a pobreza do seu próprio país”, insistiu Trump. O plano que divulgou no domingo deu outro sinal da sua fixação com o México, prevendo aumentar as tarifas para conceder vistos a diplomatas e empresários mexicanos, “e cancelá-los se for necessário”, assim como encarecer as licenças diárias para cruzar a fronteira legalmente. Uma medida que seria mantida até as receitas permitirem pagar a construção do muro entre os dois países.
Ataque aos concorrentes Na entrevista, o magnata nova-iorquino aproveitou para criticar os dois candidatos que se lhe seguem como favoritos entre os eleitores republicanos. Referiu-se a Jeb Bush como uma “marioneta” dos seus doadores. O irmão e filho de ex-presidentes surge nesta corrida como um dos candidatos com perfil mais moderado, tendo sido governador do estado da Florida, onde é significativa a comunidade de imigrantes. Favorável à regularização dos milhões de imigrantes ilegais, Bush é apontado por muitos analistas como o candidato que poderá rivalizar melhor com Hillary Clinton, mas entre ele e a nomeação republicana Trump parece um obstáculo cada vez maior.
O outro alvo foi Marco Rubio, a quem apontou o dedo pelo seu apoio ao projecto bipartidarista para a reforma da lei de imigração aprovada há dois anos pelo Senado. “A lei não era mais que uma concessão aos patrões das corporações que mandam nos dois partidos”, lê-se no documento publicado no site de Trump.
Bush e Rubio foram os únicos entre os 17 candidatos à nomeação dos conservadores que se atreveram a tentar uma abordagem do problema da imigração em que, se por um lado reconhecem a sua gravidade, por outro entendem a necessidade de solucionar a precariedade dos 11 milhões de ilegais que vivem no país. Os dois políticos da Florida estão vulneráveis neste campo; Trump está consciente disso e está confiante de que pode explorá-lo para fracturar a seu favor o eleitorado conservador.
O candidato abordou na entrevista com Chuck Todd outros temas ligados à política externa. Um dos momentos em que esteve pior veio ao ser questionado sobre quem o aconselhava em termos militares. Disse apenas que seguia as notícias pela televisão. Quanto ao combate ao Estado Islâmico, disse que a sua opção passaria pelo envio de tropas, acrescentando que exigiria dos aliados norte-americanos no Médio Oriente, como a Arábia Saudita, que contribuíssem para o esforço para travar os extremistas islâmicos no Iraque e na Síria. Já em relação ao acordo nuclear recentemente assinado pela administração Obama com o Irão, Trump disse que, tendo sido negociado por um “incompetente” – o secretário de Estado, John Kerry –, se tratava de um erro que poderá “conduzir a um holocausto nuclear”.