1. Uma outra característica do MP português – além da autonomia de que goza – é a da sua organização hierárquica.
A hierarquia, tal como é concebida pela nossa Constituição e é desenvolvida pelo actual Estatuto, tem características próprias.
Ela reporta, em última análise, às competências do Procurador-Geral da República e à sua legitimidade específica.
O PGR – cuja escolha incumbe ao poder político – transmite a todo o MP e à hierarquia dele dependente, uma legitimidade democrática que transcende a dos outros órgãos e sistemas judiciais.
Devendo, embora, actuar nos quadros estritos da lei e com uma objectividade que o deve afastar da posição de parte interessada – antes o aproximando da intervenção imparcial do juiz – o MP não pode, na verdade, deixar de fazer opções que, em rigor, não são totalmente sindicáveis do ponto de vista jurídico.
Por essa razão, a intervenção hierárquica do MP tem de fundar-se numa legitimidade externa que, conferindo-lhe um poder de optar, o responsabiliza, também, pelas opções tomadas.
A hierarquia justifica-se, portanto, num primeiro plano, na responsabilidade das opções que incumbe ao MP tomar para poder prosseguir as suas funções constitucionais.
2. Além disso, a hierarquia vem ganhando, cada vez mais, uma função operacional tecnicamente exigente e indeclinável no âmbito da gestão processual.
Face a fenómenos crescentes de criminalidade organizada e à sofisticação e internacionalização da sua acção, exige-se do MP que assuma intervenções também elas estruturadas e eficazes que implicam uma coordenação superior.
A hierarquia terá, neste caso, de actuar de forma transparente e apenas no âmbito das possibilidades conferidas pelos estatutos e pelas leis judiciárias e processuais.
Ela deve agir, além disso, sem beliscar ou ocultar a responsabilidade funcional individual do magistrado titular do processo.
Só deste modo é possível, também, aos outros sujeitos processuais saber quem é quem no processo e quem, de facto, tomou esta ou aquela posição, sendo por ela responsável.
Aqui reside, reconheçamos, o lugar de possível conflito entre a necessária autonomia dos magistrados – que os membros do MP constitucionalmente são, para poderem actuar com objectividade e responsabilidade – e a intervenção da hierarquia.
Daí a relevância da evidência formal das responsabilidades de cada escalão hierárquico no processo.
É essa evidência que permite um controlo externo e interno do MP capaz de assegurar às partes e aos cidadãos que este se conduziu exclusivamente na defesa dos interesses que a lei prevê.
3. Em todo o caso, as mais recentes exigências organizativas – formação de equipas especiais e unidades de intervenção pontuais e de competência supra territorial – têm-se concretizado, ainda hoje, sobretudo, através de experiências orgânicas informais.
Ora, ao reconhecer-se a necessidade crescente de consolidar tais métodos de trabalho – e disso incumbir a hierarquia – é preciso, também, que as regras que os permitem sejam simples, eficazes e clarificadas transparentes.
É fundamental garantir aos cidadãos que as opções organizativas da hierarquia respondem, de facto, a necessidades objectivas e imperiosas de serviço e não a estratégias que transcendam os objectivos da lei.
Donde, é necessário, também, definir com rigor as competências do Conselho Superior no controlo e garantia da autonomia e distingui-las claramente das que justificam a hierarquia.
A hierarquia gere a operacionalidade do MP, o Conselho zela pela autonomia dos magistrados.
Escreve à terça-feira