É pelo meio das drogas, clubes de strip e venda maciça de álcool que a organização está a funcionar em Ibiza desde 2002, com centro operacional em San Antonio desde 2006. Charlie e Abby, que lideram o projecto há três anos, decidiram sediar-se numa área de maior tentação porque acreditam que é através da bondade de Deus que as pessoas chegam ao arrependimento. E a sua comunidade funciona como uma rede de orações. Metade dos voluntários está na sala das preces a rezar, enquanto a outra metade aborda as pessoas na rua e ajuda quem necessita. Trocam de funções de hora a hora. Quando se aproximam de alguém na rua, não começam logo a pregar.
Em vez disso, perguntam “quer que rezemos por alguma coisa?” e distribuem Bíblias de nome invulgar: “Jesus Ama Ibiza”. Clayton diz que as reacções são boas. Aliás, o britânico, que ali chegou há três anos, chega mesmo a afirmar que “há pessoas que vieram a Ibiza e se tornaram cristãs”. E isto parece valer a pena, por muito que com a generalidade das pessoas seja um encontro único.
Mas claro, na cidade conhecida também como capital das drogas, nem todos estão em condições de abrir a mente para tentar receber Deus. É por isso que o 24-7, além de cuidar do bem-estar espiritual das pessoas, também ajuda a que o físico recupere. Na prática, exercem cuidados de saúde: transportam a casa e a clínicas de saúde pessoas alcoolizadas e, por vezes, até drogadas. Milhares destas pessoas foram ajudadas pelo grupo cristão na última temporada, segundo Charlie. Tanto que a própria polícia já contacta o grupo quando encontra alguém que precisa de ajuda, e este passa bastante tempo com o serviço médico – duas entidades com que o 24-7 nutre boa relação. Para isto, contam com a ajuda de kits de primeiros socorros, cadeiras de rodas e, em casos mais extremos, a “carrinha do vómito”. O nome diz tudo.
Durante os dias úteis, o centro está aberto das 16h às 20h. Por norma, têm aí três a quatro pessoas da equipa. É um local de convívio, com computadores, consolas de jogos de vídeo, ténis de mesa e uma sala de orações. Também há tratamentos de beleza à disposição, já que às quartas-feiras oferecem massagens às trabalhadoras femininas da ilha.
Mas o objectivo principal é que as pessoas se sintam livres para partilhar. Outra prática são as visitas à prisão para auxiliar os presos a contactar a família e a lidar com a ansiedade dos processos judiciais. Apesar disso, o grupo é mais conhecido pelo trabalho que faz depois de o sol se deitar. Os turnos nocturnos vão das 23h30 até às 5h da manhã. A ajuda é oferecida independentemente da fé de cada um. Religião à parte, a ajuda e os conselhos que dão permitem a qualquer um ter férias divertidas e mais seguras. O estilo de vida também não é chamado ao barulho. Não é que os membros das equipas (que se alteram a cada duas semanas) não aproveitem também a ilha – muitos dos cerca de 70 voluntários anuais frequentam os bares locais. A diferença está no equilíbrio, visto que não bebem álcool em excesso nem consomem drogas ilegais. Porém, não é o facto de não se identificarem com esse tipo de cultura que faz com que sejam contra ela. Aliás, as referências musicais a Deus ou ao céu são um exemplo de como existe uma mentalidade aberta à fé, explica Clayton.
As origens do 24-7
É um movimento religioso internacional que começou em Setembro de 1999 em Inglaterra e se espalhou por mais de 100 países. Um pequeno grupo de estudantes no sul do país começou acidentalmente a primeira sala de orações 24 horas, todos os dias da semana. Queriam perceber o que acontecia se orassem sem parar durante um mês, mas sentiram a presença de Deus e isso fê-los continuar durante três meses seguidos. Foi a mensagem que gravaram nas paredes dessa sala, em que escreveram também “eles são livres, mas ainda assim são escravos da dor, da sujidade, dos moribundos”, que levou outros a identificarem-se e a expandir o movimento. O crescimento do projecto direccionou-o também para iluminar os que já simpatizam com ele. Existem dois “cursos da visão”, desenhados para educar discípulos, um nos EUA e outro no Reino Unido – uma formação espiritual que pretende desenvolver o carácter da pessoa, bem como a sua crença em Deus.
Ao longo dos 15 anos de actividade, este grupo levou à criação de várias iniciativas e comunidades focadas em grupos fora da zona de influência normal da igreja: pobres, marginalizados, estudantes. Em Ibiza são guiados pelos valores da oração, missão e justiça. As T-shirts pretas e cor--de-laranja que se avistam por San Antonio não estão a publicitar discotecas – são antes os relações públicas de uma entidade superior. O grupo de jovens britânicos vai para Espanha espalhar a mensagem de Jesus, muitas vezes a pessoas da mesma nacionalidade, uma vez que Ibiza está repleta de turistas e é a fé e o caminho destes (mais do que o dos locais) que parecem desorientados. Mas há outros projectos derivados do 24-7 abertos à participação de voluntários, com destinos muito diferentes de Ibiza, como o Líbano e a Turquia.
Ibiza no Verão
Turismo. É a melhor palavra para a descrever. A bater os números dos anos anteriores, só em 2014 houve 6,2 milhões de turistas a visitar a ilha. O motivo? Para quem quer fugir da loucura, existem baías com praias paradisíacas escondidas entre rochedos e falésias que se tornam o refúgio ideal. Para quem quer música e dança, chegou ao destino ideal. Há o que muitos dizem ser o melhor clube nocturno, o Space, há discotecas com DJ internacionais e existe sempre uma forte possibilidade de cruzamentos com famosos. Os que preferem esta segunda opção optam pela cidade de San Antonio, que também já é escolhida para viagens de finalistas.
Conhecida também pela droga barata, pelo consumo excessivo de álcool e por muito sexo, as práticas moralmente duvidosas que levaram Charlie e Abby a mudar-se para Ibiza têm feito títulos pelo aumento de policiamento para evitar o crescimento da criminalidade local. É aqui que a polícia agradece ao 24-7. De acordo com o chefe da polícia, num documentário feito sobre a ilha, o nível de criminalidade desceu desde que as preces subiram, e o mesmo já testemunhou mudanças de atitude milagrosas depois de intervenções do grupo nas ruas.