Joaquim de Almeida. “Normalmente, acham que sou qualquer coisa menos português”

Joaquim de Almeida. “Normalmente, acham que sou qualquer coisa menos português”


Aos 58 anos, é um actor acima de qualquer suspeita. Em Outubro voltaremos a ouvir falar dele a propósito da intriga política Our Brand is Crisis.


“O que sabe sobre Portugal?”, pergunta José Moniz (Joaquim de Almeida), emigrante português no Canadá, ao namorado que a filha lhe apresenta. Assinada por John L’Ecuyer, a comédia romântica Um Encontro com o Destino estreou-se esta quinta-feira. Retrata o encontro inevitável de Jeannette de Sousa, filha de pais portugueses, com o canadiano Ryan Scott. Além de protagonizar o filme, o casal produziu e assinou o guião. Casados e pais de uma menina de três anos, foi a sua vida que passaram para a tela do cinema, contando para isso com uma boa ajuda financeira da comunidade lusa de Toronto.

Será inevitável pensar em A Gaiola Dourada, desde logo por contar com o actor português há muito residente nos Estados Unidos. No entanto, o projecto iniciou-se ainda antes de o filme de Ruben Alves chegar às salas.

Aos 58 anos, Joaquim de Almeida é um actor acima de qualquer suspeita. Foi um dia estudar arte dramática para Nova Iorque e nunca mais voltou. Alguém o censura? Há três décadas que mantém o melhor de dois mundos: vai alternando o protagonismo episódico em filmes por terras lusitanas com participações em filmes e séries internacionais. Nesse sentido, Almeida é um verdadeiro emigrante. Em Outubro voltaremos a ouvir falar dele a propósito da intriga política Our Brand is Crisis (“A Nossa Marca É a Crise”), onde contracena com Sandra Bullock.

Jornal i – Uma das frases emblemáticas de Um Encontro com o Destino diz que ‘somos responsáveis por aquilo que fizemos’. De certa forma, algo que acaba por definir também a sua vida e a sua carreira, não lhe parece?

Joaquim de Almeida – Claro. Nós somos aquilo que fazemos. As nossas decisões são o fruto dessa vida e dessa carreira.

Como lhe chegou este projecto às mãos?

Simples. Quando me enviaram este guião, gostei sobretudo de descobrir que foram eles que o escreverem e que a história tinha a ver com a sua experiência. Conheço bem Toronto e sei que existe lá uma enorme comunidade de portugueses.

Foi difícil incluir o projecto na sua agenda?

De início pensei que existiria um problema, mas conseguiram meter-me numas datas em que estava livre e acabou por dar tudo certo.

O que o levou a aceitar?

Gostei desta ideia porque era sobre alguém que se sentia português e fala sobre a comunidade portuguesa e uma família que é muito portuguesa. Por exemplo, é a primeira vez que a Jeanette vem a Portugal – ela que é filha de pais portugueses. Já tinha ido a S. Miguel, porque a mãe é de lá, mas não ao ‘Contnente’ (diz com sotaque açoriano) (risos). Está agora a descobrir Portugal com o marido e estão os dois a deliciar-se.

Conheceu a família da Jeanette. É como se vê no filme?

São pessoas com um sentimento profundo da sua origem portuguesa, embora possam não ser exactamente como aparecem descritos na tela.

É inevitável a comparação deste filme com A Gaiola Dourada. Procurou desempenhar o papel de forma diferente?

Os filmes são bem diferentes. Achei engraçado por este se passar em Toronto, onde existem 37 etnias diferentes. Por isso o choque cultural deve acontecer com alguma frequência. Mas é sobretudo uma história de amor, o que é diferente bastante da história da Gaiola Dourada.

Pelo curso que seguiu a sua vida, considera-se também um emigrante?

Deixei o país há 30 anos porque no Conservatório não havia ainda escola para estudar teatro. Tive de me ir embora para procurar um sítio para estudar e acabei por ficar em Nova Iorque. Depois, as escolhas que fiz foram aquelas que um actor tem de fazer para poder continuar a trabalhar.

A ideia inicial era para ficar definitivamente nos Estados Unidos?

Não. Quer dizer, não sabia, porque nessa altura também não havia muito cinema português. Talvez por isso tenha lá ficado definitivamente.

Como é que o vêem lá fora?

Normalmente, acham que sou qualquer coisa menos português. Mas também vivo em Los Angeles, onde há poucos portugueses. Já em Toronto há uma comunidade enorme, tal como em Nova Iorque, em Newark, no estado de Nova Jérsia. Em Los Angeles, quando dizemos que somos portugueses, muitos deles nem sabem bem onde fica…

E neste momento, sente mais vontade de regressar?

Pelo menos sinto mais vontade de estar cá mais vezes. Até porque gosto de cá estar e com a idade trabalhamos menos.

O que permite também um maior acompanhamento com a vida dos seus filhos, presumo?

Naturalmente. A minha filha é agora uma teenager e quero estar mais tempo com ela.

Revê-se de alguma forma nesse pai de família do filme?

[risos] Não. Por exemplo, o meu filho Lourenço (de 22 anos) formou-se em Economia e agora está a na Escócia com uma peça de teatro, no festival de Edimburgo. Agora quer ser actor. Vamos ver… Vai estudar depois para Nova Iorque.

E a sua filha (Ana, de 13 anos) também quer seguir as passadas do pai?

Ela não sabe muito bem ainda o que quer, mas tem jeito para as artes. Vamos lá ver, se calhar ainda lhe dá na real gana de querer ser também actriz…

Os filhos são críticos ou fãs do seu trabalho?

O mais velho vai ver os meus filmes e tem a sua própria opinião. A mais nova é que não vê muitos dos filmes que faço. Não são bem para a idade dela.

Vai seguindo o cinema português que se faz por cá?

Não existem muitos filmes. Mas estou com curiosidade de ver um filme que estreia este mês, se não me engano, que é dividido em três partes…

É As Mil e Uma Noites, do Miguel Gomes (estreia no dia 27).

Sim, tenho muita curiosidade em ver, porque é um tipo de cinema diferente.

Já viu O Pátio das Cantigas?

Sim, vi. Conheço bem o Leonel Vieira, trabalhámos juntos várias vezes. Está a sair bem, as pessoas estão a reagir bem. E pronto. Mas é bom, pode ser que ajude para que se faça mais cinema.

Tem algum projecto para filmar em Portugal?

Por acaso sim. Ando com umas ideias que queria concretizar. Talvez com o David Gordon Green, com quem fiz agora um filme juntamente com a Sandra Bullock (Our Brand is Crisis). Temos a ideia de adaptar uma coisa para aqui para Portugal. O produtor dele já cá esteve. Temos de trazer agora o escritor para adaptar o romance.

Quando estreia o filme com a Sandra Bullock?

Sai a 30 de Outubro, no fim-de-semana da Acção de Graças, que é um fim-de-semana importante, por isso a expectativa é grande. Filmámos seis semanas em Nova Orleães, seis semanas em Porto Rico e acabámos em Janeiro na Bolívia.

Qual é a sua personagem?

Eu sou o candidato a Presidente e ela é uma conselheira política. Baseia-se no documentário do mesmo nome sobre as estratégias de campanha na política americana.

Já trabalhou com a Kim Basinger e muitas outras estrelas de Hollywood. Também se sentiu à vontade com a Sandra Bullock?

É muito simpática e gostei muito de trabalhar com ela. O filme conta ainda com o Billy Bob Thornton, entre outros. Foi sobretudo um óptimo trabalho de grupo.

O que há de novo na sua carreira na televisão?

Vou fazer a série Queen of the South, com a Alice Braga como protagonista, baseada no livro de Arturo Pérez-Reverte. Começamos a filmar em Setembro.

Ah, sim, sobre a vida de uma líder de um cartel de droga…

Sim, é isso. Eu sou um político, não um traficante, embora a diferença não seja muita (risos). Lá está, esse tipo de papel não me escapa… Mas a série foi bem escrita. Por uma realizadora dinamarquesa, que realizou recentemente uma série de qualidade que passou na nossa televisão (Wayward Pines).

Este contínuo oscilar entre a TV e o cinema é por devoção ou necessidade?

É porque tem de ser. Gosto mais de fazer cinema, claro. Quando não aparecem os filmes, vai-se fazendo televisão. O que é preciso é ir trabalhando.

Portugal é cada vez mais um país de emigrantes. Como vê esta realidade?

É triste verificar que estamos a perder uma geração de pessoas que foram estudar para fora e que vão ficar lá. Já não voltam porque não há trabalho quando voltarem. Por outro lado, este ano temos eleições. Mas como voto nos Estados Unidos, não sei o que será melhor para este país. Acho que os dois partidos do poder não mudam muito. Os maus políticos estão a ser desmascarados, com uma série de escândalos. Vamos ver se vão presos aqueles que têm de ir presos. Vamos ver se temos mais políticos a sério e não os ladrões que têm sido mencionados nos jornais por este mundo fora.

Acha que nos Estados Unidos uma candidata a Presidente pode ser uma solução?

O Bill Clinton foi um presidente que gostei. Possivelmente a Hillary também será uma boa presidente. Mas espero sobretudo que não seja nenhum daqueles republicanos que têm sido indicados. Iríamos entrar noutra guerra, de certeza.

Que opinião tem sobre Obama?

Gosto dele. Fez coisas boas na saúde e acalmou um pouco o clima internacional, em particular as relações com o Irão e com Cuba. Mas não tem maioria no Congresso portanto não pode fazer muito mais.