O apelido é Carneiro. Em 1973, nasceu em Gibraltar de pai espanhol e mãe inglesa. Tirou Medicina em Nottingham, continuou os estudos em Melbourne, na Austrália, e especializou-se em Desporto e Exercício em Londres. O passo seguinte foi encarado com naturalidade e começou a ter um papel de destaque no tratamento de atletas de elite.
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O West Ham acolheu-a para terminar a tese e, antes dos Jogos Olímpicos de Pequim (2008), desempenhou um papel activo na preparação britânica. No ano seguinte chegou ao Chelsea, onde se mantém até agora. É um percurso natural e consolidado, e não deveria criar grandes obstáculos ou problemas com o público. O problema é que o seu primeiro nome é Eva. E Eva é uma mulher.
O desporto é uma grande paixão desde o início. “Sempre gostei, o problema é que os queria praticar todos. Por isso sofria lesões musculares até que, na adolescência, comecei a ter problemas no joelho. Os médicos aconselharam-me a desistir, mas eu sempre quis continuar.
E foi isto que me fez acreditar que tem de haver mais do ponto de vista médico do que simplesmente repousar.O tratamento de lesões fez-me ficar fascinada com a medicina desportiva”, contou em declarações à “Gibraltar Magazine” em Setembro de 2009.
É também nessa altura que revela a primeira vez que teve de lidar com o facto de ser uma mulher médica num mundo que o preconceito diz ser uma profissão de homens. Logo após terminar o curso, seguiu viagem para o Brasil e, durante o voo, uma mulher entrou em trabalho de parto: “O meu português era tão mau que nem consegui perceber que estavam a perguntar se havia algum médico. Felizmente, havia um brasileiro a bordo que respondeu rapidamente ao pedido, e depois ajudei–o.”
O problema foi a forma como a imprensa brasileira deu a notícia. “Escreveu que um médico e uma enfermeira fizeram o trabalho de parto. Não fiquei feliz com o estereótipo feminino”, lamentou.
A forma como é vista nunca a fez desistir. Numa conferência de medicina patrocinada pela federação sueca de futebol, Eva Carneiro pôs o dedo na ferida: “As mulheres querem ser líderes, mas são excluídas pelo caminho. Em todos os programas que vi na vida, a mulher médica ou é muito estereotipada ou é vista como alguém que não está presente. Isto tem de mudar. As mulheres são desencorajadas desde novas.”
Eva resistiu. No Chelsea desde 2009, impulsionada pelo prazer de poder acompanhar a evolução médica dos jogadores durante um ano e não se limitar a consultas periódicas, chegou à equipa sénior em 2011 pela mão de André Villas-Boas. O mediatismo de haver uma mulher no banco fez com que se tornasse uma figura reconhecida em todo o mundo, mesmo que nem sempre por boas razões.
Um trabalho publicado pela BBC no início de Março chamou a atenção para os cânticos sexistas dos adeptos de Manchester United, Manchester City e Arsenal. Entre outras coisas, pedem-lhe que mostre as mamas “aos rapazes”. O tema gerou a reprovação geral, com o Chelsea a aparecer na primeira linha, pouco depois de os seus adeptos terem estado envolvidos num escândalo de racismo no metro de Paris.
“Entendemos a igualdade como um assunto muito sério e abominamos todo o tipo de discriminação. Comportamentos como este são inaceitáveis e queremos erradicá-los do jogo”, defendeu o clube londrino em comunicado. Heather Rabbatts, membro do conselho executivo da federação inglesa, apelou ao corte pela raiz do sexismo no futebol, enquanto Laura Bates, fundadora da “Everyday Sexism”, instou clubes e adeptos a juntar-se para assumirem a responsabilidade “de criar um espaço em que todos possam apreciar o futebol sem qualquer tipo de preconceito”.
Por tudo isso, foi criada uma campanha nas redes sociais contra o sexismo – #shebelongs. “Faz todo o sentido que destaquemos e celebremos as mulheres que trabalham na indústria do futebol e desempenham papéis fundamentais no seu sucesso”, afirmou Helen Grant, ministra britânica do Desporto. Até agora houve 14 casos de sexismo reportados em Inglaterra nesta temporada.
Eva Carneiro tem a difícil missão de se preocupar com a saúde física dos jogadores da equipa de José Mourinho, mas os desafios aumentam com o passar dos anos. Agora é uma figura de proa na luta para debelar o sexismo. “Os homens podem aspirar a ter uma vida com sucesso profissional e pessoal. Às mulheres, diz-se, não podem ter ambos. Noventa por cento dos emails que recebo são de jovens mulheres que querem seguir este caminho. Temos de lhes dizer que é possível, que a presença delas vai melhorar os resultados.”