Vila Franca do Campo. Um café central açoriano, com certeza

Vila Franca do Campo. Um café central açoriano, com certeza


Aqui não se vêem mulheres, só homens, quase todos pescadores, alguns camponeses, não fosse esta uma vila piscatória micaelense. Não há esplanada, ficam em pé, junto à porta, à conversa, todos eles tatuagens e cerveja na mão.


Bem podíamos ter dado a este artigo um título qualquer parecido com “em busca do café central perdido”. Chegámos a São Miguel, nos Açores, convencidíssimos de que nos esbarraríamos com um “em cada freguesia”, como se diz aqui.

Não podíamos estar mais enganados. Depois de termos posto meia ilha a tentar descobrir em quantas terras sobrava um dos antigos cafés chamados Central (diziam-nos sempre que isso já não se usava, contavam as histórias dos que tinham fechado, etc.), lá festejámos a descoberta deste resistente.

Foi mesmo assim, não vale a pena esconder, que chegámos a Vila Franca do Campo, uma terra de pescadores e camponeses a 20 minutos de Ponta Delgada que já foi capital da ilha, antes de um grande sismo em 1522. A vila inteira ficou arrasada, morreu grande parte dos habitantes, e a reconstrução foi tão lenta que o centro de poder foi transferido para Ponta Delgada.

São 11h da manhã e Bruno já serve cafés há mais de quatro horas. Os primeiros clientes são camponeses que se juntam à porta à espera que abra, para o primeiro café antes de saírem para as pastagens onde guardam as vacas. Depois começam a chegar os pescadores, os homens tatuados, pel e marcada pelo sol que vemos à entrada, ao chegar.

Bruno Pinheiro herdará o café do pai, José, tal como ele o herdou de Manuel, o seu avô. “Isto assim com este aspecto tem 25 anos, as obras foram feitas um ano depois de eu nascer”, conta. “Antes disso era uma taberna com chão que devia ser de terra batida e um balcão em madeira.” Aquilo a que se chamava loja: uma taberna que funcionava também como uma pequena mercearia onde se vendiam os produtos mais básicos. Pelo menos nesta, foi assim até 1990.

Pedimos um café e pomo-nos ao balcão com os clientes, todos homens. Perguntam se somos da “Time Magazine” — não há conversa em que não se fale da América — e falam-nos sobre como a vida é difícil na ilha. Enquanto serve traçados e Kimas, Bruno diz que por aqui não há ninguém que não tenha pelo menos um primo na América ou no Canadá, mas acrescenta: “Não é por não gostarem da ilha que as pessoas pensam em emigrar, é porque não há trabalho.”

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E ele, já alguma vez pensou sair? “Não.” Mas Bruno tem o café do pai, o sr. José Pinheiro, que depois do almoço há-de aparecer para o render. Trabalham só os dois, por turnos: um de manhã e outro à noite, que o café fecha só noite dentro, quando já não houver ninguém para servir. Não sabe bem quantos anos tem com este nome, Café Central, na praça mais central de Vila Franca, junto à igreja, sabe só que é do tempo do avô, Manuel. Os açorianos gostam de falar do tempo das coisas como o tempo de pessoas — do tempo dos pais, do tempo dos avós, do tempo antes dos avós.

De trás do balcão, Bruno vai entrando nas conversas de quem está por ali, “quase tudo pescadores”, diz. Dá ares de pessoa viajada, talvez tenha vivido já fora dos Açores, pensamos, no momento em que nos surpreende ao dizer que não: a única vez que apanhou um avião na vida foi na lua-de-mel, há dois anos, para ir à Gran Canária. “É muito bonito, mas fora isso não conheço nada. Nem as outras ilhas conheço.” Vila Franca do Campo fica a apenas 20 minutos de Ponta Delgada, mas este café está muito distante do aeroporto e dos hotéis da capital, onde a abertura do espaço aéreo e a chegada das low-cost parecem ser o único tema de conversa. 

De regresso ao Central, aqui não há pratos nem se come nada além de umas sandes de queijo açoriano, tremoços e ovos de codorniz cozidos, para acompanhar a bebida. Pelo meio da conversa, Bruno ainda nos serve um “traçadinho”, como chamam à mistura de cerveja (Especial é a marca da cerveja açoriana) com Laranjada (uma espécie de Sumol de laranja, talvez com menos gás). Há todo um novo léxico que é preciso aprender para se poder estar num verdadeiro café açoriano. Continuando nas bebidas com nomes exóticos, há ainda a Kima, um refrigerante de maracujá, uma das culturas de São Miguel e a nossa preferida. E, falando nisso, é obrigatório provar os licores: tangerina, ananás, maracujá, tudo sabores muito locais. Além do vinho abafado e da Abelheira, uma aguardente com mel produzida mesmo ali ao pé — assim como as famosas queijadas, que não se comem no Café Central mas que são mesmo daqui, de Vila Franca do Campo. 

Para chegar a este café é ir até Vila Franca do Campo e perguntar pela igreja. Escusa de tentar encontrá-lo no Google. Nem site, nem Facebook, nem morada. Nem telefone há aqui. Mas a melhor parte dos Açores também é esta. 

 

Ficha

Café Central de Vila Franca do Campo
Ano: Algures no tempo do falecido sr. Manuel Pinheiro, o avô de Bruno
Donos: José e Bruno Pinheiro
Especialidade: Não tem. Este café é mais bebidas (não tanto bolos). Nesse campeonato, sugerimos um traçadinho ou uma Kima.
Preço do café: 0,50€
Preço da imperial: 1€
Clube de futebol do dono: Sporting