© Carla Hilário Quevedo
“Levo o pijama de flanela?” “Traz. E não te esqueças dos casacos de malha.” Todos os anos, o diálogo repete-se, como se quem pergunta tivesse um prazer especial em mencionar o improvável em pleno Agosto. Sabemos que as noites de Verão no Sítio da Nazaré não são tropicais.
Mesmo ao longo do dia há variações curiosas nas temperaturas. Pode estar um ventinho frio às duas da tarde e, a partir das quatro e meia, sermos surpreendidos por um nada menos do que “extraordinário fim de tarde de praia”. “Não prometia, amanheceu nublado, esteve até frio, veio uma neblina da praia do Norte, mas depois… Nem parecia a Nazaré!” São assim as conversas sobre o estado do tempo naquela praia.
Agimos como se tudo nos surpreendesse. Somos dramáticos quando acordamos com os tejadilhos dos carros molhados, não tendo chovido uma gota durante a noite, mas conhecemos desde cedo a instabilidade nazarena. “Se aqui está a chover, na Nazaré deve estar uma verdadeira tempestade.”
Este ano concluí que o clima sobretudo ventoso – insuportável na praia do Norte, onde o McNamara, que as peixeiras tratam por “Má Cara”, faz lá as coisas dele – tinha uma explicação. Havia ordem onde pensava haver só natureza maldosa e caos. Se está vento e frio, não apetece ir à água, e o mar, mesmo na praia da Nazaré, na do Sul, naquela em que se vê o elevador, é bravo – e se estiver calmo, é de desconfiar.
Soube este ano que um trisavô morreu ali, de certeza numa altura em que os barcos não partiam da praia porque o areal estava ocupado por piratas. O elevador ainda não tinha sido construído e o Sítio era procurado por romeiros e peregrinos. “Deve ter morrido no mar alto, o velho lobo–do-mar.” Nunca tinha ouvido falar deste trisavô.
Nascida numa família de nadadores exímios, a única história que é contada numa única versão diz respeito a um feito no mar. Contam que o meu pai tinha o costume de nadar desde a praia até à Pedra do Guilhim, enfrentando ondas e correntes. Uma vez que todos contam a mesma história, penso que é seguro dizer que estamos perante a verdade, e não uma “versão oficial”.
Acredito nesta história por ser possível, por causa do protagonista e por me lembrar de mim, ainda criança, nas ondas da praia do Norte, com o meu pai ao lado a repetir que não tinha de ter medo porque estava “a puxar para fora”. Uma coisa é dizer, outra é não temer aquele mar impossível. Mas nunca vi ondas de 30 metros.
Preferia a tranquilidade das carreirinhas na outra praia, apesar de o medo estar sempre presente – uma mistura de medo e respeito por aquele mar previsivelmente instável. Contávamos as ondas, de um a sete, até serenar e podermos ir para terra. Depois recomeçava a sucessão de ondas grandes, mergulha ou salta, mas não fiques a meio.
Os dias de Verão eram estafantes, em luta com a natureza, que nos recompensava com vento frio à noite.
Apesar da experiência, só este ano levei um casaco a sério e não as habituais malhas, mas mesmo assim ouvi perguntar: “A senhora quer experimentar um ponchozinho de lã?” “Talvez daqui a três dias”, respondi.