Na fotografia pode estar um futuro ministro da Educação ou até um Presidente da República. Afinal, Nuno Crato, tal como Eduardo Marçal Grilo, foi aluno do Jardim-Escola João de Deus e também Mário Soares aprendeu pela Cartilha Maternal.
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O antigo Presidente chegou mesmo a viver na casa da mãe dos actuais herdeiros da Associação de Jardins-Escola João de Deus. Era o Marinho, e o seu pai teve até um projecto educativo com o avô de António Ponces de Carvalho, que hoje lidera os destinos da associação. Mas essa é outra história.
Esta, a da fotografia, ainda está por contar e, seja o que for que o futuro lhes reserva, este grupo de rapazes e raparigas, que acabam de passar de ano, espera ansioso e cheio de esperança pelo que aí vem.
O colégio que frequentam, o Jardim--Escola João de Deus da Estrela, em Lisboa, faz cem anos (é o quarto a celebrar o centenário, depois de Coimbra, Figueira da Foz e Alcobaça), a contrastar com os seus nove e dez anos. Mas, apesar da idade, todos conhecem o fundador e o método de ensino que põe a tónica nos afectos – não tivesse sido criado por um poeta.
E o que eles contam, embora em diferentes ambientes, porque o país é cheio de idiossincrasias, pode ser replicado em qualquer um dos 55 centros educativos que existem hoje espalhados de norte a sul do país e também nas ilhas da Madeira e Açores.
As brincadeiras e as gargalhadas desabridas são as de sempre. O ar mais descontraído mostra que já é tempo de férias, mas nunca perdem a compostura e a disciplina e menos ainda largam o tom curioso que os predispõe a aprender a tempo inteiro.
Vamos a uma prova um bocadinho mais científica: nos exames do 4.o ano deste ano lectivo, feitos por 759 crianças, houve 96% de positivas a Português e 90% de positivas a Matemática. No 6.o ano houve 100% de positivas a Português e 95% de positivas a Matemática. Nada mau, se tivermos em conta que muitos dos jardins-escola ficam em pequenas aldeias e que algumas crianças vivem em condições desfavorecidas.
Ao contrário do que se possa pensar, os Jardins-Escola João de Deus não são só para crianças ricas. A associação fundadora é uma IPSS, ou seja, uma instituição particular de solidariedade social, o que significa que as crianças pagam de acordo com os rendimentos do agregado familiar: há meninos a pagar 20 euros, com almoço, lanche e educação incluídos, e outros a pagar 400.
“Temos crianças pertencentes a todos os escalões socioeconómicos e culturais, dos mais desfavorecidos aos mais privilegiados”, explica Ponces de Carvalho.
Hoje há jardins-escola com valências que vão da creche (três meses) ao segundo ciclo (5.o e 6.o anos), mas nem sempre foi assim. “Quando o meu avô fez os jardins-escola, a instituição só recebia crianças dos três aos sete anos, a segunda classe, que era quando, normalmente, se entrava para a escola pública.
Era o primeiro modelo de ensino infantil em Portugal, antes da escola obrigatória, que ele sempre defendeu, nomeadamente enquanto ministro, na I República.
Mas o tempo mudou e comecei a perguntar à minha mãe por que razão não fazíamos um 3.o e 4.o anos, até porque os pais nos pediam isso. Mas a minha mãe dizia sempre que não, ‘não mexes na escola do meu pai, foi assim que ele a fez’. E andámos durante anos nesta discussão familiar simpática”, conta António Ponces de Carvalho. Até ao dia. O projecto cresceu e actualmente são cerca de 9 mil crianças e 1222 funcionários.
A mais-valia das ludotecas
Para garantir a formação de educadores e professores, foi criada em 1920, onde é agora o Museu, a Escola Superior de Educação João de Deus, a primeira a ter um curso de educadores de infância em Portugal. Com o tempo, outras adaptações foram sendo feitas e, desde que a mãe de Ponces de Carvalho morreu, a associação passou a desempenhar um papel alargado a outras áreas.
Por exemplo, constituíram-se as ludotecas João de Deus, duas caravanas com livros, vídeos, computadores e outros materiais didácticos a que crianças, jovens e adultos podem aceder quando querem. O objectivo é, além de ocupar miúdos mais habituados a brincar na rua, servir refeições a quem precisa, pelo menos duas por dia. As ludotecas deslocam-se a bairros especialmente desfavorecidos, como o 6 de Maio, o Casal da Mira, o Horta da Fonte ou o Casal do Silva.
Mas há mais quem queira aprender e até a Câmara de Odivelas cedeu instalações para o ensino do português, indo ao encontro da vontade de tantas avós estrangeiras que queriam comunicar com os netos. O mesmo aconteceu com mulheres de etnia cigana que, por motivos culturais, não tiveram oportunidade de frequentar a escola e estão agora a aprender a ler e a escrever.
Outro projecto recente é o Centro de Acolhimento Temporário, a Casa Rainha Santa Isabel, em Odivelas, que recebe crianças que foram retiradas à família pelo tribunal até que lhes seja atribuída uma família definitiva.
O ensino continua a ser a base do projecto iniciado por João de Deus Ramos, que já vai na terceira geração. E é nesta área que a associação tem continuado a somar prémios, com os jardins-escola a distinguirem-se em diversas áreas, como nas Olimpíadas da Matemática, organizadas pela Universidade de Aveiro, cujos dez primeiros lugares cabem a alunos da instituição, ou no domínio das artes, onde acaba de receber o prémio da Fundação Joana Vasconcelos. Para as crianças, o futuro não tem limites porque o único limite é a imaginação.