Um táxi preto inglês parado à entrada de Barão de São João anuncia que esta não é a típica terrinha no meio do nada onde não se passa nada. “Aqui há hippies”, desconfiamos. E comprovamos essa teoria assim que entramos no primeiro café e nos apercebemos de que não só somos os únicos portugueses como também somos os únicos vestidos de uma maneira mais… convencional, digamos.
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“Sumo de laranja com spirulina”, recomenda-nos a ementa de pequeno-almoço, mas deixamos a spirulina para outro dia e para outras caminhadas até à serra de Monchique.
Descobrimos Barão de São João por acaso, como também descobrimos Barão de São Miguel, algures na estrada entre Aljezur e Lagos, nesta nossa obsessão sem fim por cafés centrais. Garantem–nos que aqui também há um e parecemos não só ter descoberto um café central à altura como também a terra que costumava ser segredo de hippies alemães que para ali se mudaram no fim dos anos 70.
“Qual é a principal atracção daqui?”, perguntamos à porta do Café Central, que tem uma escultura de um gato preto deitado no letreiro.“É a noite”, responde Jorge, um local, um pouco antes de entrar num longo monólogo sobre a Praia da Luz e o caso Maddie e de nos querer pagar um medronho. “Mas não vos vou falar de tascas, copos e copofonias. Vou mostrar-vos coisas bonitas.”
Jorge indica-nos o caminho para o Passeio das Figuras, um passeio até à mata nacional de Barão de São João repleto de esculturas feitas por um local, Deodato Santos, um antigo professor reformado com muito jeito para a coisa. “Um espectáculo.”
Beber uns copos, fumar uns charros
Não foi Deodato quem fez o gato do letreiro do Café Central, foi outro artista local que os espalhou por vários telhados da zona. Dois deles até bastante enroscados um no outro, diga-se de passagem. Em cada esquina de Barão de São João parece haver uma pequena obra de arte para reparar com atenção, mais ainda em alturas de São João, onde a festa da terra costuma também incluir uma mostra de arte pública com os muitos artistas residentes.
O Café Central que José Afonso Gomes Silva (é assim que se apresenta, com o nome completo) herdou dos pais, ambos agricultores, não é excepção. Há retratos de algumas figuras da terra nas paredes, embora rodeados de fitas natalícias que ali devem ter ficado pendentes há décadas. “São quadros feitos por uma senhora holandesa que mora aqui perto, em Barão de São Miguel”, explica José Afonso.
“Ela é muito boa pintora. Gosta muito de beber uns copos, fumar uns charros, ninguém dava nada por ela, mas de repente está num sítio, pega num lápis e faz uma obra destas.”
Califórnia portuguesa
Barão de São João é o típico sítio onde as pessoas gostam de beber, fumar uns charros e pintar. Sempre foi assim depois do 25 de Abril, quando os estrangeiros descobriram a terra para os “trabalhos de campo”, diz José Afonso. Numa artigo de 2011, a “Visão”até lhe chama “a Califórnia portuguesa” e explica como se montaram tendas em 1974 para acolher “turistas políticos, na maioria alemães que queriam ajudar a cimentar a revolução”.
Muitos desses turistas políticos ficaram por ali até aos dias de hoje. “Chegámos até a ceder-lhes esta casa aqui por cima para irem para lá fazer a comida”, recorda o dono do Café Central. “Alguns acabaram por comprar aqui casa, médicos, arquitectos e isso, e trouxeram os amigos. Se não fossem os estrangeiros, isto não tinha ninguém. E não são os turistas. São estrangeiros que vivem aqui o ano inteiro.”
Código da Vinci em alemão
É possível que sim. Sentada numa das mesas ao lado de um dos vários posters do Benfica está a mãe de José Afonso, de 82 anos, que agora “trata das galinhas”. Também há fotos, desenhos e recortes do filho Tomé, que entrou este ano para a primária, e as típicas facas e canivetes suíços que hão-de calhar a alguém que um dia destes se aventure nas rifas para quebrar a rotina.
Atrás de uns vasos na janela, um papel anuncia “Livros grátis”. “Isso foi uma brincadeira. Encontrámos duas caixas de livros no lixo e acabámos por trazê–los para aqui”, continua José Afonso. “A maior parte são ingleses e alemães [como, aliás, quase toda a gente dali]. O objectivo é que as pessoas levem um e tragam outro.”
Até queríamos fazer a troca, mas só há livros estrangeiros e não estamos muito à vontade para um “Código Da Vinci” em alemão. Preferíamos o despertador do Benfica na parede, mas isso já é outra conversa de café para fazer ali numa das mesas em bom português e falar do jogo de ontem.
Café Central de Barão de São João
Ano: 1976
Donos: José Afonso Gomes Silva
Especialidade: Não há nenhuma, mas pelo sim pelo não peça uma amarguinha
Preço do café: 60 cêntimos
Preço da cerveja: 70 cêntimos uma mini, 1 euro uma média
Clube de futebol do dono: Benfica