Cameron – “amor ao próximo” ou “praga”?


“Across Britain, Christians don’t just talk about ‘loving thy neighbour’, they live it out…”1 


Itália vive há anos a clamar por ajuda da União para fazer face àquilo que, sendo uma catástrofe humanitária, é também um problema sócio-económico, cultural e religioso. Uma bomba relógio para a Europa “organizadinha”, tal como a conhecemos: hordas de imigração ilegal que atravessam o Mediterrâneo, fugindo à fome, à guerra, à morte, às perseguições tribais ancestrais, que sempre existiram, mas que são hoje um quase Apocalipse, alimentadas com armamento Ocidental e, tantas vezes, até por interesses Ocidentais.

Muitos não são refugiados políticos. São refugiados económicos, sociais, religiosos. São seres humanos, iguais a todos nós na essência da humanidade, e totalmente diferentes nos hábitos, costumes, cultura, história de vida e grupal.
Mas é impossível conter o despontar de uma lágrima quando atentamos numa ou noutra das histórias que os media nos trazem: solidarizar-nos com os mais pobres, os mais fracos, os oprimidos, os que nada têm, nem “terra”… numa forma sentimental de dizer “apátridas”. 

Qual de nós, sem coração, não sente vontade de ajudar. Qual de nós se não comisera com os gigantes olhos marejados das crianças agarradas aos colos das mães, subnutridas, apenas sem medo porque ainda nem consciência têm dos horrores de que fogem. E os infantes? Mais homens aos dez anos que tantos dos nossos jovens licenciados. Como não nos apiedarmos? Como resistir ao apelo do Papa, quando há meses alerta para a catástrofe no Mediterrâneo.

Os Governos de França ou do Reino Unido preocuparam-se com o clamor vindo de Itália? Com o pungente apelo de Lampedusa. Nada. Nem um estertor. Nem um piscar de olhos. Frases de circunstância. Discursos ocos.

Porém, de repente tudo mudou. A onda de imigrantes galgou França de Sul a Norte, e chegada a Calais iniciou um tipo de “Dia D” às avessas. Aqui d’El-Rei! O Governo de S. Majestade arrufou. Quebrou-se-lhe o verniz do humanitarismo com que, por centúrias, tem coberto as relações com as suas Colónias e até com alguns dos seus vizinhos europeus, v.g. Espanha, em Gibraltar. 

A fleuma desapareceu, e os “semelhantes” para o cristão Cameron são afinal uma “praga”. O valor da caridadezinha ficou à vista de todos: “We stand with you.”2

Mas afinal, quem se espanta com isso? Quem se esquece que a solidariedade dos EUA para com a Europa na Segunda Guerra Mundial lhes saiu da alma apenas depois de Pearl Harbor ter sido atacado?3 Que a historieta dos povos irmãos só desabrochou porque os EUA foram empurrados pelo Japão para uma guerra que apenas queriam jogar na retaguarda. De 7 de Dezembro de 1941 para 30 de Julho de 2015 mudaram os actores, mudou a geografia, mudaram as razões – mas a essência da humanidade é sempre a mesma.

Ao menos pode ser que Itália, e os “outros” do Sul, tenham agora a atenção do magnânimo Reino Unido, e, por contágio, dos EUA.
 
1.  Discurso de D. Cameron,  Páscoa de 2015 – in https://www.youtube.com /watch?v=A6JzlUwnSWw.
2. Idem.
3. “Estando saturado e satisfeito de emoção e sensação, fui para a cama e dormi o sono dos salvos e agradecidos” (Winston Churchill, The Second World War, vol. 3, p. 539, depois de saber da entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial).

Advogado, escreve à sexta-feira

Cameron – “amor ao próximo” ou “praga”?


“Across Britain, Christians don’t just talk about ‘loving thy neighbour’, they live it out…”1 


Itália vive há anos a clamar por ajuda da União para fazer face àquilo que, sendo uma catástrofe humanitária, é também um problema sócio-económico, cultural e religioso. Uma bomba relógio para a Europa “organizadinha”, tal como a conhecemos: hordas de imigração ilegal que atravessam o Mediterrâneo, fugindo à fome, à guerra, à morte, às perseguições tribais ancestrais, que sempre existiram, mas que são hoje um quase Apocalipse, alimentadas com armamento Ocidental e, tantas vezes, até por interesses Ocidentais.

Muitos não são refugiados políticos. São refugiados económicos, sociais, religiosos. São seres humanos, iguais a todos nós na essência da humanidade, e totalmente diferentes nos hábitos, costumes, cultura, história de vida e grupal.
Mas é impossível conter o despontar de uma lágrima quando atentamos numa ou noutra das histórias que os media nos trazem: solidarizar-nos com os mais pobres, os mais fracos, os oprimidos, os que nada têm, nem “terra”… numa forma sentimental de dizer “apátridas”. 

Qual de nós, sem coração, não sente vontade de ajudar. Qual de nós se não comisera com os gigantes olhos marejados das crianças agarradas aos colos das mães, subnutridas, apenas sem medo porque ainda nem consciência têm dos horrores de que fogem. E os infantes? Mais homens aos dez anos que tantos dos nossos jovens licenciados. Como não nos apiedarmos? Como resistir ao apelo do Papa, quando há meses alerta para a catástrofe no Mediterrâneo.

Os Governos de França ou do Reino Unido preocuparam-se com o clamor vindo de Itália? Com o pungente apelo de Lampedusa. Nada. Nem um estertor. Nem um piscar de olhos. Frases de circunstância. Discursos ocos.

Porém, de repente tudo mudou. A onda de imigrantes galgou França de Sul a Norte, e chegada a Calais iniciou um tipo de “Dia D” às avessas. Aqui d’El-Rei! O Governo de S. Majestade arrufou. Quebrou-se-lhe o verniz do humanitarismo com que, por centúrias, tem coberto as relações com as suas Colónias e até com alguns dos seus vizinhos europeus, v.g. Espanha, em Gibraltar. 

A fleuma desapareceu, e os “semelhantes” para o cristão Cameron são afinal uma “praga”. O valor da caridadezinha ficou à vista de todos: “We stand with you.”2

Mas afinal, quem se espanta com isso? Quem se esquece que a solidariedade dos EUA para com a Europa na Segunda Guerra Mundial lhes saiu da alma apenas depois de Pearl Harbor ter sido atacado?3 Que a historieta dos povos irmãos só desabrochou porque os EUA foram empurrados pelo Japão para uma guerra que apenas queriam jogar na retaguarda. De 7 de Dezembro de 1941 para 30 de Julho de 2015 mudaram os actores, mudou a geografia, mudaram as razões – mas a essência da humanidade é sempre a mesma.

Ao menos pode ser que Itália, e os “outros” do Sul, tenham agora a atenção do magnânimo Reino Unido, e, por contágio, dos EUA.
 
1.  Discurso de D. Cameron,  Páscoa de 2015 – in https://www.youtube.com /watch?v=A6JzlUwnSWw.
2. Idem.
3. “Estando saturado e satisfeito de emoção e sensação, fui para a cama e dormi o sono dos salvos e agradecidos” (Winston Churchill, The Second World War, vol. 3, p. 539, depois de saber da entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial).

Advogado, escreve à sexta-feira